Súmula vinculante no direito brasileiro

AutorGuilherme Peña de Moraes
CargoMembro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC - Rio)
Páginas1-13

Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC - Rio). Doutorando em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

Professor de Direito Constitucional da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (FEMPERJ), Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (FESUDEPERJ) e Centro de Estudos, Pesquisa e Atualização em Direito (CEPAD/RJ).

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1. Conceito

Os enunciados da súmula da jurisprudência predominante com eficácia vinculante são conceituados como proposições aprovadas ou revisadas, de ofício ou por iniciativa de legitimado ativo para ação direta de inconstitucionalidade, por dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal, quanto à interpretação, validade e eficácia de normas determinadas, em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e Administração Pública direta ou indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, sob pena do uso de reclamação.1 Page 2

2. Origem

A súmula vinculante, na ordem jurídica brasileira, remonta à interpenetração dos domínios do Civil Law, sistema dedutivo, de origem romano-germânica, no qual a lei, assim como a analogia, costumes e princípios gerais, são fontes do Direito, com a predominância da produção legislativa, e do Common Law, sistema indutivo, de origem anglo-saxônica, no qual os precedentes, bem como os costumes, são fontes do Direito, com a prevalência da produção jurisprudencial2, tanto no que concerne ao parâmetro eleito para a regulação dos direitos e das obrigações, como no que tange ao método escolhido para a colheita da prova nos processos3, sintetizada pela absorção de elementos imanentes aos ordenamentos romano- germânicos pelo anglo-saxônico, como, por exemplo, as Rules of Civil Procedure, que disciplinam o processo judicial na Inglaterra e no País de Gales, e pela adoção de elementos inerentes aos ordenamentos anglo-saxônicos pelo Direito romano-germânico, como, por exemplo, no processo penal, a transação penal e a suspensão condicional do processo, e, no processo civil, as ações coletivas e o efeito vinculante 4, em torno da regra do stare decisis et quieta muovere.

No Império, a súmula com efeito vinculante é antecedida pela Lei nº 2.684, de 23.10.1875, que reconheceu a validade dos assentos da Casa de Suplicação de Lisboa, depois da instituição do Tribunal da Relação da Província do Rio de Janeiro, pelo instrumento do Alvará de 10 de maio de 1808, até a independência do Reino do Brasil, por intermédio da Proclamação de 7 de setembro de 1822 5.

Na República, a súmula com eficácia vinculante é antecipada pelo art. 896, "a", pelo qual cabe recurso de revista para o Tribunal Superior do Trabalho das decisões proferidas em grau de recurso ordinário, em dissídio individual, pelos Tribunais Regionais do Trabalho, quando derem a dispositivo de lei federal interpretação diversa da consagrada por Súmula de Jurisprudência daquele, da Consolidação das Leis do Trabalho, com redação dada pela Lei nº 9.756/98 6, como também pelo art. 120, parágrafo único, pelo qual o relator pode decidir de plano o conflito de competência, havendo jurisprudência dominante do tribunal sobre a Page 3 questão suscitada, cabendo agravo para o órgão recursal competente, art. 475, § 3º, pelo qual a sentença proferida contra a União, Estado, Distrito Federal, Município, e as respectivas autarquias e fundações de Direito Público, bem assim a que julgar procedente, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública, não está sujeita ao duplo grau de jurisdição quando estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do Tribunal Superior competente, art. 544, §§ 3º e 4º, pelo qual o relator pode conhecer do agravo de instrumento para dar provimento ao próprio recurso extraordinário ou especial que houver sido denegado, se o acórdão recorrido estiver em confronto com a súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, art. 479, caput, pelo qual o julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, deve ser objeto de súmula e constituir precedente na uniformização da jurisprudência, e art. 557, § 1º-A, pelo qual o relator pode dar provimento ao recurso, quando a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, do Código de Processo Civil, com redação dada pelas Leis nos. 8.950/94, 9.756/98 e 10.352/017, que revelam não somente a valorização dos precedentes jurisprudenciais, mas também a ampliação dos poderes judicantes do relator, como tendências do processo contemporâneo 8.

3. Natureza

A natureza do processo de aprovação, revisão ou cancelamento da súmula vinculante não é uníssona na doutrina, nacional e estrangeira, tendo havido a identificação de três correntes.

Castanheira Neves e Lenio Luiz Streck acentuam que a súmula vinculante seria recoberta de natureza legislativa, dado que possibilitaria a produção de normas jurídicas abstratas e gerais. É dizer: "ao ser atribuída aos supremos tribunais, através dos assentos, a função legislativa, o sentido com que a lei deve ser entendida e aplicada veio a estabelecer-se não só uma mediação, como até uma interposição"9 e "ao editar uma súmula vinculante, Page 4 oponível erga omnes, o Supremo Tribunal Federal assume funções legiferantes, agregando ao produto legislado a prévia interpretação" 10.

Jorge Miranda e Luis Carlos Alcoforado advertem que a súmula vinculante seria revestida de natureza jurisdicional, eis que necessitaria de provocação e julgamento de diversos casos anteriores. É falar: "o assento é resultado da função jurisdicional, pois a causa da lei interpretativa, como a de qualquer outra lei, vem a ser a realização do interesse público, ao passo que a causa do assento consiste no cumprimento da lei, de ajunte com critérios meramente jurídicos, não devendo ser olvidado que o assento nem traduz liberdade de conteúdo, nem liberdade de formação, sendo a decisão final de um processo judicial" 11 e "o poder vinculante é o exercício da função jurisdicional com efeito normativo que se outorga ao Supremo Tribunal Federal, pela vontade da Constituição da República, para editar súmula, resultante de reiteradas decisões sobre a matéria, com força de lei, cujo comando obriga aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública" 12.

Em posição intermediária, Mauro Cappelletti e Marco Antonio Muscari aduzem que a súmula vinculante seria um tertium genus, interposto entre o abstrato dos atos legislativos e o concreto dos atos jurisdicionais, na medida em que "os juízes estão constrangidos a ser criadores do Direito. Efetivamente, eles são chamados a interpretar e, por isso, inevitavelmente, a esclarecer, integrar, plasmar e transformar, e não raro a criar ex novo o Direito. Isso não significa, porém, que eles sejam legisladores. Existe, realmente, essencial diferença entre os processos legislativo e jurisdicional"13 e "a súmula vinculante é mais do que a jurisprudência e menos do que a lei; situa-se a meio-caminho entre uma e outra. Com a jurisprudência guarda similitude pelo fato de provir do Poder Judiciário e de estar sempre relacionada a casos concretos que lhe dão origem. Assemelha-se à lei pelos traços de obrigatoriedade e da destinação geral, a tantos quantos subordinados ao ordenamento jurídico pátrio. É um tertium genus, portanto" 14 15. Page 5

4. Tipologia

No tocante aos efeitos da súmula da jurisprudência predominante, os enunciados aprovados, revisados ou cancelados pelo Supremo Tribunal Federal são divididos em três espécies, de acordo com a Emenda Constitucional nº 45/04 16.

A súmula com eficácia suasória, que importa na persuasão dos órgãos administrativos e judiciários a proferirem decisões em consonância com a jurisprudência predominante, é proposta pelo voto da maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal, com fulcro no art. 102, § 1º do Regimento Interno da Excelsa Corte.

A súmula com eficácia vinculante, que implica na invalidação dos atos administrativos e jurisdicionais prolatados em contrariedade à jurisprudência preponderante, é produzida pelo voto de dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal, com fundamentação no art. 103-A da Constituição da República.

A súmula com eficácia obstativa, que impede a proliferação de recursos procrastinatórios, possibilita ao juiz ou relator negar seguimento a recurso que contrariar, nas questões predominantemente de direito, a jurisprudência prevalecente, sumulada ou não, do Supremo Tribunal Federal, com fundamento no art. 38, in fine da Lei 8.038/90 e arts. 518, § 1º e 557, caput do Código de Processo Civil, com redação dada pelas Leis nos. 9.756/98 e 11.276/06 17. Page 6

5. Validade

Quanto à constitucionalidade da norma introduzida pelo art. 103-A da Constituição da República, há dissenso entre dois posicionamentos.

A validade da norma constitucional inserida no art. 103-A é patrocinada por André Ramos Tavares 18, Rodolfo de Camargo Mancuso 19, Victor Nunes Leal 20 e Humberto Peña de Moraes 21, tendo em conta que a súmula vinculante resguardaria a independência funcional dos magistrados na operação de verificação sobre a aplicação, ou não, do enunciado ao caso concreto submetido à apreciação judicial, assim como a possibilidade de interpretação pelo órgão judiciário do verbete da jurisprudência predominante. Outrora, o Min. Nelson Azevedo Jobim salientou que "a...

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