A administração pública e sua organização

AutorJouberto De Quadros Pessoa Cavalcante/Francisco Ferreira Jorge Neto
Ocupação do AutorProfessor da Faculdade de Direito Mackenzie/Desembargador Federal do Trabalho (TRT 2ª Região)
Páginas15-54

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1.1. A Administração Pública

A expressão “administração pública”, segundo De Plácido e Silva, pode ser vista em dois sentidos: amplo e estrito.

No sentido amplo, “administração pública pode ser compreendida como uma das manifestações do poder público na gestão ou execução de atos ou de negócios políticos.

Assim se confunde com a própria função política do poder público, expressando um sentido de governo, cujo conceito, por vezes, se entrelaça com a da administração, por tal forma que, dificilmente, se poderá, de pronto, traçar uma diferenciação exata entre os órgãos que estruturam o governo propriamente dito e as funções que indicam seu setor administrativo”1.

No sentido estrito, administração pública, “sem divergir do sentido equivalente em administração privada, significa a simples direção ou gestão de negócios ou serviços públicos, realizados por todos os seus departamentos ou institutos especializados, com a finalidade de prover às necessidades de ordem geral ou coletiva”2.

Nas palavras de José Afonso da Silva3, “administração pública é o conjunto de meios institucionais, materiais, financeiros e humanos preordenados à execução das decisões políticas”.

Marcello Caetano4 considera que administração pública é “o conjunto de decisões e operações mediante as quais o Estado e outras entidades públicas procuram, dentro das orientações gerais traçadas pela política e diretamente ou mediante estímulo, coordenação e orientação das atividades privadas, assegurar a satisfação regular das necessidades coletivas de segurança e de bem-estar dos indivíduos, obtendo e empregando racionalmente para esse efeito os recursos adequados”.

A Constituição Federal utiliza a expressão “administração pública” com dois sentidos, um objetivo e outro subjetivo.

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No primeiro caso, sentido objetivo, administração pública é empregada como a própria atividade administrativa, como gestão do interesse público (função administrativa) executada pelo Estado, predominantemente pelo Poder Executivo. Possui as seguintes características: a) atividade concreta (execução da vontade do Estado prevista em lei); b) satisfação direta e imediata dos fins do Estado; c) regime jurídico de direito público.

No sentido subjetivo, a expressão é utilizada como o conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas que tenham a incumbência de executar as atividades administrativas. Neste caso, tem-se como referência o sujeito da função administrativa.

Como menciona Maria Sylvia Zanella di Pietro5, há outra distinção apontada pela doutrina “... a partir da ideia de que administrar compreende planejar e executar: a) em sentido amplo, a Administração Pública, subjetivamente considerada, compreende tanto os órgãos governamentais, supremos, constitucionais (Governo), aos quais incumbe traçar os planos de ação, dirigir, comandar, como também os órgãos administrativos, subordinados, dependentes (Administração Pública, em sentido estrito), aos quais incumbe executar os planos governamentais; ainda em sentido amplo, porém, objetivamente considerada, a Administração Pública compreende a função política, que traça as diretrizes governamentais e a função administrativa, que as executa; b) em sentido estrito, a Administração Pública compreende, sob o aspecto subjetivo, apenas os órgãos administrativos e, sob o aspecto objetivo, apenas a função administrativa, excluídos, no primeiro caso, os órgãos governamentais e, no segundo, a função política”.

1.2. A Organização Administrativa do Brasil

O sistema federativo6 brasileiro é composto da União, dos Estados, do7 Distrito Federal e dos Municípios (art. 1º, CF), os quais compõem a

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organização político-administrativa da República (art. 18). Cada um dos entes federados possui autonomia plena em relação aos demais8.

A República Federativa do Brasil é formada pela União, pelos 26 Estados, pelo Distrito Federal e pelos 5.565 Municípios.

Ao discorrer sobre o tema, Manoel Gonçalves Ferreira Filho9 leciona: “Na técnica da Constituição vigente, o todo, o Estado federal, quer dizer, a República Federativa do Brasil, integra como entes a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Todos esses entes são ‘político-administrativos’, ou seja, exercem funções políticas e funções administrativas.

São eles reciprocamente ‘autônomos’, melhor dizendo, reciprocamente independentes. Não há sujeição hierárquica entre eles. Cada um, na esfera de competência que a Constituição lhes atribui (‘nos termos da Constituição’), goza de plena autodeterminação. Esta, circunscrita pelas normas desta Carta, não é ‘soberana’ e sim ‘autônoma’.”

No Brasil, “a Constituição Federal assegura autonomia aos Estados federados que se consubstancia na sua capacidade de auto-organização, de autolegislação, de autogoverno e de autoadministração (arts. 18, 25 a 28)”10.

Tratamento semelhante é assegurado à autonomia municipal, a qual se “assenta em quatro capacidades: a) capacidade de auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria; b) capacidade de autogoverno, pela eletividade do prefeito e dos vereadores às respectivas Câmaras Municipais; c) capacidade normativa própria, ou capacidade de autolegislação, mediante a competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar; d) capaci-dade de autoadministração (administração própria, para manter e prestar os serviços de interesse local).

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Nessas quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia política (capacidades de auto-organização e de autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência), a autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma característica da autoadministração)11.

Cada ente de direito público, por isso, é autônomo para organizar os seus serviços e instituir o regime jurídico do seu pessoal, desde que observadas as normas constitucionais aplicáveis aos servidores públicos (arts. 37 e seguintes), não havendo interferência de um ente no outro, pois “nesse campo é inadmissível a extensão das normas estatutárias federais ou estaduais aos servidores municipais, no que tange ao regime de trabalho e de remuneração. Só será possível a aplicação do estatuto da União ou do Estado-membro se a lei municipal assim o determinar expressamente.

Nem mesmo a Constituição estadual poderá estabelecer direitos, encargos ou vantagens para o servidor público municipal, porque isso atenta contra a autonomia local. Desde que o Município é livre para aplicar as suas rendas e organizar os seus serviços (CF, art. 30, III e V), nenhuma interferência pode ter o Estado-membro nesse campo da privativa competência local. Só o Município poderá estabelecer o regime de trabalho e de pagamento de seus servidores, tendo em vista as peculiaridades locais e as possibilidades de seu orçamento.

Nenhuma vantagem ou encargo do funcionalismo federal ou estadual se estende automaticamente aos servidores municipais, porque isto importaria a hierarquia do Município à União e ao Estado-membro”12.

As normas federais, portanto, são inaplicáveis aos servidores estaduais, sendo que as normas estaduais também não atingem as relações dos servidores federais com a União.

“A autonomia constitucional reconhecida ao Distrito Federal, que lhe confere a prerrogativa de dispor, em sede normativa própria, sobre o regime jurídico dos seus servidores civis, impede que se estendam, automaticamente, ao plano local os efeitos pertinentes à política de remuneração estabelecida pela União Federal em favor dos seus agentes públicos.” (STF — RE n. 177.599 — Rel. Min. Celso de Mello — j. 30.8.1994
— DJ 20.4.1995.) No mesmo sentido: AI n. 384.023-AgR — Rel. Min. Nelson Jobim — j. 1º.10.2002 — DJ 31.10.2002.

Para o STF, “a observância das regras federais não fere autonomia estadual” (TP — ADI n. 1.546 — Rel. Min. Nelson Jobim — j. 3.12.1998

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— DJ 6.4.2001). Assim, para o STF, a questão de se reconhecer o direito de empregados públicos ao reajuste de salário previsto em lei federal diz respeito apenas ao reconhecimento da competência legislativa da União em matéria trabalhista, e não de autonomia do Estado.

O TST entende que os Estados e Municípios são obrigados a observar a legislação federal salarial (OJ n. 100, SDI-I).

Importante mencionar que, apesar do uso comum do termo “federação” por “estado federal”13, os mesmos não se confundem, pois entre as formas de federação (gênero) temos a “confederação de estados” e o “estado federal” (espécies).

Até porque clara é a distinção entre confederação de estados e estado federal; eis que a primeira nasce de um pacto, de caráter contratual, mantendo a possibilidade de adesão ou não a certos tópicos pactuados pelos entes integrantes, preservando a soberania de...

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