O Supremo Tribunal Federal e os Efeitos de suas Decisões no Controle Difuso de Constitucionalidade

AutorSidney Silva de Almeida
CargoJuiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe
Páginas6-28

Page 7

1. Introdução

O fenômeno da abstrativização dos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal, em controle difuso de constitucionalidade, e das suas implicações no exercício da prerrogativa do Senado Federal de suspender a execução do ato declarado inconstitucional por esse meio de controle, constitui a pedra de toque deste trabalho monotemático.

O objetivo central do estudo é demonstrar a obsolescência da regra de que trata o inciso X do art. 52 da Constituição Federal de 1988, diante da inequívoca tendência de ampliação do controle abstrato, aliada ao surgimento de institutos como o mandado de injunção, a repercussão geral em recur-so extraordinário e a chamada Súmula Vinculante, o que tem levado estudiosos do direito constitucional à formulação de sérias indagações acerca do necessário reconhecimento de eficácia erga omnes das decisões do Supremo Tribunal Federal, mesmo quando proferidas em sede de controle difuso, ou por via de exceção ou incidental.

O controle difuso de constitucionalidade vem tendo assento nos textos fundamentais desde a Constituição Federal de 1934. A Constituição da República de 1988, embora tenha mantido esse instrumento de controle, conferiu especial ênfase ao instrumento concentrado, ao ampliar de modo significativo o rol de legitimados à propositura da ação direta de inconstitucionalidade.

Possivelmente, esse tenha sido o primeiro passo no sentido de se objetivar a resolução das questões constitucionais, haja vista que daquela ampliação resultou a constatação prática de que a quase totalidade das controvérsias constitucionalmente relevantes passaram a ser submetidas ao crivo da corte suprema, acionada em processo voltado ao controle abstrato de normas, e nessa constatação reside a importância e atualidade do tema aqui tratado.

No decorrer da abordagem serão examinados aspectos gerais acerca do controle de constitucionalidade, com especial atenção ao controle difuso e ênfase nas peculiaridades que apresenta esse modelo de controle quando exercido pelo Supremo Tribunal Federal.

Serão destacadas, mediante uso do método qualitativo, porque o objeto da pesquisa realizada esteve voltado a uma realidade insuscetível de quantificação, situações nas quais a regra do art. 52, X, da Constituição de 1988, na prática, nenhuma influência exerce sobre os efeitos da decisão da suprema corte, em controle difuso, a exemplo das hipóteses em que o tribunal não de-clara a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, mas tão somente fixa a interpretação constitucionalmente adequada ou a interpretação conforme à Constituição sem redução de texto, conferindo à norma interpretação compatível com a Constituição ou excluindo interpretação que, se adotada, acarretará a sua inconstitucionalidade.

Soma-se a esta abordagem, ainda, a análise da legislação infra-constitucional, bem como da jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal, que vem revelando a inequívoca tendência de permitir que as decisões do tribunal, em controle por via de exceção, sejam utilizadas por órgãos fracionários como forma de subtrair da apreciação do plenário o tema constitucional já apreciado pela corte guardiã da Constituição, equiparando os efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e concreto, fenômeno que se reflete nos institutos da súmula vinculante1 e da repercussão geral no recur-so extraordinário2, bem como nas alterações sofridas pelo Código de Processo Civil3 e na mudança da orientação jurisprudencial4 da própria corte suprema.

2. Controle de constitucionalidade
2.1. Origem

Todo sistema, independentemente de sua natureza e espécie, pressupõe ordem e unidade, de modo a que as partes que o compõem atuem de maneira harmoniosa e, tanto quanto possível, livres de conflitos e atritos.

A par da ocorrência de acontecimentos que levem à ruptura dessa harmonia, portanto, devem existir mecanismos e instrumentos de correção, concebidos exatamente para restabelecer a ordem rompida5.

Leciona Luís Roberto Barroso6 que:

O controle de constitucionalidade é um desses mecanismos, provavelmente o mais importante, consistindo na verificação da compatibilidade entre uma lei ou qualquer ato normativo infraconstitucional e a Constituição. Caracterizado o contraste, o sistema provê um conjunto de medidas que visam a sua superação, restaurando a unidade ameaçada. A declaração de inconstitucionalidade consiste no reconhecimento da invalidade de uma norma e tem por fim paralisar sua eficácia.

Isso somente é possível porque a constituição, nos sistemas jurídicos em que ela é classificada como rígida - e por isso há diferenciação jurídica entre as normas constitucionais e infraconstitucionais - é uma norma com traços e características singulares que a tornam o texto normativo fundamental e mais relevante do país.

A doutrina constitucional associa o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos do poder público aos pressupostos da existência de uma constituição formal, da compreensão da constituição como norma jurídica fundamental e da instituição de ao menos um órgão com competência para exercer a atividade de controle7. Esses pressupostos, por outro lado, remetem-nos aos princípios da supremacia da constituição e da rigidez constitucional, verdadeiras vigas do sistema de controle

Page 8

de constitucionalidade das leis e atos normativos.

A supremacia da constituição decorre do seu papel de centro gravitacional de todo o sistema jurídico e de sua posição hierárquica superior dentro do sistema. Vale dizer que as normas da constituição devem ser rigorosamente observadas por aqueles responsáveis pela elaboração e execução das demais normas que compõem o sistema jurídico, as quais têm seu fundamento de validade na própria constituição.

Como consequência dessa supremacia temos a invalidade, a rigor não apenas da lei, mas de qualquer ato jurídico que esteja em desacordo com a Constituição Federal.

Mas a supremacia da constituição está associada, de qualquer modo, ao diferenciado processo de construção de suas normas, que deve ser solene e mais complexo que o adotado para a criação das demais normas. Do contrário, inexistiria distinção formal entre as normas que não integram o texto da Constituição e aquelas nele contidas, do que resultaria a simples revogação da norma prevista na Constituição quando outra norma qualquer posterior com ela conflitasse8.

E assim não é porque a norma constitucional passa por um processo de elaboração diferenciado e mais complexo que todos os processos de elaboração das demais normas do sistema jurídico, o que a faz exercer o papel de paradigma de validade das outras normas. Desse processo, distinto e complexo de surgimento da norma constitucional, deflui o que chamamos de rigidez constitucional.

O mais celebrado precedente judicial acerca do controle de constitucionalidade foi o julgamento do histórico caso Marbury vs. Madison, decidido pela Suprema Corte norte-americana em 1803. Nesse julgamento, a corte, capitaneada pelo ministro John Marshall, afirmou de modo inédito o seu poder para exercer o controle de constitucionalidade das leis, mesmo não havendo na Constituição americana previsão expressa conferindo essa competência a qualquer órgão do Poder Judiciário, nem mesmo à Suprema Corte.

Segundo o constitucionalista Luís Roberto Barroso9:

Ao expor suas razões, Marshall enunciou os três grandes fundamentos que justificam o controle judicial de constitucionalidade. Em primeiro lugar, a supremacia da Constituição: ‘Todos aqueles que elaboram constituições escritas encaram-na como a lei fundamental e suprema da ação’. Em segundo lugar, e como consequência natural da premissa estabelecida, afirmou a nulidade da lei que contrarie a Constituição: ‘Um ato do Poder Legislativo contrário à Constituição é nulo’. E, por fim, o ponto mais controvertido de sua decisão, ao afirmar que é o Poder Judiciário o intérprete final da Constituição: ‘enfaticamente da competência do Poder Judiciário dizer o Direito, o sentido das leis. Se a lei estiver em oposição à constituição a corte terá de determinar qual dessas normas conflitantes regerá a hipótese. E se a constituição é superior a qualquer ato ordinário emanado do legislativo, a constituição, e não o ato ordinário, deve reger o caso ao qual ambos se aplicam’.

Esse julgamento da Suprema Corte norte-americana foi, definitivamente, o marco do controle de constitucionalidade no constitucionalismo moderno, ficando estabelecida, a partir de então, a subordinação dos poderes estatais aos comandos postos na constituição e a competência do Poder Judiciário para promover a conformação dos atos jurídicos ao que estabelece a constituição, de quem é o intérprete derradeiro.

2.2. Finalidade

Como os princípios da supremacia da constituição e da rigidez constitucional evidenciam que a Constituição Federal é hierarquicamente superior a todas as normas do sistema jurídico, e serve de fundamento de validade de todas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT