A concessão de efeito suspensivo ao recurso especial e sua compatibilização com a nova sistemática do cumprimento da sentença civil condenatória

AutorEdgard Silveira Bueno Filho; Tiago Ravazzi Ambrizzi
CargoJuiz Federal/Bacharelando em Direito
Páginas369-379

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1 Histórico

Sabe-se que o recurso especial só se reveste do efeito devolutivo, não tendo, portanto, o condão de manter ineficaz a decisão recorrida até seu final julgamento. São enfáticos nesse sentido os arts, 225, caput do RISTJ e 542, § 2º do CPC, cuja literalidade dispensa maiores comentários.

Todavia, a aplicação dessa regra geral sofreu histórica flexibilização pela jurisprudência do Colendo STJ. Fundada no art. 798 do CPC e no poder geral de cautela outorgado ao magistrado, a Corte Superior tem admitido, de longa data, o manejo da medida cautelar inominada, com vistas a, em situações peculiares e excepcionais, conceder-se efeito suspensivo a recurso especial (RISTJ, art. 288).

De início, segundo noticia Jurandir Fernandes de Souza, a Corte adotou posição conservadora, para admitir o remédio cautelar apenas nos casos de recurso especial já admitido na Origem1. Emblemático, nesse sentido, o julgado relatado pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, do qual se extrai que “somente se mostra possível o exame da cautelar, na Corte, quando já interposto e admitido recurso no Tribunal de Origem2”. Na linha, também, da decisão proferida na Medida Cautelar 35-9, Relator Ministro Fontes de Alencar, para quem parecia impossível “dar-se efeito suspensivo a um recurso não admitido, vale dizer, sem efeito algum; ou, em outras palavras, um recurso sem vida”.

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Paulatinamente, contudo, à luz do direito constitucional a uma tutela efetiva, seja de natureza reparatória ou preventiva (CF, art. 5º, XXXV), a Corte Superior passou a admitir o uso da ação cautelar mesmo quando pendente a interposição do especial3 ou, ainda, nos casos de recurso inadmitido na Origem4. Desde que plausível, é claro, a reforma da decisão denegatória, de modo a viabilizar o trânsito.

Esta a lição de Theotonio Negrão, fundada em julgado de relatoria da Ministra Nancy Andrighi (MC 3.623-RJ), que em voto pioneiro sintetizou os requisitos necessários à atribuição de efeito suspensivo ao especial:

A Min. Nancy Andrighi resumiu, com muita propriedade, os requisitos da medida cautelar para concessão de efeito suspensivo a recurso especial: “A aparência do bom direito, em medida cautelar, é representada pela soma dos seguintes requisitos: a) a instauração da jurisdição cautelar no STJ, que, excepcionalmente, pode independer de juízo positivo ou negativo de admissibilidade do recurso especial; b) viabilidade recursal, pelo atendimento de pressupostos recursais específicos e genéricos, e não incidência de óbices sumulares e regimentais; c) plausibilidade da pretensão recursal formulada contra eventual error in judicando ou error in procedendo”5.

Com isso, a verificação do cabimento da ação cautelar tornou-se independente do juízo positivo ou negativo de admissibilidade no órgão a quo. É que, mesmo denegado o trânsito na origem, o provimento de urgência poderá vir a ser concedido, sob a condição de o recurso especial afigurar-se viável (no que diz com a aparente aptidão para ser conhecido, em sede de agravo do art. 544 do CPC) e de conteúdo plausível (no que diz com a aparente potencialidade de vir a ser provido, quer para anular a decisão de origem, quer para reformá-la).

Isto tudo aliado, evidentemente, à demonstração do indispensável pressuposto do periculum in mora, vale dizer, ao “risco de perecimento, destruição, desvio, deterioração ou de qualquerPage 372 mutação das pessoas, bens ou provas necessários para a perfeita e eficaz atuação do provimento final do processo principal6”.

2 Impacto da nova sistemática do cumprimento de sentença

Como se viu, a jurisprudência da Corte Superior sofreu paulatina evolução no sentido de liberalizar a concessão de efeito suspensivo ao recurso especial, desde que demonstrada, suficientemente, a presença dos requisitos autorizadores da tutela de urgência, relacionados à plausibilidade da pretensão recursal e ao perigo de dano irreparável ou de difícil reparação.

Em se tratando de decisões de conteúdo ativo, tais como as portadoras de condenação ao pagamento de quantia líquida, a concessão do efeito suspensivo só tinha o condão de proteger o réu, que se via acautelado contra o receio de vir a ser atingido pela execução provisória do julgado.

Todavia, examinada a questão aos olhos do credor, a situação era de verdadeiro prolongamento de sua via crucis, já que, mesmo passadas as agruras inerentes a todo processo de conhecimento, via-se ainda frustrado na satisfação de seu direito já reconhecido.

Com efeito, com o deferimento de efeito suspensivo ao recurso do adversário, só restava ao credor aguardar o julgamento pela instância extraordinária, para aí sim, com a confirmação da condenação, dar início à execução do julgado, o que se dava mediante nova citação do devedor e subseqüente busca de eventual – e não raro inexistente – patrimônio capaz de responder pela dívida.

Tudo, por assim dizer, ao arrepio dos princípios da celeridade e da efetividade da tutela, que de há muito vêm sendo identificados como verdadeiros pilares da cláusula do due process of law.

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Atenta a essa grave distorção, que redundava na freqüente ineficiência do processo de execução, a Lei 11.232/2005 alterou a sistemática do cumprimento da sentença civil condenatória.

Ao introduzir o art. 475-J ao CPC, o direito brasileiro rompeu com o paradigma da dualidade entre os processos de conhecimento e de execução, o que se deu a partir da imposição de relevantíssimo ônus ao devedor, assim declarado no título judicial: passou a competir-lhe a iniciativa de promover o imediato pagamento da condenação, sob pena de, não o fazendo no tempus iudicati, dar azo à incidência de multa sancionatória legalmente fixada. Ônus que, sem embargo dos respeitáveis entendimentos em contrário7, surge independentemente do trânsito em julgado da decisão condenatória, bastando que seja ela exeqüível, vale dizer, inatacável mediante recurso dotado de suspensividade.

É a lição de Athos Gusmão Carneiro:

Assim, na sentença condenatória por quantia líquida, a lei alerta para o tempus iudicati de quinze dias, concedido para que o devedor cumpra voluntariamente sua obrigação. Tal prazo passa automaticamente a fluir, independentemente de qualquer intimação, da data em que a sentença (ou o acórdão, CPC, art. 512) se torne exeqüível, quer por haver transitado em julgado, quer porque interposto recurso sem efeito suspensivo. (...) A...

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