A sociedade européia: comentários e reprodução do Regulamento 2.157/2001

AutorCarlos Eduardo Vergueiro
Páginas129-150

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Ver Nota1

1. Introdução

Cesare Vivante e Norberto Bobbio, cada um à sua época e maneira, lembram a todos que análises estruturalisías dos textos legais serão pouco proveitosas se vierem desacompanhadas de verificações da utilidade que o mesmo texto Jegal representa dentro da sua respectiva comunidade.

Vivante, a esse respeito, afirmou que ninguém deve se aventurar em discussões jurídicas se não conhece afundo a estrutura técnica e a função económica do tema objeto de estudo,2 de fornia semelhante, mas sem reduções meramente económicas, Bobbio constatou uma verdade: que os juristas têm, há muito tempo, se preocupado mais com as questões atinentes à formação do Direito do que com as relacionadas com a utilidade da norma jurídica para a sociedade3

É justamente sob essa ótica da "utilidade" que deve ser visto o Estatuto Jurídico da Sociedade Europeia, aprovado pelo Regulamento 2.157/2001 do Conselho da União Europeia e que entrará em vigor em 8 de outubro de 2004, decorrido um período de vacado legis de três anos.

Em primeiro lugar, a utilidade se mostra presente porque a Sociedade Europeia surge para pôr fim a uma situação paradoxal: as empresas aluantes na União Europeia exercem suas atividades em um ambiente económico comunitário, ao mesmo tempo em que suas estruturas jurídico-socictárias estão baseadas nas legislações nacionais de cada Estadu-Membro. A inserção de um tipo jurídico societário comunitário, portanto, traz como consequência a facilitação da integração dos Estados-Membros.

Mas o que vem a ser exatamente a Sociedade Europeia? Ela nada mais é do que um tipo jurídico baseado nas sociedades anónimas, e que foi criado para facilitar a atividade empresarial no âmbito comunitário. Não se trata de um novo modelo criado para substituir as sociedades anónimas pre-

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vistas na legislação nacional de cada Esta-do-Membro mas, sim, de uma nova opção, caracterizada por um tipo jurídico conhecido e aceito pelos Estados-Membros, e que se abre para aqueles que estejam interessados na constituição de sociedade para aiua-ção no ambiente comunitário.

A ideia de utilidade da norma jurídica também se mostra presente em algumas outras características da Sociedade Europeia, que não as meramente relacionadas a aspectos de integração. Essas características ganham um destaque especial se forem comparadas com o Direito brasileiro aplicado às sociedades anónimas.

Em primeiro lugar, os órgãos sociais foram todos objetos de uma disciplina legal precisa e sofisticada, que se aplica à Assembleia Geral e aos Órgãos encarregados da Gestão e da Fiscalização dos negócios sociais.

Para disciplinar a Assembleia Geral que, como no Brasil, é considerada como sendo o órgão social soberano, o Estatuto da Sociedade Europeia utilizou critérios de concisão. Ao contrário das duas espécies previstas pela Lei Brasileira de Sociedade por Ações, na qual artigos se seguem para regular a Assembleia Geral Ordinária e a Assembleia Geral Extraordinária, a Sociedade Europeia apresenta uma espécie única, a própria Assembleia Geral, que deve se realizar ao menos uma vez no exercício social (arts. 52 e ss.).

A fixação de responsabilidades entre os encarregados da gestão e da fiscalização das alividades sociais foi realizada pelo Estatuto da Sociedade Europeia, a partir da previsão de adoção dos sistemas monisia ou dualista conforme opção adotada pelos Estatutos Sociais.

No sistema monista (arts. 43 a 45), o chamado "Órgão de Administração" é responsável pela gestão da Sociedade Europeia. É inexistente qualquer estrutura de fiscalização dos negócios e qualquer Esta-do-Membro pode prever que a responsabilidade da gestão incumba a um ou a vários dos seus membros, nas mesmas condições previstas para as sociedades anónimas com sede no seu território.

Já no sistema dualista (arts. 39 a 42), há o "Órgão de Fiscalização", semelhante ao Conselho Fiscal da Lei Brasileira de Sociedades por Ações, cujos membros são escolhidos pela Assembleia Geral, e o "Órgão de Direccção", cujos integrantes são escolhidos pelo Órgão de Fiscalização para exercerem a gestão dos negócios sociais.

E interessante notar que o Estatuto da Sociedade Europeia permite a participação de pessoas jurídicas em qualquer dos órgãos de gestão ou no Órgão de Fiscalização. Essa participação só não será possível se houver proibição expressa na legislação aplicável à sociedades anónimas do Esta-do-Membro da sede da Sociedade Europeia (art. 47).4

Além da disciplina dos órgãos sociais, outro ponto que, a partir da comparação com o Direito brasileiro, chama a atenção é o fato do Direito de Recesso não estar previsto no Estatuto da Sociedade Europeia, o que de certa forma representa a consagração de uma tendência da legislação dos Estados-Membros da União Europeia, pois, conforme lembra Rache) Sztajn, o Direito de Recesso é inexistente nos ordenamentos alemão, francês e inglês.5

Mas uma grande inovação que mereceria ser seguida no Brasil é a disciplina legal da transferência da sede social. Para isso, recomenda-se, em especial, a leitura do art. 9-, o qual traz toda uma disciplina

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de comprovação prévia de que a transferência não irá afetar os interesses dos credores, empregados e acionistas minoritários, os quais poderiam ser atacados ou ter o seu exercício dificultado por manobras de empresários mal intencionados.

De fato, tomando-se a realidade brasileira, é preciso entender que a transferência de sede social não pode continuar a ser feita à mera vontade do controlador, que vê na transferência de sede entre unidades distintas da Federação, com as consequentes discussões a respeito de foro competente e as demoras advindas da emissão de cartas precatórias, uma oportunidade de protelar o pagamento das suas obrigações.

Feitas essas observações introdutórias, pode-se afirmar que o Regulamento 2.157/ 200] surge como um novo marco jurídico para o Direito Societário, cujas disposições podem servir para futuras alterações na legislação brasileira. O texto que segue é a reprodução da versão em Português, baseado nas regras de Ortografia e Gramática de Portugal, disponibilizado pelo Parlamento Europeu.

2. Texto do Regulamento 2 157/2001

REGULAMENTO (CE) 2.157/2001 DO CONSELHO DE 8 DE OUTUBRO DE 2001 RELATIVO AO ESTATUTO DA SOCIEDADE EUROPEIA (SE) O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA,

Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Europeia, nomeadamente o art.

Tendo em conta a proposta da Comissão,6 Tendo em conta o parecer do Parlamento Europeu,7

Tendo em conta o parecer do Comité Económico e Social,8

Considerando o seguinte:

(1) A realização do mercado interno e a consequente melhoria da situação económica e social no conjunto da Comunidade, implicam, além da eliminação dos entraves às trocas comerciais, uma adaptação das estruturas de produção à escala da Comunidade. Para esse efeito, é indispensável que as empresas cuja actividade não se limite à satisfação de necessidades puramente locais possam conceber e promover a reorganização das suas actividades a nível comunitário.

(2) Essa reorganização pressupõe que lhes seja proporcionada a possibilidade de congregar o seu potencial, através de operações de fusão. No entanto, essas operações só se podem realizar na observância das regras de concorrência doTraiado.

(3) A realização de operações de reestru-luração e de cooperação que envolvam empresas de Estados-Membros diferentes depara com dificuldades de ordem jurídica, fiscal e psicológica. A aproximação do direito das sociedades dos Estados-Membros através de directivas baseadas no art, 44- do Tratado pode remediar algumas dessas dificuldades. Essa aproximação não dispensa, no entanto, as empresas sujeitas a legislações diferentes de optar por uma forma de sociedade regulada por uma determinada legislação nacional.

(4) O quadro jurídico em que as empresas devem exercer as suas actividades na Comunidade, continua a basear-se, sobretudo, nas legislações amplamente nacionais, e não se coaduna com o quadro económico em que devem desenvolver-se para permitir a realização dos objectivos enunciados no art. 18° do Tratado. Essa situação pode constituir um entrave considerável ao agrupamento de sociedades de Estados-Membros diferentes.

(5) Os Esiados-Membros são obrigados a assegurar que as disposições aplicáveis às sociedades europeias por força do presente regulamento não resultem numa discriminação das sociedades europeias em relação às sociedades anónimas em virtude de um tratamento injusti-ficadamente diferente, nem em restrições desproporcionadas à formação de uma sociedade europeia ou à transferência da sua sede.

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(6) É essencial fazer corresponder, tanto quanto possível, a unidade económica e a unidade jurídica da empresa na Comunidade. Convém, para o efeito, prever a constituição, cm paralelo com as sociedades sujeitas a um determinado direito nacional, de sociedades cuja constituição e funcionamento estejam sujeitas à legislação resultante de um regulamento comunitário directamente aplicável em todos os Estados-Membros.

(7) As disposições de um tal regulamento permitirão a criação c a gestão de sociedades de dimensão europeia sem os entraves resultantes da disparidade e da aplicação territorial limitada do direito nacional das sociedades.

(8) O estatuto da sociedade anónima europeia, adiante designada "SE", figura entre os actos a adoptar pelo Conselho antes de 1992, constantes do Livro Branco da Comissão sobre a realização do mercado interno, aprovado pelo Conselho Europeu de Junho de 1985 em Milão. Na reunião de Bruxelas, em 1987, o Conselho Europeu manifestou o desejo de que esse estatuto fosse rapidamente criado.

(9) Desde a apresentação pela Comissão, em 1970, da proposta de regulamento relativo ao estatuto das sociedades anónimas europeias, alterada em 1975, os trabalhos de aproximação do direito nacional das sociedades progrediram de forma notável, de tal modo que, no caso da SE, é possível...

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