As teorias do conflito: uma aplicação prática à cultura da consensualidade

AutorHumberto Lima de Lucena Filho
CargoBacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte ? UFRN
Páginas225-248
AS TEORIAS DO CONFLITO: UMA APLICAÇÃO PRÁTICA À
CULTURA DA CONSENSUALIDADE
THE THEORIES OF CONFLICT: A PRACTICAL APPLICATION TO THE
CONSENSUALITY CULTURE
Humberto Lima de Lucena Filho1
Resumo: Da da a dificuldade d e se compreender o s elementos que integram o conflito submetido ao
julgador, o presente trabalho bus ca abordar as teorias do conflito como contribui ções doutrinárias para a
solução pacífica dos lit ígios e fomento da cultura da consensualidade, de forma a fornecer elem entos
teóricos aos profissionais do Direito que permitam a compreensão do c onflito sob um viés de distintas
correntes doutrinárias. As teorias do conflito são abordadas em sua conc epção clá ssica, no ângulo
sociológico e moderno com a contraposição de seu s conceitos e enfoque no domínio destes pelo
julgador. Para ta nto, recorre o trabalho ao método lógico-d edutivo com amparo na mais expressiva
literatura acerca do tema e propug na, ao final, uma abordag em positiva do conflito e a reunião do s
diversos conceitos para a compreensão do c onflito em cada caso concreto.
Palavras-chave: Teorias do Conflito; Solu ção Pacífica dos Litígios; Cultura da Consensualidade.
Abstract: Considering the difficulty to understand the ele ments that constitute the conflict submitted to
the judge, the current paper ai ms to study the conflict theories and doctrinal contributions for the
peaceful settlement of disputes and promotion of the consensus culture in order to provide the
theoretical elements that allow Law pr ofessionals to understand the conflict under different doctrine
points of view. The t heories of conflict are studied i n its classical conception, over t he modern
sociological angle and the contrast of it s concepts and their due domain by the judge. In order to achi eve
it, the paper is based in the logical-deductive method and supported by most significant conflicts
literature and proposes, in the end, a positive approach o f the conflict and the usage of the various
concepts for the understanding of the co nflict in each case.
Keywords: Theories of conflict; Peaceful S ettlement of Disputes; Consensuality Culture.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Com o fort alecimento do Estado, enquanto ente abstrato dotado de
capacidade de organização político-institucional com o fim de reconhecimento e
proteção universais dos seus nacionais, sucedeu-se um incremento do seu poder na
disciplina das relações privadas e, por consequência, a importância da participação
da jurisdição como meio de solução de litígios. Ademais, com o desenvolvimento
dos meios tecnológicos e a dinamicidade socieconômico-científica, constatou-se a
necessidade de se ter órgãos consolidados, dotados de independência e
imparcialidade com o fito de solucionar lides cada vez mais complexas.
Na atualidade, a jurisdição, enquanto monopólio estatal na distribuição de
justiça (o que não invalida a utilização de outros meios alternativos na composição
dos conflitos), tem sido praticamente o único meio utilizado pelos indivíduos na
solução de suas contendas e funcionado como um poderoso instrumento n a
garantia e concretização de direitos encartados nas Constituições. Porém, ainda
1 Bac harel em Direito pela Universidade Federal do Ri o Grande do N orte – UFRN. Pesquisador d o
Programa de Recursos Humanos em Direito do Petróleo, Gás Natural e Biocom bustíveis Nº 36 da
Agência Nacional do Petróleo, Gá s Natural e Biocombustíveis - PRH-36 ANP/MCT/UFRN (2005-
2006). Especialista em Direito e Processo do Trabal ho pela Uni versidade Potigua r - UnP/Laur eate
International Universities. Mestrando e m D ireito Constitucional pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte – UFRN. Oficial de Justiça Avaliador Federal do Tribunal Regional do T rabalho da
21ª Região. Professor do curso de Direito d o Centro Universitário do Rio Grande do Norte-UNI-RN.
Instituição: UFRN. Email: betolucena@yah oo.com.br.
226 Direitos Culturais, Santo Ângelo, v.7, n.1 2, p. 225-249, jan./jun. 2012
nesse mesmo cenário, também é possível detectar uma supervalorização dos
métodos oficiais distribuidores de justiça, fato esse que se concretiza com o
depósito de esperanças individuais e coletivas no Poder Judiciário, visto como um
verdadeiro superórgão capaz de resolver todas as diferenças existentes entre os
indivíduos. No descrito contexto edifica-se a crise do sistema judicial brasileiro,
especialmente pela sua incapacidade em atender aos anseios dos jurisdicionados e
a explosão de litigiosidade na sociedade brasileira2.
Ocorre que os instrumentos de viabilidade da jurisdição – o direito de ação
e o processo – têm servido por vezes de vinganças personalíssimas, tornando o
Poder Judiciário não apenas aplicador da lei abstrata e impessoal, mas palco de
rixas pessoais, íntimas e odiosas, quando não uma verdadeira loteria jurídica, ad
exemplum a ‘indústria dos danos morais’. Em agravo a essa r ealidade, os órgãos
responsáveis pela distribuição de justiça não conseguiram acompanhar o processo
de globalização que bate às portas também nos provimentos jurisdicionais.
Enquanto empresas, trabalhadores, consumidores e Estados interagem
entre si num ritmo assaz célere, potencializando o surgimento de lides, os tribunais
se encontram afogados em milhares de processos e estes, por sua vez, baseados em
legislações processualistas truncadas e de cunho protelatório. Tem-se também uma
quantidade de magistrados, servidores e bens insuficientes para atender a o
tratamento constitucional dado aos processos judiciais e administrativos3.
Abstraídas questões de ordem estruturais e técnicas, bem como
procedendo a uma análise inicial, é tranquila a a firmação de que, embora a
jurisdição tenha como alvo ma gno a pacificação social e solução do caso concreto
submetido ao Estado-juiz, há certa distorção de valores no manejo dos conflitos,
tanto por parte dos sujeitos ativos e passivos da relação processual quant o dos
próprios membros do aparato estatal. Nesse sentido, pertinente o escólio de
Dinamarco, Cintra e Grinover:
A afirmação de que através da ju risdição o Estado procura a
realização do direito material (escopo jurídico do processo), sendo muito
pobre em si mesma, há de coordenar-se com a ideia superior de que os
objetivos buscados são, antes de mais nada, objetivos sociais: trata-se de
garantir que o direito objetivo material s eja cumprido, o ordenamento jurídico
preservado em sua autoridade e a paz e ordem na sociedade favorecidas pela
imposição da vontade do Estado. O mais elevado interesse que se satisfaz
através do exercício da jurisdição é, pois, o interesse da sociedade.
Isso não quer dizer, contudo, qu e seja essa mesma a motivação que
leva as p essoas ao processo. Quando a pessoa pede a condena ção do seu
alegado devedor, ela está buscando a sati sfação de seu próprio inter esse e
não, altruisticamente, a atuação da vontade da lei ou mesmo a paz social. Há
2 O relatório sintético do Conselho Nacional de Justi ça do ano de 2010 a pontou 24.227 .727 novos
processos (11.536 novos processos a cada 100.0 00 habitantes) aliados a 59.166.724 pendentes de
resolução. O mesmo relatório trouxe como dado que a taxa de congestionamento mé dia (busca
mensurar se a Ju stiça consegue decidir com presteza as demandas da sociedade, ou seja, se as novas
demandas e os casos pendentes do período ant erior são finalizados ao long o do ano) da Justiça Fe deral,
Estadual e do Trabalho, no mesmo ano, foi de 61%, isto é, de cada cem proce ssos em tramitação,
apenas 39 foram finalizados até o final do a no.
3 Art. 5º Constituição da República Federativa do Bra sil (CFRB) de 1988: Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasile iros e a os estrangeiros residentes no
País a invi olabilidade do direito à vida, à lib erdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes: [...] LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios qu e garantam a celeridade de sua tramitação;

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