A sociedade em conta de participação como subespécie do gênero joint venture

AutorGustavo Oliva Galizzi
Páginas206-218

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1. Introdução

Como um vírus que rapidamente se propaga, atingindo e afetando um número gradativo de pessoas, a idéia da contratação por meio de parceria tem se mostrado cada vez mais presente no atual panorama só-cio-econômico mundial. Não somente nos ramos internos de atividade, mas, sobretudo, no campo do direito internacional, é sensitiva a tendência de associação entre empresas economicamente independentes, a qual se demonstra irrefreável.

De fato, quando dois ou mais agentes distintos decidem se unir para a exploração conjunta de determinada atividade econômica, sem que haja, contudo, entre eles, um elevado grau de vinculação e comprometimento, a solução que melhor se afigura para a composição de seus interesses é o recurso a uma das várias tipologias de parceria que coexistem atualmente nos mais diversos ordenamentos jurídicos.

A escolha por uma delas deve se pautar em critérios técnicos e objetivos, sendo induvidoso que aos contratantes se descortina um leque de opções, cada qual com peculiaridades e características próprias.

Sobreleva notar, nesse contexto, duas formas específicas de associação de empresas (lato sensu), dotadas de grande interesse prático e também doutrinário, quais sejam, a joint venture e a sociedade em conta de participação, mencionadas pelos autores, em não raras oportunidades, como pertencentes a um gênero legal comum.

O rigor analítico e dogmático que deve nortear toda e qualquer pesquisa jurídica impõe, no entanto, a necessidade de uma abordagem mais detida sobre as referidas modalidades: pode a sociedade em conta de participação ser enquadrada como espécie do gênero joint venturel

É basicamente a essa questão que se volta o presente trabalho.

2. "Joint venture"
2. 1 Definição

A joint venture1 teve sua origem no direito anglo-saxônico, a partir de uma forma de associação despersonalizada, apli-

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cada em alguns ramos internos de atividade, atingindo, posteriormente, a universa-, lidade de seu uso nos negócios internacionais, sendo, hoje em dia, instrumento largamente utilizado para a realização conjunta de transações comerciais entre empresas provenientes de nações distintas.

De natureza jurídica controvertida e ambígua, a figura da joint ventare, na realidade, não comporta uma definição rígida e unitária, tendo em vista, de um lado, a pluralidade dos fatores que podem justificar a sua formação,2 e, de outro, o inegável reflexo, em suas origens, do direito daCom-mon Law, que tem por base matéria essencialmente jurisprudencial. De fato, a interpretação acerca da joint ventare resulta um tanto mais conflituosa em sistemas de Civil Law, onde há uma forte presença da lógica dedutiva e nos quais emerge, de modo quase irrefreável, a necessidade de adotar a técnica do pensamento problemático.3

Tal fato faz com que a doutrina proponha, para a espécie, uma conceituação genérica, como se denota do escolio de Daniel Amin Ferraz: "Isto posto, depois de analisadas várias definições propostas durante a evolução desse contrato, e já com a certeza de não ser esta definitiva em virtude da própria flexibilidade e facilidade de sua constituição, poderíamos^ dizer que joint ventare é um acordo de cooperação (sem forma própria) entre duas ou mais pessoas, físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, que podem exercer a administração conjunta, e que têm o dever de busca do objetivo comum, atuante na expectativa de ganho ou benefício (não necessariamente imediato)".

Do mesmo modo, para Calixto Salomão Filho, as joint ventares abrangeriam "todas as formas de associação de empresas com objetivo de realização de atividades econômicas e com escopo de lucro".4 A inexistência de uma definição precisa e unitária de joint ventare não impede, entretanto, que sejam extraídos e enumerados os elementos-chave que permitem a sua identificação.

2. 2 Elementos gerais

A partir da definição genérica de joint ventare, é possível afirmar serem estes seus elementos gerais:

· Capacidade para ser parte contratante: podem ser partes contratantes de um contrato de joint ventare pessoas físicas, jurídicas ou grupos de sociedades. A capacidade das pessoas físicas é matéria de direito material interno da parte contratante. No que toca às pessoas jurídicas, sua capacidade resolve-se com a prova do registro válido e regular de seus atos constitutivos e documentos societários subseqüentes.

· Contribuição dos participantes: tra-duz-se nos aportes destinados pelos co-ventures para a consecução do projeto, podendo se dar na forma de bens, direitos, dinheiro ou indústria.5

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· Submissão às perdas: a repartição dos riscos entre os integrantes (não necessariamente todos) é uma das características gerais da joint ventare.

· Busca dos lucros: é a razão de ser de todo negócio jurídico constituído para a exploração de uma atividade econômica.

· Gestão e representação: têm os co-ventures & faculdade de contratar a gestão compartilhada do empreendimento por parte de todos os parceiros envolvidos {mutual agency). Esta, entretanto, não se presume; deverá ser expressa nos atos destinados à regulação da joint v enture e, também, limitada aos objetivos sociais.

· Busca de um objetivo comum: é a característica essencial das joint ventures, posto que é um acordo de cooperação.

· Dever restrito de não-concorrência: embora os contratantes devam manter entre si o mais estrito dever de lealdade, conservam a liberdade de competir em ramos estranhos àquele circunscrito kjoint venture.

· Prazo determinado de duração: é próprio da joint venture estar destinada a um único projeto. Isso, entretanto, não implica necessariamente uma duração breve; como regra geral, as joint v entures são constituídas para a consecução de um empreendimento específico, mas não é necessário que este seja de duração imediata. É de sua natureza que seja o mesmo limitado a um negócio em particular, e que não seja indeterminado em sua duração.6

2. 3 Classificação

Embora seja duvidosa a validade científica das classificações, é inegável, por outro lado, o importante papel didático que assumem, facilitando o estudo dos mais diversos tipos legais. Nesse contexto, ten-do em vista a forma de constituição e diferentes aspectos que motivam a sua existência, as joint ventures podem ser classificadas em categorias diversas, enumeradas, pela doutrina, da maneira exposta na seqüência.

2.3.1 Quanto ao ponto de vista organizacional

2.3.1.1 Incorporated joint venture (ou joint venture Corporation) - A expressão joint venture é utilizada, em sentido geral, para designar todo acordo de cooperação empresarial voltado à realização de um projeto específico, não importando a forma jurídica que este último adote. Nesse contexto, uma de suas formas é a constituição de uma pessoa jurídica autônoma, geralmente uma sociedade por ações (ou limitada, como usualmente sucede na Alemanha), na qual participam, mediante aporte de capital, as partes contratantes. Trata-se de sociedade subsidiária contratada com período determinado de duração.

Lamy Filho e Bulhões Pedreira definem a joint venture corpo ration como "contrato de sociedade entre dois ou mais empresários que se obrigam a reunir esforços e recursos com o fim de exercer em conjunto a função empresarial em determinado empreendimento econômico ou empresa".7 Dessa forma, dois seriam os elementos que caracterizariam & joint venture como verdadeiro contrato de sociedade: "(a) os contratantes são empresários - pessoas naturais ou sociedades empresárias - e (b) o contrato é instrumento para que os contratantes exerçam a atividade empresarial".

Ainda segundo a lição dos renomados comercialistas, ao contrato dajoint venture Corporation anteceder-se-iam, como pres-

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supostos de constituição, os seguintes instrumentos jurídicos:8

"(a) um contrato, designado acordo básico, contrato quadro, contrato investimento ou expressões semelhantes, que funciona como instrumento-matriz no qual são definidas as condições básicas do negócio e os demais instrumentos a serem firmados;

"(b) o estatuto social da companhia existente ou a ser constituída;

"(c) um Acordo de Acionistas, que contém estipulações não reguladas pelo estatuto; e confirme o objeto e as peculiaridades da joint venture, pode incluir ainda contratos de fornecimento de tecnologia ou insumos de prestação de serviços, de administração ou comercialização, de empréstimos, de compra de produtos etc."

Na doutrina, entretanto, há quem discorde de tal opinião. Para certa corrente,9 na sistemática dajoint venture Corporation, as partes contratantes fazem apenas indicar um tipo societário com o objetivo de executar um subjacente contrato de joint venture, no qual seriam precisadas as modalidades de atuação no investimento, as entradas dos acionistas/quotistas, as cláusulas a inserir nos atos constitutivos da sociedade a ser formada, enfim, as condições gerais do negócio.

Note-se a nuance que distingue as duas opiniões ora referidas: para essa segunda corrente doutrinária, a sociedade a ser constituída seria mero instrumento possibili-tador da execução do contrato de joint venture. Não haveria se considerar, portanto, ser a incorporated joint venture um contrato de sociedade propriamente dito. O contrato de joint venture, cujo status, in casu, seria o de contrato preliminar,10 iria apenas estipular o objetivo comum perseguido pelos contratantes, além de determinar também o tipo jurídico específico de sua execução, o que se faria, futuramente, mediante a constituição de uma sociedade...

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