Teoria do Risco e da Responsabilidade Civil Aplicáveis ao Direito do Trabalho

AutorEnoque Ribeiro dos Santos
Ocupação do AutorProfessor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Páginas62-234

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Estaremos desenvolvendo neste capítulo o entendimento sobre a Teoria do Risco e apresentando uma rápida síntese sobre as várias teorias da responsabilidade civil aplicáveis no caso concreto às lides trabalhistas.

1. A aplicação da teoria do risco no direito do trabalho e as teorias da responsabilidade civil

A Teoria do Risco surgiu como um avanço em relação à Teoria da Culpa Administrativa do Estado, uma vez que esta última, também denominada de Teoria do Acidente Administrativo, para identificar a culpa do Estado, exigia a apuração da culpa do serviço público e não a do agente público.

Antes de adentrar a Teoria do Risco propriamente dita, de maneira perfunctória, iremos discorrer sobre a teoria que a precedeu, ou seja, a Teoria do Risco Administrativo ou do Acidente Administrativo.

Na Teoria do Risco Administrativo, o evento culpa poderia ocorrer em três situações: a) em decorrência do não funcionamento do serviço público. Nessa hipótese, o lesado deveria provar que o dano ocorreu pelo simples fato de o serviço público não estar funcionando. Se o serviço estivesse em funcionamento o dano não teria ocorrido; b) na segunda hipótese, o serviço existe e foi realizado, embora com certo atraso, tendo provocado dano a terceiros; c) por último, o mau funcionamento do serviço público. Se o serviço tivesse sido prestado de forma regular, o dano não teria ocorrido.

O problema que se afigurava era justamente a colheita e a demonstração da prova do dano, ou seja, de que o serviço foi mal prestado ou que ocorreu atraso, posto que invariavelmente os padrões de qualidade técnica para se aferir cientificamente a prestação do serviço público são de difícil mensuração.

Nesse sentido, o surgimento da Teoria do Risco representou um grande avanço, pois ela se funda na Responsabilidade Objetiva, ou seja, sem a per-

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quirição da culpa. Por essa teoria, a responsabilização do Estado ou de uma empresa não mais carece da comprovação da culpa de o agente público, ou do serviço público ou mesmo do particular, mas tão somente a demonstração do dano e do nexo etiológico1 entre o dano e o serviço público ou o ato da empresa ou do empregado.

A Teoria do Risco tem fundamento principalmente na atividade estatal, que envolve o manejo de quantias fabulosas de recursos, bem como de uma grande coletividade de indivíduos, além da solidariedade social, já que toda a sociedade se beneficia da atividade estatal. Assim, o dano causado injustamente deverá ser socializado pela sociedade, no caso dos serviços públicos e ressarcido pela empresa privada, se a sua atividade econômica ensejou riscos para terceiros.

Na verdade, a Teoria do Risco desdobra-se em: Teoria do Risco Integral e do Risco Administrativo.

1.1. A teoria do risco integral

A Teoria do Risco Integral, quando aplicada ao Estado, não admite a possibilidade de qualquer tipo de excludente, ou seja, não isenta o Estado de qualquer responsabilidade, na hipótese de dano a terceiros.

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Em outras palavras, se houve dano ou lesão, o Estado deve ressarcir o lesado, mesmo que este esteja agindo por culpa (negligência, imprudência ou imperícia) e dolo.

Pelo fato de não existir excludentes da responsabilidade nessa teoria, ela poderia dar ensejo a eventual enriquecimento ilícito. Essa teoria nunca foi acolhida no ordenamento jurídico pátrio.

1.2. A teoria do risco administrativo

A Teoria do Risco Administrativo é bem mais moderada. No entanto, aceita a não discussão em relação aos elementos subjetivos da responsabilidade (culpa ou dolo), bem como se houve culpa do serviço público.

Para a responsabilização do Estado ou da empresa basta a verificação do nexo causal, ou seja, a relação fática entre o dano e a atividade estatal ou da empresa, que tenha provocado lesão a terceiros. Pelo fato de a atividade estatal e a das empresas ensejar riscos, decorrentes de suas próprias atividades, deverá existir a Responsabilidade Objetiva.

Não obstante, a Responsabilidade Objetiva não é absoluta, como na teoria anterior. Existem casos em que o Estado e a empresa se eximirão do pagamento da indenização. As excludentes de responsabilidade na Teoria do Risco, então, serão os casos de: a) fato exclusivo da vítima; b) fato exclusivo de terceiro; e
c) força maior, que veremos mais adiante nesse trabalho.

É oportuno reafirmar que a Teoria do Risco, que foi incorporada agora ao Código Civil de 2002, no art. 927, constitui instituto já aplicado no Direito do Trabalho, no caso concreto há longa data, conforme preceitua o art. 2º, § 2º, da CLT.

Em rápidas palavras, podemos dizer que em sede de Responsabilidade Objetiva não se perquire sobre a existência ou não de culpa ou dolo do agente, ou seja, basta a existência do nexo causal (relação de causa e efeito) e do dano ou lesão. O que se leva em consideração, neste caso, é a ação ou atividade ou a omissão do agente, por si só considerada como potencialmente perigosa para terceiros.

2. As teorias da responsabilidade civil

Entre as várias teorias sobre o risco, podemos enumerar:

  1. a teoria do risco proveito, baseada na ideia de que quem tira proveito ou vantagem de uma atividade e causa dano a outrem tem o dever de repará-lo;

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  2. a teoria dos atos normais e anormais, medidos pelo padrão médio da sociedade;

  3. a teoria do risco inerente à atividade econômica. A teoria que melhor explica a responsabilidade objetiva, entretanto, é a do Risco Inerente à Atividade, adotada pelo novo Código Civil, pela qual o dever de reparar o dano surge da atividade normalmente exercida pelo agente que cria risco em potencial a direitos ou interesses alheios. Nesta teoria não se cogita de proveito ou vantagem para aquele que exerce a atividade, mas da atividade em si mesma que é potencialmente perigosa e geradora de riscos a terceiros. Para Caio Mário da Silva2 ela prescinde de qualquer elemento subjetivo: basta a ocorrência do dano ligado a uma atividade geradora de risco, normalmente exercida pelo agente.

    Não podemos deixar de reconhecer que sem embargo de toda a evolução da Teoria da Responsabilidade Objetiva entre nós, em face da disseminação de atividades perigosas na sociedade moderna, decorrentes do inusitado crescimento do macrossistema econômico no modo de produção capitalista, das evoluções tecnológicas, da crescente necessidade de trabalho humano em atividades potencialmente perigosas, que suscitam riscos de explosões, riscos nucleares, gases inflamáveis etc. ensejadores de riscos à saúde e à integridade...

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