A coletivização do processo: a tempestividade e a efetividade na prestação jurisdicional

AutorWillians Franklin Lira dos Santos
Ocupação do AutorMestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA. Especialista em Direito pela UFPR e pela PUCPR
Páginas68-113

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2.1. As ondas renovatórias do processo

Em paralelo à crise do paradigma positivista do direito em geral e da crise do paradigma individual, o imperativo de efetividade da tutela judicial estatal - que culminou em alguma abertura do sistema, por meio, inclusive, de alterações estruturais - confirma a concretização do pluralismo.

Tais alterações vieram sendo incorporadas ao sistema positivo não apenas por meio de reformas pontuais (mais ou menos extensas), como também por guinadas hermenêuticas, que conduziram à reinterpretação de institutos jurídicos, ou, mais comumente, pela combinação de reformas e mudanças hermenêuticas.

Primeiramente, convém tratar das chamadas ondas renovatórias, assim batizadas originariamente por Cappelletti e Garth.192

Justifica-se iniciar por elas pois constituem, senão o melhor, o mais tradicional recorte que elenca as sucessivas alterações paradigmáticas da ciência processual, analisadas a partir da busca da efetividade, além de aglutinarem, com reconhecido apuro metodológico, os principais avanços no acesso à jurisdição estatal, delimitando com clareza o advento193 da tutela de direitos metaindividuais, destacando-a como um dos apropriados meios de facilitação do acesso à justiça194. A par delas, inserem-se as tutelas diferenciadas, a saber: acautelatória (e as submodalidades, inibitória e de remoção do ilícito), antecipada satisfativa e sumária, sendo certo que a tutela inibitória ante seu caráter preventivo destaca-se como instrumento de efetividade, merecendo análise apartada, logo após o estudo da tutela de interesses metaindividuais, espaço sobre o qual se centra este estudo.

2.1.1. Primeira Onda Renovatória: Assistência Judiciária Gratuita

O primeiro vértice renovador milita pela abertura de acesso à jurisdição

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estatal, a despeito de qualquer restrição de natureza econômica. Nesse aspecto, a gratuidade processual e a constituição das defensorias públicas talvez representem a solução mais eficaz para a histórica limitação do acesso à ordem jurídica justa do materialmente menos favorecido.

Em via reflexa, essa renovação do processo reforça a ideia de cidadania, até então impresente no Poder Judiciário mediante ação concreta de acesso.

Importante frisar que o ordenamento brasileiro, desde a metade do século passado195, possui um sistema muito eficaz de assistência judiciária gratuita, envolvendo não apenas a representação processual por profissional habilitado, como também taxas e emolumentos diversos, inclusive os honorários periciais.

Apesar de ser impossível pensar atualmente em impossibilidade de acesso196 à jurisdição estatal por falta de recursos materiais, a questão ainda possui aspectos controversos, principalmente na seara laboral.

O processo do trabalho sempre se deparou com a hipossuficiência de seus destinatários primeiros, os trabalhadores, que são levados a procurar pela Justiça do Trabalho porque tiveram suprimidos seus direitos.

Quanto a esses jurisdicionados, estabelecido está que a mera declaração de hipossuficiência lhes confere o direito ao benefício da gratuidade processual, despicienda prova da situação fática declarada, já que presumida197 conforme declarada.

Pende controvérsia, contudo, no que respeita à extensão do benefício às pessoas jurídicas, justo porque estas, normalmente ocupando o polo passivo da relação processual, estavam obrigadas, por força do exigido pelo art. 899 da CLT, ao recolhimento do depósito recursal, como condição prévia ao conhecimento dos recursos por elas interpostos.

O regime de prévia garantia para segurança do juízo surgiu com o Decreto- -lei n. 75/1966, que modificou a redação originária do art. 899 da Consolidação das Leis do Trabalho, que não continha tal exigência.

Importante observar que a justificativa do diploma legal fundava-se na efetividade e na tempestividade da prestação jurisdicional, pois, de um lado, inibiria a utilização de medidas protelatórias e, de outro, asseguraria a oportuna percepção, ao menos, de parte do crédito judicialmente reconhecido.

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Recente alteração na Lei n. 1.050/1960 ampliou o rol de isenções, já enumeradas em seu art. 3º, de forma a também dispensar o beneficiário da assistência judiciária dos depósitos previstos em lei para ajuizamento de ação e demais atos processuais.198 Assim, ao menos no que se refere a esse tópico, parece estar pacificada a dispensa do depósito recursal quando deferida a gratuidade processual, permanecendo controversa, contudo, a possibilidade de concessão desse benefício às pessoas jurídicas indistintamente.

Às entidades pias e beneficentes bem como às sociedades com fins lucrativos organizadas sob a forma de microempresa e à firma individual, bem como ao empregador doméstico, assim já decidiu o Tribunal Superior do Trabalho199:

BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA - EMPREGADOR - A discussão que se coloca, hodiernamente, é sobre a possibilidade de concessão do benefício da justiça gratuita à pessoa jurídica. O simples fato de ser empregador não a desautoriza, principalmente em se tratando de empregador doméstico [...].200

Essa decisão201, segundo entendimento que vigia à época202, teve o especial mérito de abranger os empregadores domésticos nos benefícios da assistência judiciária gratuita, mediante declaração do interessado. Todavia, limitava o benefício às custas processuais, exatamente porque prevalecia então o entendimento de que o depósito recursal possuía natureza de garantia do juízo de execução.

Embora a matéria pareça enfim pacificada203 com a inclusão do inciso VII ao art. 3º da Lei n. 1.060/1950, merece registro a construção hermenêutica que admitia elastecimento in bonum da norma assistencial, exatamente porque fundada no máximo implemento do princípio constitucional do amplo acesso à justiça. Além disso, na hipótese de renitência, ou de amesquinhamento teleológico da norma ampliadora, tais argumentos haverão de novamente justificar a exegese ampliativa.

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A classe de empregadores em análise - entidades pias e beneficentes bem como as sociedades com fins lucrativos organizadas sob a forma de microempresa e firma individual, e também o empregador doméstico - inegavelmente traz em si uma afinidade maior com eventual declaração de hipossuficiência do que os empregadores afetos à exploração econômica pura e simples, parecendo mais propensos a receberem o benefício da gratuidade.

A condição de possível hipossuficiente não basta, por si só, para afastar o direito à efetiva e tempestiva tutela jurisdicional da parte. A par disso, a relatividade do princípio do duplo grau de jurisdição204 não ampara eventual alegação de violência à ampla defesa, porque, ainda que discorde a parte quanto ao mérito, a tutela foi prestada na instância primeira e nela se possibilitou a defesa.

No entanto, há o argumento em prol do entendimento elastecido, fundado na desejável igualdade de tratamento, também chamada de paridade de armas em nível processual, que pode fazer pender a balança, ocasionalmente, em prol de empregador hipossuficiente.205

O intuito dessa digressão, antes de pretender solucionar o impasse, que possui argumentos bastante razoáveis, fundamentos e posicionamentos favoráveis ou contrários à concessão do benefício da justiça gratuita, não só demonstra a complexidade do tema - mormente quando trazido à seara laboral -, como também evidencia a necessidade de balanceamento hermenêutico que a busca da efetividade reclama, mesmo após posicionamento normativo sobre o tema.

2.1.2. Segunda Onda Renovatória: Tutela de Direitos Metaindividuais

Inicialmente, torna-se necessário rememorar que o veto estatal à autotutela206 conduziu necessariamente à preponderância207 da heterocomposição208 estatal dos conflitos.

A jurisdição estatal realiza-se pelo processo e, originariamente, pela via do dissídio individual. Daí o dogma da legitimação ordinária individual no processo brasileiro.

A crise do paradigma liberal individual importou na recuperação de um segmento do espaço público de discussão, qual seja, o processo.

Essa afirmativa suscita implicações tanto políticas (exercício da cidadania nesse espaço público do processo, sobretudo quando coletivizado), como também jurídicas

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(o ordenamento jurídico tem sofrido ajustes para contemplar a tutela de interesses coletivos com a técnica de tutela apropriada e não mediante mera transposição do conflito coletivo para a técnica processual típica do dissídio individual).

Aliás, consubstancia-se aí o teor da segunda onda renovatória, que envolve atribuir a decantada efetividade em uma sociedade de massa, cujos membros em maior ou...

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