A SPE - Sociedade de propósito específico

AutorLeonardo Guimarães
Páginas129-137

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1-Introdução

A importância crescente do direito societário no Brasil, derivada, mormente, (a) do alargamento das relações com outros países (leia-se globalização) e (b) da deses-tatização das empresas controladas pelos governos federais, estaduais e, em alguns casos, até mesmo municipais, vem trazendo em seu rastro a necessidade contínua do desenvolvimento de estruturas aptas a acolher aportes cada vez maiores de capital e de partícipes.

Sob tal égide, o Brasil tem importado, em escala crescente, formas societárias desenvolvidas na Itália, Inglaterra, Alemanha e, inegavelmente, nos Estados Unidos, adaptando-as, tanto quanto necessário, à realidade nacional, a fim de aplicá-las na elaboração de estruturas comerciais profícuas ao atendimento dos anseios e pretensões de investidores pátrios, ou não.

Entrementes, ainda que diversas as formas societárias legalmente delineadas pelo legislador, vislumbra-se inexistir previsão expressa, no país, para a formação e funcionamento da chamada joint venture company. Por conseguinte, exsurge patente a inexistência de legislação específica, no Brasil, acerca de um tipo de joint venture cuja utilização tem sido, recentemente, bastante difundida, máxime no setor de pri-vatizações: a SPE, ou Sociedade de Propósito Específico.

Tratando-se de forma societária com características únicas, torna-se amplamente justificável o presente estudo, desenvolvido de forma bastante pragmática, tendo por objeto, primeiramente, a joint venture, e, em um segundo momento, a SPE - Sociedade de Propósito Específico, tendente a divisar, ainda que de modo perfunctório, suas origens e estruturas, perfilando-se, finalmente, as diversas hipóteses para sua aplicação.

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2. O instituto da "joint venture"
2. 1 O que é a "joint venture"?

O fenómeno crescente da globalização, aliado ao desenvolvimento empresarial moderno, têm contribuído, inegavelmente, para a formação de empreendimentos comuns por empresas independentes. De um norte, a transnacionalização das empresas, que as fazem olhar o mundo como um único mercado, a ponto de tornar uma marca de refrigerantes a mais conhecida do globo, gera a necessidade destas organizações se associarem a outras para, por exemplo, melhor conhecer os diversos mercados mundiais. De outro, a necessidade de vultuosos investimentos em tecnologia geram custos que uma só companhia não está apta a suportar. Por fim, o volume de informações que requer essa atividade global é melhor atendido quando empresas se juntam em um mesmo setor de atividades, ou em certas áreas específicas, para desenvolver um objetivo comum.

Essas, bem como outras, são razões fortes o suficiente para estimular não apenas os empresários, mas, outrossim, os legisladores a procurarem novas formas de associações, tendentes a responder a esta crescente demanda. Em beneplácito a estas pretensões, "asjoint ventures foram, por certo, uma das primeiras manifestações dessas conveniências empresariais, e formaram-se, seja através da constituição áepart-nerships (sem personalidade jurídica) entre sociedades, seja associando empresas numa terceira corporação, para a realização dessa indispensável cooperação".1

A joint venture, instituto tipicamente norte-americano, ainda que maturado no período imediatamente posterior à segunda grande guerra,2 viu suas primeiras definições clássicas surgirem, tão-somente, entre as décadas de setenta e oitenta, como por exemplo a externada na obra de Young and Bradford, como sendo, em breve síntese, um negócio, corporação ou sociedade, formado por duas ou mais companhias, indivíduos ou organizações, sendo que pelo menos um deles é uma entidade comercial que colima expandir suas atividades para conduzir um novo negócio mercantil. Em geral, o controle desta sociedade deve ser divido entre seus partícipes de forma mais ou menos igualitária, tendo-se por cuidado não conferi-lo a qualquer das partes, individualmente.3

Ainda buscando definições norte-ame-ricanas para o tema, impende destacar a simples, porém interessante, opinião de Charles Drake considerando ajoint venture uma partnership for a single business.4

Podem, ainda, ser conceituadas doutri-nariamente como "uma modalidade de partnership temporária, organizada para a execução de um único ou isolado empreendimento lucrativo e, usualmente, embora não necessariamente, de curta duração. Trata-se de uma associação de pessoas que combinam seus bens, dinheiro, esforços, habilidade e conhecimentos com o propósito de executar uma única operação negociai lucrativa".5

Confluindo todas as definições supra, a melhor caracterização acerca do tema parece vir, realmente, da obra de Goodman and Lorensen: "A joint venture is com-monly described as an entity that is owned, operated and jointly controlled by a small group as a separate and specific business project organized for the mutual benefit of the ownership group".6

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Em outros países, como a Itália, não há variação quanto ao entendimento acerca do tema: "Si oppone all'essercizio di un'attività congiunta in ipotesi di partner-shipil compimento da parte dei ventures di una pluralità di atti che, pur funzionali alia reallizazione di un affare di comune interesse, matengono una própria individualità económica e giuridica senza confluire in un'attività direitamente imputabili ad un soggeto distinto dai contraenti".7

Estruturas símiles & joint venture ainda são encontradas na legislação francesa, sob o desígnio de Groupment d'Internet Économique - G1E, na alemã, sob o modelo da Gleichordnungskornzern, bem como nos direitos português e japonês, dentre outros.8

Com efeito, no âmbito nacional, muito embora sejam reduzidos os escólios acerca do tema, há ressaltar-se a inclinação dos estudiosos no sentido de inferir hjoint venture as mesmas características basilares delineadas supra, ou seja, uma fusão de interesses entre uma empresa e um grupo económico, pessoas jurídicas ou naturais, desejosas em expandir e/ou diversificar, sua base económica, tendo por escopo a aufe-rição de lucros ou benefícios, com duração permanentes ou prazos determinados.9 Maria Helena Diniz, em seu Dicionário Jurídico, reputa-a modalidade de partner-ship organizada para a execução de um único e isolado empreendimento lucrativo e, usualmente, de curta duração. "É uma associação de pessoas que combinam seus bens, dinheiro, esforços, habilidades e conhecimentos para executar uma única operação negociai lucrativa".10

Esta nova forma associativa responde, com efeito, à dinâmica empresarial, ar-rimando, e fomentando, as exigências de uma área em permanente mutação.

Face à sua "juventude", entrementes, as polémicas acerca do instituto são numerosas, envolvendo desde a natureza dos seus partícipes, até a possibilidade da indetermi-nabilidade da sua duração, cabendo, adiante, avaliá-las para uma melhor compreensão do tema, a fim de que, após, seja possível analisar-se uma de suas formas, qual seja a SPE - Sociedade de Propósito Específico.

2. 2 Formas legais

A joint venture, pode, mas a tanto não é obrigada, ser formada pelas próprias sociedades partícipes, em uma espécie de consórcio, sem a necessidade de criação de uma terceira entidade a representá-las.11 Não obstante tal permissivo legal, para uma melhor consecução de suas finalidades - sem que haja alteração, ou mesmo interferência em sua "função-fim" -, as corporações têm adotado a alternativa de criar, em conjunto, uma nova pessoa jurídica, conferindo-lhe a função de desenvolver este novo projeto. Em ambas as hipóteses, não possuirá a joint venture personalidade jurídica.

A dicotomia verificada supra é destacada em todas as obras acerca da matéria, nacionais ou alienígenas, tendo o direito norte-americano adotado a terminologia corporate joint venture,12 ou incorporated joint venture,13 para a companhia formada separadamente do corpo de suas controladoras e unincorporated joint venture, ou non corporate joint venture14 para aquelas em que não há criação de nova sociedade.

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Cumpre asseverar, ainda, a possibilidade da joint venture ver-se insculpida, no Brasil, em qualquer um dos modelos societários existentes (na medida em que, como ressaltado alhures, a joint venture, em si, não sendo forma legal de associação societária prevista pelo legislador pátrio, não possui a chamada personalidade jurídica), afigurando-se prática mais comum a criação de uma sociedade anónima para comportá-la, ainda que a estrutura da sociedade por quotas de responsabilidade limitada também possa ser utilizada.

2. 3 Duração

A joint venture pode ter prazo de duração determinado, ou não, cabendo às companhias formadoras avaliar, conforme o empreendimento, a necessidade desta delimitação.

Observa-se, na prática, que, diferentemente da sua outra forma (unicorporated joint venture), as corporate joint ventures são normalmente constituídas por prazos indeterminados,15 ou, ainda que determinados, bastante longos. Tal ocorrência é derivada, diretamente...

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