A sociologia frente aos riscos dos livros didáticos de ciências econômicas e sociais

AutorPhillipe Vitale
CargoMaître de conférences en sociologie no Pole Humanités Sciences Historiques et Sociales a Aix-Marseilles Université
Páginas114-131
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2015v14n31p114
114 114 – 131
A sociologia frente aos riscos
dos livros didáticos de ciências
econômicas e sociais1
Philippe Vitale2
Resumo
Inspirado pela sociologia do curriculum anglo-saxônica, este artigo busca esclarecer a recontex-
tualização da sociologia na seção Sciences Économiques et Sociales (SES), através de uma análise
de seus livros didáticos. A análise se apoia no conjunto de obras da segunda série e, particular-
mente, sobre os capítulos que tratam da sociologia. Esse exame conduz in f‌ine a desprender
quatro formas de recontextualização que convidam a uma ref‌lexão epistemológica, didática e
pedagógica sobre o ensino de Sociologia em SES.
Palavras-chave: SES. Ensino de Sociologia. Curriculum. Livro didático. Recontextualização.
1 Introdução3
Inaugurado por Émile Durkheim na Évolution pédagogique en France
(1938), o exame dos programas e dos conteúdos do ensino suscitou pouco
interesse entre a maior parte dos sociólogos franceses (DURKHEIM, 1938;
ISAMBERT-JAMATI, 1990; ROPÉ; BUCHETON; LELOCH, 1994), en-
quanto que nos países de língua inglesa, ele deu lugar a uma forte tradição de
pesquisa que designamos geralmente sob o termo de sociologia do currículo4.
1 Este artigo foi publicado originalmente sob o título “La sociologie au risque des manuels: l’exemple des manuels
en classe de seconde Sciences Economiques et Sociales”, na Revue française de pédagogie, nº 134, INRP, 2001,
http://rfp.revues.org/persee-281578. (VITALE, 2001). Agradecemos ao autor Philippe Vitale, e aos editores
da revista, em especial a Jean-Yves Rochex (Editor chefe) e Anne Farys (Secretária de redação) pela graciosa
autorização e a conf‌iança na tradução e publicação do texto. Tradução de Juarez Lopes de Carvalho Filho,
professor e pesquisador do Departamento de Sociologia e Antropologia e membro do corpo docente do Pro-
grama de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal do Maranhão, São Luis/Brasil.
2 Philippe Vitale é Maître de conférences en sociologie no Pole Humanités Sciences Historiques et Sociales a
Aix-Marseilles Université.
3 Este texto é fruto de um trabalho realizado em 1998-1999 pelo Laboratoire Méditerranéen de Sociologie (LAMES),
com participação de Nicole Romognino, Pierrette Vergès, Pierre Vergès e Philippe Vitale. Ver Vitale, 1999.
4 Para uma apresentação da história e das contribuições originais da sociologia “du curriculum”, ver as obras
de Jean-Claude Forquin (1989): École et culture, Bruxelles, De Boeck Université, e (1997) Les sociologues de
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 14 - Nº 31 - Set./Dez. de 2015
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A análise dos livros didáticos5 de segunda série6 de Sciences Économiques et
Sociales” (SES)7 se inscreve na perspectiva geral feita em outre-Manche sobre
a relação entre o curriculum formal, ou seja, os conteúdos que são prescritos
ocialmente pelas autoridades, e o curriculum real – dito de outra maneira, os
saberes realmente transmitidos na prática. Os livros didáticos se encontram
na interface de dois tipos de curricula”8. Diferentemente do que ocorre nos
programas, esses suportes pedagógicos não são estabelecidos pelo Ministério
de Educação nacional. Eles são essencialmente redigidos por professores de
economia e as editoras não têm necessidade de obter qualquer aprovação das
autoridades para publicá-los. Os autores são obrigados, em princípio, a seguir
o curriculum formal proposto pela Educação Nacional; mas, em razão do cará-
ter às vezes vago e alusivo de seu conteúdo, eles operam variações que obede-
cem às lógicas de produção complexas e plurais: lógica mercadológica ligada à
edição, lógica pedagógica ligada à nalidade desses livros, lógica de autores em
concorrência no mercado, lógicas cientícas que se escrevem no plural, pois as
instruções ministeriais e a ausência de normatividade em ciências sociais dei-
xam uma “margem de manobra” importante aos autores. Além disso, os livros
didáticos não não dependem do curriculum real. Eles constituem um suporte
pedagógico para o aluno e para o professor que pode escolher se reportar, ao
longo da disciplina, a outros suportes (fotocópias de obras, recortes de jornais,
revistas especializadas etc.).
Os livros didáticos se apresentam, nesse sentido, como campo de inves-
tigação privilegiado para o sociólogo. Eles são ferramentas de recontextua-
lização pedagógica do saber acadêmico que é preciso levar a sério por qual-
quer análise de uma disciplina escolar. O conceito de recontextualização, que
l´éducation américains et britanniques, Bruxelles, da editora De Boeck-I.N.R.P. Precisamos aqui que o termo
“curriculum” em inglês designa, ao mesmo tempo, um programa, saberes escolares, um percurso educacional e
mais amplamente “[...] uma perspectiva global dos fenômenos educativos, uma maneira de pensar a educação
que consiste em privilegiar a questão dos conteúdos e a maneira como esses conteúdos se organizam nos cursus”
(FORQUIN, 1989, p. 22).
5 No original, usa-se a expressão “manuels scolaires”; porém, preferimos traduzir por “livros didáticos”, por
ser a expressão recorrente nos estudos sobre o Ensino de sociologia na Educação Básica no Brasil (Nota do
Tradutor).
6 Corresponde, no Brasil, ao primeiro ano do Ensino Médio (Nota do Tradutor).
7 Esta é a nomenclatura, na França, que contempla o ensino de sociologia na educação secundária que tradu-
zimos por “Ciências Econômicas e Sociais”, doravante CES. ( Nota do Tradutor.).
8 Em Latim no texto original. Curricula é o plural de curriculum (equivalente de currículo, em Português).

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