Teoria geral da execução trabalhista

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo
Páginas29-109

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1. Introdução e aspectos críticos

A legislação vigorante na Roma antiga era extremamente rigorosa em relação à pessoa que deixasse de cumprir a obrigação assumida: ao contrário do que ocorre nos tempos atuais, porém, os credores romanos não podiam fazer que a execução incidisse no patrimônio do devedor, pois as medidas previstas naquela legislação prisca tinham como destinatária, em regra, a pessoa do próprio devedor. A execução era, portanto, corporal, e não patrimonial1.

Atualmente, com o avanço da sociedade, a execução não mais incide sobre a pessoa do devedor, e sim sobre seu patrimônio (princípio da humanização da execução que tem início em Roma, no século V, com a Lex Poetelia). Diz-se que a execução tem caráter patrimonial. Nesse sentido é o que dispõe o art. 591 do CPC, in verbis: O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.

Como destaca Araken de Assis2:

O art. 591 culmina notável evolução histórica. Rompendo com as tradições romana e germânica, convergentes ao imprimir responsabilidade pessoal ao obrigado, a regra dissociou a dívida e responsabilidade. Esta última se relaciona com inadimplemento, que é o fato superveniente à formação do vínculo obrigacional, pois somente após descumprir o dever de prestar o obrigado sujeitará seus bens à execução.

Um dos capítulos do processo do trabalho que têm sido apontados como grande entrave ao acesso real e efetivo do trabalhador à Justiça do Trabalho é o da execução.

Mesmo a CLT prevendo um procedimento simpli?cado para a execução, a cada dia o procedimento da Consolidação vem perdendo terreno para a inadimplência, contribuindo para a falta de credibilidade da jurisdição trabalhista.

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Ainda que tenha um título executivo judicial nas mãos, o credor trabalhista tem enfrentado um verdadeiro calvário para satisfazer seu crédito, e muitas vezes o executado, tendo numerário para satisfazer o crédito do autor, prefere apostar na burocracia processual e deixar para adimplir o crédito somente quando se esgotar a última forma de impugnação.

Neste triste cenário, a cada dia mais o processo do trabalho carece de instrumentos processuais e?cazes que lhe façam realizar a promessa de efetividade da legislação social.

Atualmente, o Código de Processo Civil passa por reformas signi?cativas, eliminando a burocracia da execução, visando atender aos princípios da simplicidade, celeridade e efetividade do procedimento.

Podemos dizer que atualmente a legislação processual tem endurecido mais na execução, com a ?nalidade de mudança de sua mentalidade, a ?m de forçar o executado a cumprir a sentença, ou a obrigação consagrada no título com força executiva. Por isso, há, de certa forma, um pequeno retorno da execução à fase mais dura, com o aumento do poder coercitivo do Estado na busca da satisfação do crédito do exequente.

Em razão disso, pensamos que são medidas de justiça, razoabilidade, efetividade e preocupação com o cumprimento da legislação material trabalhista reconhecer a importância das recentes alterações do Código de Processo Civil, rumo ao aperfeiçoamento da execução, visando aniquilar o estigma do processo de execução do ganha, mas não leva e transportá-las para a execução trabalhista.

Deve caminhar o processo do trabalho atual para simpli?cação da execução, a ?m de que esta seja uma fase processual de satisfação do crédito do credor trabalhista e de efetividade dos direitos sociais.

Como destaca Pedro Paulo Teixeira Manus3:

Mais do que nunca, acreditamos que a execução há de ser objeto de uma revisão, simplicando-a e tornando-a mera fase administrativa de um primeiro título executivo. Se este for decorrente de sentença, a matéria que se poderá debater deverá ser simplesmente o acerto da sua quanti?cação e, caso seja título extrajudicial, poderá o legislador elastecer o rol de temas possíveis de defesa pelo executado. Isso, sim, signi?caria avanço no processo do trabalho, pois a execução do modo que hoje se processa permite ao devedor retardar o cumprimento da coisa julgada injusti?cadamente, ocorrendo em certos casos de a execução prolongar-se por muito mais tempo que a fase de conhecimento, o que é inadmissível.

É necessária, mais que a edição de leis, a mudança de mentalidade dos operadores do direito, principalmente do devedor, a ?m de que a fase de execução se transforme, efetivamente, em fase de satisfação da obrigação consagrada no título executivo, sem a necessidade dos inúmeros incidentes processuais que travam o procedimento executivo.

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Além disso, é necessário entender que é mais vantajoso, tanto para o exequente como para o executado, o cumprimento célere da obrigação ?xada na sentença.

2. Do conceito de execução trabalhista

Sérgio Shimura4 conceitua execução como “uma cadeia de atos de atuação da vontade sancionatória, tendentes à realização de uma conduta prática do devedor, por meio dos quais, com ou sem a sua participação, invade-se o seu patrimônio para, à custa dele, obter-se o resultado previsto pelo direito material”.

Ensina José Augusto Rodrigues Pinto5:

Executar é, no sentido comum, realizar, cumprir, levar a efeito. No sentido jurídico, a palavra assume signi?cado mais apurado, embora conservando a ideia básica de que, uma vez nascida, por ajuste entre particulares ou por imposição sentencial do órgão próprio do Estado, a obrigação deve ser cumprida, atingindo-se no último caso, concretamente, o comando da sentença que a reconheceu ou, no primeiro caso, o ?m para o qual se criou.

Na visão de Manoel Antonio Teixeira Filho6, a execução “é a atividade jurisdicional do Estado, de índole essencialmente coercitiva, desenvolvida por órgão competente, de ofício ou mediante iniciativa do interessado, com o objetivo de compelir o devedor ao cumprimento da obrigação contida em sentença condenatória transitada em julgado ou em acordo judicial inadimplido ou em título extrajudicial, previsto em lei”.

A sentença não voluntariamente cumprida dá ensejo a uma outra atividade jurisdicional, destinada à satisfação da obrigação consagrada em um título. Essa atividade estatal de satisfazer a obrigação consagrada no título que tem força executiva, não adimplido voluntariamente pelo credor, se denomina execução forçada.

Como bem adverte Enrico Tullio Liebman7, “a execução é feita para atuação de uma sanção justi?cada pelos fatos ocorridos entre as partes, isto é, para satisfazer direito efetivamente existente. Por isso não pode proceder-se à execução senão depois de veri?cada legalmente a existência dos fatos que a justi?cam e que constituem a sua causa em sentido jurídico. Não se pode, pois, começar pela execução: ad executione no est encoandum. Ao contrário, deve, em regra, preceder o conhecimento e julgamento da lide. Mas isso também não quer dizer que a todo processo de cognição se segue necessariamente o processo de execução, pois em muitos casos, com a prolação da sentença, o assunto termina de?nitivamente e não há lugar para a execução”.

A Consolidação das Leis do Trabalho disciplina a Execução no Capítulo V: arts. 876 a 892.

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No nosso sentir, a execução trabalhista consiste num conjunto de atos praticados pela Justiça do Trabalho, mediante regular processo, destinados à satisfação de uma obrigação consagrada num título executivo judicial ou extrajudicial, da competência da Justiça do Trabalho, não voluntariamente satisfeita pelo devedor, contra a vontade deste último.

Da de?nição que adotamos, destacam-se as seguintes características:

  1. a execução é ato do Estado, destacando-se o caráter publicista do processo;

  2. a execução se processa mediante processo...

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