A representação do gato doméstico em diferentes contextos socioculturais e as conexões com a ética animal

AutorJuliana Clemente Machado - Rita Leal Paixão
CargoDoutoranda em Bioética, ética aplicada e saúde coletiva na Universidade Federal Fluminense (Associação ampla entre a UFRJ, UERJ, UFF e FIOCRUZ), Bolsista Capes. Niterói, RJ, Brasil - Doutora em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz
Páginas231-253
1807-1384.2014v11n1p231
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Adaptada.
A REPRESENTAÇÃO DO GATO DOMÉSTICO EM DIFERENTES CONTEXTOS
SOCIOCULTURAIS E AS CONEXÕES COM A ÉTICA ANIMAL
Juliana Clemente Machado
1
Rita Leal Paixão2
Resumo
O gato doméstico tem sido representado simbolicamente ao longo do tempo de
maneira bastante diversa, com conotações ora positivas, ora negativas. Também é
paradoxal o modo como a sociedade historicamente interage com este felino de
modo que a sua representação simbólica e interação direta com o ser humano,
parecem caminhar juntas. No presente, o gato é um dos animais que mais sofre atos
de crueldade, abandono e morte, possuindo inclusive reduzida taxa de adoção.
Desta forma, este trabalho objetiva descrever brevemente as crenças e os usos
rituais dos gatos em diferentes culturas, refletindo sobre como a simbologia deste
felino se relaciona às questões éticas. A educação e a aplicação adequada das leis
são apontadas como importantes fatores para modificar este paradigma especista e
antropocêntrico incoerente com as perspectivas de uma ética animal.
Palavras-chave: Ética animal. Gato doméstico. Simbologia. Especismo. Maus-
tratos.
INTRODUÇÃO
Desde muito cedo na história da humanidade os animais estão presentes na
vida das pessoas e na composição social dos povos. No entanto, trata-se de uma
interação cercada por contradições, pois ao mesmo tempo em que atualmente se
verifica um crescimento no número de animais de companhia tratados como quase-
pessoas (SERPELL, 1989), muitos ainda são explorados economicamente como
objetos ou são vítimas de crueldade e abandono. Sempre utilizamos animais não-
humanos como fontes de alimento, pele e ossos para vestimentas e acessórios,
objetos de pesquisa, entretenimento e meios de transporte. Ao mesmo tempo, tantos
1 Doutoranda em Bioética, ética aplicada e saúde coletiva na Universidade Federal Fluminense
(Associação ampla entre a UFRJ, UERJ, UFF e FIOCRUZ), Bolsista Capes. Niterói, RJ, Brasil. E-
mail: juliajoe@terra.com.br
2 Doutora em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz. Professora associada no Departamento
de Fisiologia e Farmacologia do Instituto Biomédico da Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ,
Brasil. E-mail: rita_paixao@uol.com.br
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R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.11, n.1, p.231-253, Jan./Jun. 2014
outros são reverenciados como deuses. Alguns despertam asco, medo, preconceitos
e lendas. Há aqueles carismáticos da fauna selvagem e os compreendidos como
verdadeiros membros da família. Verifica-se então que não existe uniformidade na
forma de pensar o animal. Segundo Serpell (2004), esta forma de pensar e agir varia
em função dos atributos físicos e comportamentais da espécie e com as
características da pessoa que interage e pensa sobre o animal. Sexo, idade,
escolaridade, grau e forma de contato com animais na infância, personalidade e
nível de informação sobre o animal são importantes nesta interação. Religião,
representação simbólica, hábitos culturais e outros fatores sociais também são
relevantes para construir esta relação e moldar a maneira como toda uma sociedade
lida com uma espécie.
Tendo em vista o atual crescimento das preocupações sobre o modo como
tratamos os animais não-humanos, o status moral que a eles conferimos, as
legislações de proteção e as diversas questões abordadas pela ética animal, é
fundamental refletir sobre o modo com enxergamos e representamos estes seres.
Dado que o gato é um dos animais que mais sofre com ações humanas negativas a
ele direcionadas, focaremos a nossa discussão para os fatos relativos a este animal.
O presente artigo objetiva, portanto, descrever brevemente a representação
simbólica, crenças e usos rituais dos gatos em diferentes culturas, ao mesmo tempo
em que busca articular como a simbologia deste felino se relaciona às questões de
ética animal no contexto atual.
A REPRESENTAÇÃO SIMBÓLICA DOS ANIMAIS
Dos registros pré-históricos de pinturas em cavernas até a atual relação
íntima que temos com os nossos animais de companhia, sempre houve uma intensa
conotação simbólica marcando a interação do ser humano com os demais animais.
Este simbolismo já foi menos sutil do que nos dias atuais, mas em todos os
momentos representou a admiração ou o medo que os seres humanos possuem em
relação às características comportamentais e físicas das mais variadas espécies de
animais. A proximidade de algumas características com os atributos humanos e, ao
mesmo tempo, a presença de traços tão marcadamente distintos é o combustível
desta representação simbólica (SCHWABE, 1994).

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