Técnicas de privatização. A experiência brasileira

AutorThereza Maria Sarfert
Páginas182-278

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I - Quadro institucional

Em 1949, foi publicado relatório preparado pela Comissão Económica para a América Latina (CEPAL), sob o título "Panorama Económico da América Latina, 1949", que incluiu estudos de desenvolvimento económico sobre quatro países lati-no-americanos (Argentina, Brasil, Chile e México). O secretário executivo da comis-tudos e à realização do presente trabalho. Agradeço também à Profa. Rachel Sztajn pela valiosa e indispensável orientação.

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são era o ilustre economista argentino Raul Prebisch, que expunha sua tese relacionada ao assunto, publicada com a finalidade de servir de ajuda direta àqueles que se empenhavam em traçar diretrizes políticas nos referidos países latino-americanos.

De acordo com sua tese, os povos dos países latino-americanos estariam envolvidos em um processo inexorável, que os condenaria a um papel, na economia mundial moderna, de cidadãos de segunda categoria. Segundo o mencionado relatório, somente a ação enérgica dos governos dos países latino-americanos conseguiria eliminar esse processo e trazer a esses povos o nível de vida desejado. Suas conclusões específicas são as seguintes: a) a revolução industrial, iniciada há duzentos anos, teria se processado num número limitado de centros industriais, tendo tido poucos efeitos nas áreas periféricas; b) o desenvolvimento da produção nas áreas periféricas, de maneira geral, restringe-se às indústrias de produção de matérias-primas para os centros industriais; c) isto levou a uma situação na qual a maior parte dos lucros decorrentes do aumento de produtividade teria sido exportada para os centros industriais, nada contribuindo para aumentar o bem-estar dos povos dos países periféricos; e d) a não ser que se empreendesse uma ação positiva, as perspectivas, a longo prazo, seriam de contínua piora da posição relativa das áreas periféricas.

O mencionado relatório incluía, portanto, as linhas gerais de uma política de ação de rejeição do mercado livre em assuntos económicos internos e externos nos países da América Latina. As nações lati-no-americanas estavam sendo aconselhadas a instituir, de modo racional, sistema de protecionismo para suas indústrias, bem como vários graus de intervenção estatal em suas economias, como a única maneira de alcançar o verdadeiro desenvolvimento.

O despertar tardio de países periféricos era atribuído ao colonialismo mercanti-lista do qual se conseguiram libertar apenas no século passado. Entretanto, apesar do início tardio do processo de industrialização e dos grandes capitais exigidos pela técnica moderna não constituírem barreiras intransponíveis, a lentidão do desenvolvimento dos países subdesenvolvidos poderia ser explicada, em grande parte, pela instabilidade política. Um aumento de produtividade subentende o emprego de capitais a longo prazo de investidores estrangeiros e nacionais, o que não acontece em um ambiente caracterizado por distúrbios políticos violentos e imprevisíveis. Além disso, a situação era agravada por uma série de medidas como restrições diretas, impostos elevados e legislações trabalhistas exigentes.

Para Prebisch, o fato das áreas periféricas não terem compartilhado dos frutos da revolução industrial se deve, em grande parte, à ação inadequada dos governos, que muito poderiam ter feito pela melhoria de vida de seus cidadãos. Ele pregava a necessidade de intervenção direta dos governos na vida económica, apesar das várias críticas que recebia.1

A ação do Estado era, então, vista como indispensável. A tarefa de planejamento, o empenho em agir deliberadamente sobre as forças do desenvolvimento, signi-

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ficava atribuir ao Estado poder considerável e, apenas com o tempo, desapareceu a confusão quanto ao sentido da ação de planejamento estatal para cumprir esse desígnio, porque até há poucos anos só tinham existido planejamentos dentro de uma concepção socialista da economia. Começa a ser questionado se a aceleração do desenvolvimento e a marcha progressiva para a democracia seriam posições antitéticas. Para se chegar a uma síntese seria necessário que, ao agir sobre as forças do desenvolvimento, se compusessem os objetivos económicos, sociais e políticos, combinando-se a ação do Estado e a iniciativa individual, adquirindo o Estado um poder impessoal sobre as forças que movem os indivíduos, com o incentivo à ação económica. Efetivamente, para reger as forças do desenvolvimento, o Estado teria de intervir e influir sobre a iniciativa individual na atividade económica já que o mercado nem sempre fornece indicações que promovam o emprego mais eficiente dos recursos disponíveis.

Essa tarefa do Estado poderia realizar-se através de incentivos e desincentivos à iniciativa privada. Sua gestão direta justificar-se-ia quando esses instrumentos não dessem os resultados desejados.

De 1940 em diante, a maioria dos países latino-americanos seguiu estratégia de desenvolvimento baseada em alto grau de protecionismo, industrialização liderada pelo governo e crescente envolvimento do Estado nas atividades económicas. Por algum tempo acreditou-se nas promessas de crescimento e de prosperidade e que a América Latina seria gradualmente introduzida no conjunto dos países desenvolvidos. Entre 1950 e 1980 houve rápido crescimento económico, que, entretanto, não resultou no desenvolvimento económico e social esperado devido ao excessivo protecionismo, a uma estrutura económica rígida e inadequada para reagir às mudanças das condições económicas mundiais, a um sistema tributário ineficiente e à ineficiência na prestação dos serviços estatais básicos.

Nos anos 70, o papel do Estado na economia se expandiu, aumentando sobremaneira o número de empresa estatais, o que se acentuou com a crise do petróleo de 1973, acreditando-se que o fortalecimento do intervencionismo estatal impediria a ação dos efeitos das crises e choques internacionais no plano interno. Essa ideia, entretanto, não prosperou. Ao invés de reduzir riscos, o Estado se tornou cada vez mais ineficiente na prestação de serviços públicos e na distribuição de riquezas. Dessa forma, cada vez mais líderes políticos começaram a adotar uma visão política baseada na abertura, no mercado livre, na desre-gulamentação e na privatização.

Foram reconhecidos, então, quatro objetivos fundamentais para a modernização da América Latina: estabilidade macro-econômica; abertura comercial; diminuição da pobreza; e, diminuição do papel do Estado.

O crescimento do número de empresas estatais se deu em virtude de estratégia estruturalista de desenvolvimento, por vários motivos: era considerado um modo eficiente de lidar com problemas de ordem internacional, particularmente os monopólios e oligopólios. O fato de serem propriedade do Estado serviria ao interesse público e a objetivos sociais, como a provisão de alguns serviços a preços mais baixos para a população. Era considerado também como um modo de reduzir a vulnerabilidade da economia a choques internacionais. Além disso, em vários países, como no Brasil ocorreu, durante um largo período de tempo, essas ideias estavam atreladas à doutrina de segurança nacional e eram fortemente suportadas pelas Forças Armadas locais. As empresas estatais, entretanto, se expandiram para além dos chamados seto-res estratégicos, essenciais, atuando em se-tores competitivos e que haviam sempre funcionado de maneira eficiente sob a iniciativa privada.

Os resultados, nada obstante a doutrina, não foram alcançados, o que produziu um setor público letárgico, ineficiente, de-

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ficitário, que exigia pesados investimentos, piorando a situação económica nacional e a qualidade dos serviços públicos.

Por isso que economistas de instituições internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, passaram a recomendar mudanças nas estratégias dos governos, o que levou líderes políticos a adotar nova visão de economia política, baseada nas forças do mercado, na competição internacional, e num papel mais limitado do Estado nas atividades económicas. Com as crises económicas da década de 1980, passou-se a observar a natureza estrutural dos problemas e a...

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