O Supremo Tribunal Federal e o controle dos processos de extradição

AutorGleisse Ribeiro
Páginas261-279

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Introdução

Quais são os pressupostos nos processos de extradição no Brasil? Qual é o papel e o controle do STF nos processos extradicionais? A extradição é um dos institutos jurídicos que permite a retirada do estrangeiro de determinado território. Cahali (1983, p. 295) conceitua extradição como o “ato pelo qual um Estado entrega um indivíduo acusado ou reconhecido como culpado de uma infração cometida fora de seu território, a outro Estado que o reclama e que é competente para julgá-lo e puni-lo”. O estrangeiro, desde os tempos mais remotos, é considerado como sujeito de direito: “Se o estrangeiro peregrinar na vossa terra, não o oprimireis. Como o natural entre vós será o estrangeiro que peregrina convosco. Amálo-eis como a vós mesmos, pois fostes estrangeiros na terra do Egito”1.

O direito de ir e vir é um direito fundamental garantido pela Constituição no artigo 5º, XV: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. O direito de locomover-se livremente deu origem aos movimentos migratórios que têm contribuído para a evolução da humanidade. Pagden (2002, p. 22) explica que a migração contribui para a evolução do homem porque os povos, na tentativa de fugir de perseguições, da pobreza, da falta de perspectivas econômicas, migram para outras regiões, cruzam oceanos e continentes e passam a conviver com gente alheia.

Cavarzere (2001, p. 12) ressalta que a convivência entre povos diferentes é um estímulo à invenção e à imitação, tendo em vista que as áreas onde ocorreram maiores movimentos de migração são regiões mais desenvolvidas. Exemplo dessa afirmação é a região Norte do Brasil que, por ser de difícil acesso, é menos desenvolvida se comparada com a região Sudeste.

A origem dos movimentos migratórios confunde-se com a história dos impérios que se inicia na Grécia antiga. O primeiro e grandioso império construído foi o de Alexandre, o Grande. Pagden (2002, p. 35) descreve que “o império de Alexandre foi o mais extenso da Antiguidade”, e estendeu-se de 336 a 323 a. C. A sucessora do império de Alexandre foi Roma, que surgiu no século VII a C. e seguiu, da mesma forma, os processos de conquista. Por meio das grandes navegações, foi possível a descoberta de novas terras, o quePage 263 proporcionou o crescente número dos movimentos migratórios. Após o descobrimento do Brasil, Mialhe (2003, p 210) divide os movimentos migratórios internacionais em quatro períodos: 1º período, abrangendo o ano de 1500 a 1800; 2º período, o século XIX; 3º período, do ano de 1900 a 1915; 4º período, de 1950 aos dias atuais.

No primeiro período, o modelo de migração mundial era dominado pela Europa e derivava do processo de colonização e crescimento econômico baseado no mercantilismo. No segundo período, o processo migratório foi marcado pelos movimentos de independência política de várias colônias e de industrialização dos novos países. No terceiro período, houve a massiva transferência de pessoas de países industrializados da Europa para as várias colônias e ex-colônias. No período entre guerras até antes de 1950, vários e importantes países receptores de estrangeiros aprovaram leis restritivas de imigração e, no início da grande depressão em 1929, houve a paralisação da migração internacional. No quarto e último período, ao contrário dos anteriores, a imigração tornou-se um fenômeno global com a multiplicação do número e da variedade de imigrantes e de emigrantes.

Mialhe (2003, p. 217) comenta que, com o fim da Segunda Guerra Mundial, ocorreu mudança considerável na estrutura e na composição das migrações internacionais. O massivo crescimento transatlântico, causado pela industrialização da Europa e pelo rápido desenvolvimento do Novo Mundo, deu lugar a uma forma diversa de imigração: de países do Terceiro Mundo (do sul) para os países desenvolvidos (do norte); deslocamento do Pacífico Sul para alguns ricos produtores de petróleo no Oriente Médio.

Com o decorrer dos anos, a entrada do estrangeiro em determinado território tem sido limitada. Milesi (2004, p. 3) afirma que, principalmente com os processos de globalização, os países têm estabelecido, em suas políticas elitistas, quotas de imigração, delimitando o número máximo de entrada de estrangeiros. As quotas são limitadas por nacionalidade ou por região continental, e os critérios de seleção dos imigrantes beneficiam apenas um número reduzido de estrangeiros que, em geral, já pertencem a categorias diferenciadas ou marginalizadas em seu país de origem.

Verifica-se que o estrangeiro, ao longo dos anos, tem a prerrogativa do direito à liberdade de locomoção e que, cada vez mais, os países têm estabelecido critérios para a entrada de um estrangeiro em seu território. Esse tem sido um tema constante na agenda daPage 264 comunidade internacional. A justificativa para tal controle é a questão do terrorismo que tanto tem preocupado os governos, principalmente o dos Estados Unidos, depois do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001.

Da mesma forma que o estrangeiro segue regras para adentrar em um país, também há critérios para sua retirada de determinado país. Dolinger, (2003, p. 208) afirma que a condição jurídica de um estrangeiro em determinado território segue três princípios: solidariedade internacional, direito internacional e o respeito à soberania dos países. São três os institutos positivados pelo Direito brasileiro para a saída compulsória do estrangeiro: deportação, expulsão e extradição.

A deportação (Lei 6.815/80, artigos de 57 a 64) origina-se na entrada ou na estada irregular do estrangeiro no país. Dolinger (2003, p. 245) conceitua deportação como “o processo de devolução de estrangeiro que aqui chega ou permanece irregularmente, para o país de sua nacionalidade ou de sua procedência”. Sobre a expulsão, regulamentada pela Lei 6.815/80, nos artigos de 65 a 75, Dolinger (2003, p. 249) salienta que “é o processo pelo qual um país retira do seu território estrangeiro residente, em razão de crime ali praticado ou de comportamento nocivo aos interesses nacionais”. A expulsão, no artigo 66, é um ato de competência exclusiva do Presidente da República, a quem cabe resolver sobre a sua conveniência. Praticamente, não tem qualquer regulamentação internacional e, em conseqüência, é um ato soberano do Estado sem maiores limitações impostas pela ordem jurídica internacional. O caso mais recente que originou um processo de expulsão, no Brasil, foi o cancelamento do visto do correspondente do jornal The New York Times em decorrência de uma matéria publicada sobre o envolvimento do presidente brasileiro, Luis Inácio Lula da Silva, com bebidas alcoólicas. Segue, abaixo, a nota expedida pelo Ministério da Justiça:

“Em face da reportagem leviana, mentirosa e ofensiva à honra do Presidente da República do Brasil, com grave prejuízo à imagem do país no exterior, publicada na edição de 9 de maio passado do jornal The New York Times, o Ministério da Justiça considera, nos termos do artigo 26 da Lei nº 6.815, inconveniente a presença em território nacional do autor do referido texto. Nessas condições, determinou o cancelamento do visto temporário do sr. William Larry Rohter Junior”.2

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O repórter William Larry Rohter Junior não chegou a ser expulso tendo em vista a nota de retratação enviada ao governo brasileiro:

“William Larry Rohter afirmou jamais ter tido a intenção de ofender a honra do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, a quem já pôde, até mesmo, entrevistar em algumas ocasiões e reafirma seu grande afeto pelo Brasil e seu profundo respeito às instituições democráticas brasileiras, incluindo a Presidência da República", completando que o "mal entendido" foi ampliado porque "a versão de seu texto para o português não é fidedigna". De posse da carta, o ministro Márcio Thomaz Thomaz Bastos reuniu-se com o presidente Luis Inácio Lula da Silva, que decidiu pela não expulsão do jornalista.”

Quanto ao terceiro e último instituto que permite a retirada do estrangeiro do território nacional, Dolinger (2003, p. 245) menciona que “a extradição é o processo pelo qual um Estado, atendendo ao pedido de outro, remete-lhe a pessoa processada ou reconhecida como culpada no país solicitante, por crime punido na legislação de ambos”.

Os países utilizam a extradição como meio processual internacional para permitir o julgamento das pessoas que cometeram ilícitos e deslocaram-se a outros países para fugir de julgamento e condenação. A comunidade internacional tem considerado a extradição como um dos mecanismos de cooperação internacional capaz de reprimir atividades delituosas e uma forma de inibir a atividade terrorista que tanto tem gerado ameaças à paz e à segurança internacional. Conforme estipulado no artigo 83 do Estatuto do Estrangeiro: “nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão”. Verifica-se que o processo de extradição é o instituto relacionado ao estrangeiro que maior ligado está à nossa Corte Suprema.

2. Extradição
2. 1 Conceito

A extradição é o ato pelo qual um Estado entrega um indivíduo, acusado de um delito ou já condenado como criminoso, à justiça do outro, que o reclama e que é competente para julgá-lo e puni-lo3.

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A comunidade internacional tem buscado meios que possam garantir a paz mundial...

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