O estado em tempos de globalização neoliberal: a possibilidade do devir de um estado multicultural

AutorCarla Piffer
CargoDoutoranda do curso de Doutorado em Ciências Jurídicas da UNIVALI - Linha de Pesquisa Estado e Transnacionalidade
Páginas35-52
O ESTADO EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL: A
POSSIBILIDADE DO DEVIR DE UM ESTADO MULTICULTURAL
THE STATE IN TIMES OF NEOLIBERAL GLOBALIZATION: THE POSSIBILITY
OF BECOMING A MULTICULTURAL STATE
Carla Piffer1
Resumo: O presente artigo tem como obj eto aprese ntar os ideais neoliberais frente à globalização
econômica a fim d e apresentar a possibilidade d e um devir do Estado multicultural. Para tanto,
demonstra-se que as premissas neoliberais de um Estado mínimo, não interventor na econ omia,
conduzidas pela globalização econômica, produzem consequências socais perturbadoras. Ao citar a
crise do Estado – dia nte do enfraque cimento da sua soberania, superioridade do mercado e a apar ente
ausência dos limit es territoriais –, verifica-se que a rapidez com que as relações se intensificam no
planeta, as qua is perpassa m Estados e as fictícias fronteiras g eográficas já superadas, não possuem
como foco os seres humanos, muito menos suas culturas. Assim, propõe-se a possibilida de do devir do
Estado calcado em um Estado multicultural, identificador das diferenças, mas integrador das mais
diversas culturas em um ambiente proposto pela cultura política. D iante dessa evidente e crescente
multiplicidade de formas culturais de vida, demonstra-se qu e a cultura polí tica de um país cristaliza-se
em torno da constituição em vig or, momento em que toda cultura nacional, sob a luz da própria história,
amolda em cada caso um tipo de leitura di ferente para os mesmos princípios.
Palavras-chave: Estado; Povo; Cultura; Mu lticulturalismo; Cultura Política.
Abstract: This a rticle is about presenting the ideal neoliberal facing eco nomic globalization to present
the po ssibility of becoming a multicultural State. To this end, i t is demonstrated that the neo-liberal
premises of a minimal state, not intervening in the economy, driven b y economic globalization, produce
social disturbing consequences. Citing the crisis of the State – in t he face of weakening t heir
sovereignty, superiority of the marke t and the apparent absence of boundaries – it appears that the speed
with which relations are intensifying on the planet, which ru n through States and fictitious g eographical
boundaries over come, have not focused o n humans, much less t heir cultures. T hus, it i s proposed t he
possibility of becoming the state tra mpled in a multicultural State, handle t he differences, but
integrating t he most diverse cultures in an environment pr oposed by the political culture. Faced with
this obvious and growing multiplicity of cultural forms of life, demonstrates that the political culture of
a country crysta llizes around the co nstitution in force, at which time all national culture, in t he light of
history itself, molded in each case a type o f different reading to the same principles.
Keywords: State, People, Culture, Multicultura lism, Political Culture.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Estado contemporâneo, profundamente modificado pelos ideais
neoliberais, sofre veementes alterações jurí dicas, sociais, econômicas, dentre
outras. O Estado mínimo, proposto pelo Consenso de Washington, demonstra seu
fracasso e, sob a bandeira de não interventor na economia, deixa que outras esferas
importantes de a tuação do Esta do sejam colocadas de lado. Os atuais modelos de
Estado não conseguem, há tempos, dar r espostas satisfatórias aos anseios da
humanidade que clama por respostas.
1 Doutoranda do curso de Doutorado em Ciências Jurídicas da UNIVALI - Linha de Pesquisa Estado e
Transnacionalidade. Bolsista CAPES para Doutorado Sanduí che com a Università degli Studi di
Perugia - Facoltà di Giurisprudenza, Perugia-Italia. Mestre em Ciência Jurídica - Direit o Internacional -
pela Uni versidade do Vale do Itajaí (2008). Esp ecialização em: MBA e m Direito da Econo mia e da
Empresa pela FGV e gradua ção em Direito pelo Centro Universitário de Brusqu e (2003). Advogada e
Professora Universitária de graduação e pós-graduação. Instituição: UNIVALI – Universida de do Vale
do Itajaí. Email: carla.piffer@yahoo.com.br.
36 Direitos Culturais, Santo Ângelo, v.7, n.1 2, p. 35-52, jan./jun. 2012
Nesse contexto, a pesquisa cujo relato final é explicitado neste artigo tem
como objeto apr esentar, a partir da análise dos ideais neoliberais enrobustecidos
pela globalização econômica, uma proposta para um devir do Estado que forneça
subsídios de sobrevivência às mais diversas culturas nele inseridas: seria o Estado
multicultural.
Como um dos objetivos, analisa-se ini cialmente o atual quadro capitalista
neoliberal, propulsor de um mercado liberto de qualquer obstáculo estatal, que visa
a máxima circulação dos capitais e é marcado por constantes e complexas
transformações econômicas, sociais, culturais e jurídicas. Nesse ínterim encontra-
se o Estado. Marcado por consideráveis mudanças na sua atuação, este é afetado
diretamente pela globalização econômica de ordem neoliberal, passando a
presenciar outras r elações antes n unca vistas. Sua soberania, hoje ultrapassada,
deve se adequar para acompanhar fatos que perpassam as fronteiras estatais e se
entrelaçam e permeiam as mais variadas culturas e os mais longínquos pontos do
planeta.
Posteriormente, demonstra-se a crise do Estado e suas fundamentações,
para, ao final, apresentar uma proposta para o devir do Estado a partir da
convivência pacífica com as mais variadas culturas. Esse Estado, denominado
multicultural, ao invés de simplesmente excluir, desintegrar ou oferecer cidadania a
uma parcela deslocada da população, envidaria esforços a fim de unir os atores
sociais envolvidos em prol do respeito às culturas individuais, através de uma
cultura política que possibilite que as diferenças sejam sentidas como
características positivas dos seres humanos.
Para a consecução deste artigo utiliza-se o método indutivo, tanto na fase
da coleta e tratamento dos dados bibliográficos recolhidos, quanto no relato da
pesquisa, com o auxílio das técnicas do referente e do fichamento2 e as citações em
línguas estrangeiras foram traduzidas livremente pela autora.
1 ANOTAÇÕES INICIAIS ACERCA DO ESTADO EM TEMPOS
NEOLIBERAIS
O prefixo “neo”, acrescido ao termo liberalismo como nova roupagem
atribuída ao liberalismo clássico, ocorreu devido à n ecessidade de se adequar o
liberalismo a um contexto marcado por inúmeros acontecimentos históricos
oriundos de grandes transformações sociais, políticas e econômicas pelas quais
passou o mundo ocidental depois do período da Grande Depressão.
Em meio a um contexto histórico de profundas transformações e anseios
sociais, o neoliberalismo despontou exatamente n o final da Segunda Guerra
Mundial, formando a base teórica do pensamento neoliberal.
Referidas ideias, enunciadas por Fredrich August Von Hayek,
demonstraram uma profunda reação ao Estado assistencialista e interventor na
economia, asseverando que sua atividade deveria ser restrita somente a
determinadas atuações3. Além disso, a doutrina n eoliberal teve seu percurso de
2 Sobre os métodos de pesquisa, técnicas do r eferente e técnicas do fichamento consultar: PASOLD,
Cesar Luiz. Metodolo gia da pesquisa jurídica: teoria e prá tica. 11. ed. Florianópolis: Concei to
Editorial/Millenium, 2008.
3 “Em princípio, não há incompatibilidade entre o Estado oferecer maior segurança auxiliando na
organização do sistema de previdência so cial e a preservação da liber dade individual. À mesma
categoria pertence ta mbém o aumento da segurança proporcionado pelo Estado na forma de assistência

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