Teoria Geral do Direito Processual do Trabalho

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo
Páginas45-118

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1. Do conflito trabalhista

Não há consenso na doutrina sobre o que seja conflito1, mas este é inerente à condição humana, principalmente em razão da escassez de bens existentes na sociedade e das inúmeras necessidades do ser humano.

Márcio Pugliese2 apresenta os seguintes fatores para um modelo conflitivo da sociedade:

"

  1. A vida social, num determinado modo produtivo, é resultado da interação permanente de utilidades (interesses) diversas que constituem o elemento motivador fundamental para a conduta social do homem; b) O conflito de interesses é a busca de utilidade, domina a vida social e, em consequência, propicia a produção de normas, regulamentos, sistemas de repressão e lide de todo tipo; c) O consenso, também chamado equilíbrio social, é um estado precário, sendo mais um construto teórico-prático que efetivo consenso normativo generalizado; d) O consenso, no sentido de c), existe como expressão ideológica das resultantes das forças de dominação e coerção ou de exploração de uma sociedade e é, por consequência, precário e mutável; e) O conflito social favorece a divisão da sociedade em grupos de pressão, instituições (particularmente partidárias) que disputam o poder que, de fato, permanece com as elites dominantes; f)A ordem social (estado de equilíbrio do sistema) depende da natureza desse conflito, ou melhor, de sua estrutura; g) O conflito entre os contendores produz a mudança social, elemento permanente em qualquer sociedade a fim de manter o estado geral de coisas orbitando em torno de um ponto de equilíbrio (um ponto de acumulação, em sentido topológico); h) Quando o desequilíbrio excede a capacidade de o sistema obter retorno a esse ponto de acumulação, transformações serão necessárias; i) Inicialmente,

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o sistema tenderá a diversificar seu funcionamento a fim de superar o desequilíbrio e, se isso não for suficiente, então, e só então, mudanças estruturais serão implementadas".

Ensina Amauri Mascaro Nascimento3:

"O vocábulo conflito, de conflictus, que significa combater, lutar, designa posições antagónicas. Outra palavra usada é controvérsia. Segundo a teoria, surge uma controvérsia quando alguém pretende a tutela do seu interesse, relativa à prestação do trabalho ou seu regulamento, em contraste com interesses de outrem e quando este se opõe mediante a lesão de um interesse ou mediante a contestação da pretensão, mas é possível dizer que o conflito trabalhista é toda oposição ocasional de interesses, pretensões ou atitudes entre um ou vários empresários, de uma parte, e um ou mais trabalhadores a seu serviço, por outro lado, sempre que se origine do trabalho e uma parte pretenda a solução coativa sobre outra".

O Direito do Trabalho, como é marcado por grande eletricidade social, uma vez que está por demais arraigado na vida das pessoas e sofre de forma direta os impactos das mudanças sociais e da economia, é um local fértil para eclosão dos mais variados conflitos de interesse.

Os conflitos trabalhistas podem eclodir tanto na esfera individual como na esfera coletiva. Na esfera individual, há o chamado conflito entre patrão e empregado, individualmente considerados, ou entre prestador e tomador de serviços, tendo por objeto o descumprimento de uma norma positivada, seja pela lei ou pelo contrato. Já o conflito coletivo trabalhista, também denominado conflito de grupo4 ou de categorias, tem por objeto não somente o descumprimento de normas positivadas já existentes (conflito jurídico ou de natureza declaratória), mas também a criação de novas normas de regulamentação da relação de trabalho (conflitos de natureza económica). Como bem adverte Pinho Pedreira5, "o bem mais comumente disputado nos conflitos de trabalho é o salário, que os trabalhadores pleiteiam seja elevado e os empregadores se recusam a aumentar, ou a fazê-lo no percentual reivindicado".

Segundo António Monteiro Fernandes6: "Um dos temas mais importantes e complexos que se deparam no domínio do Direito Colectivo é o dos conflitos. Na

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verdade, 'o conflito, latente ou ostensivo é a essência das relações industriais'; a negociação colectiva não é só uma técnica de produção de normas, mas também um método de superação de conflitos actuais ou potenciais; envolve um processo jurídico e uma dinâmica social".

A doutrina costuma classificar os conflitos coletivos em conflitos jurídicos ou de direito, que não têm por objeto a criação de novas condições de trabalho, e os conflitos de interesse ou económicos, que visam à criação de novas condições de trabalho. Conforme leciona Octavio Bueno Magano: "Os conflitos económicos têm por escopo a modificação de condições de trabalho, e, por conseguinte, a criação de novas normas, enquanto os jurídicos têm por finalidade a interpretação ou aplicação de normas jurídicas preexistentes"7.

Na esfera processual, o conflito surge quando ocorre uma pretensão resistida, o que Carnelutti8 denominou lide9 Por seu turno, segundo este consagrado processualista, pretensão é a exigência de subordinação do interesse alheio ao interesse próprio10

Conflito de interesse, conforme ensina Moacyr Amaral Santos11 "pressupõe, ao menos, duas pessoas com interesse pelo mesmo bem. Existe quando a intensidade do interesse de uma pessoa por um determinado bem se opõe à intensidade do interesse de uma pessoa pelo mesmo bem, donde a atitude de uma tendente à exclusão da outra quanto a este".

Surge a lide trabalhista, quando há uma pretensão resistida do trabalhador ou do tomador de serviços, tendo por escopo a violação da ordem jurídica trabalhista.

2. Das formas de solução dos conflitos trabalhistas

Como destacam António Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco12:

"A eliminação dos conflitos ocorrentes na vida em sociedade pode-se verificar por obra de um ou de ambos os sujeitos dos interesses conflitantes,

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ou por terceiro. Na primeira hipótese, um dos sujeitos (ou cada um deles) consente no sacrifício total ou parcial do próprio interesse (autocomposição) ou impõe o sacrifício do interesse alheio (autodefesa ou autotutela). Na segunda hipótese, enquadram-se a defesa de terceiro, a conciliação, mediação e o processo (estatal ou arbitrai)".

Segundo nos traz a doutrina, são meios de solução dos conflitos na esfera trabalhista: autotutela ou autodefesa, autocomposição e heterocomposição.

a) autotutela

A autotutela ou autodefesa é o meio mais primitivo de resolução dos conflitos em que uma das partes, com utilização da força, impõe sua vontade sobre a parte mais fraca. Nesta modalidade, há uma ausência do Estado na solução do conflito, sendo uma espécie de vingança privada.

Ensina Amauri Mascaro Nascimento13:

"A autodefesa pode ser autorizada pelo legislador, tolerada ou proibida [...] A solução que provém de uma das partes interessadas é unilateral e imposta. Portanto, evoca a violência, e a sua generalização importa na quebra da ordem e na vitória do mais forte e não do titular do direito. Assim, os ordenamentos jurídicos a proíbem, autorizando-a apenas excepcionalmente, porque nem sempre a autoridade pode acudir em tempo a solução dos conflitos."

Como destacam António Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamaro14 "são fundamentalmente dois os traços característicos da autotutela: a) ausência de juiz distinto das partes; b) imposição da decisão por uma das partes à outra".

Hoje, nas legislações, ainda há resquícios da autotutela em alguns Códigos, como a legítima defesa da posse no Código Civil, ou o estado de necessidade e legítima defesa na esfera penal.

Na esfera do conflito coletivo de trabalho, temos como exemplo de autotutela a greve e o locaute, sendo este vedado no ordenamento jurídico brasileiro pelo art. 17...

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