Estado e Sociedade nos Espaços de Governança Ambiental Transnacional

AutorMaikon Cristiano Glasenapp - Paulo Márcio Cruz
Páginas6-12

Page 6

A crise ambiental identifica-se como crise ci-vilizacional da modernidade, e pode ser contextualizada como consequência da adoção de um modelo de civilização preponderantemente econômico, tecnológico e cultural (neoliberal), que tem depredado a natureza e negado a existência de culturas alternativas, e que transformou o direito numa narrativa inserida em outras meta-narrativas, que sustentam objetivos do neoliberalismo.

Diante desse contexto, este artigo apresenta uma análise da modernidade e das consequências - advindas do paradigma axiológico da liberdade - que ela tem para o meio ambiente no âmbito global, deixando de início bem claro que a intenção não é fazer críticas à modernidade, mas sim demonstrar que a humanidade está vivenciando uma nova fase de transição paradigmática, que pode caracterizar o caminhar para a pós-modernidade. Esse novo período deverá ter como paradigma axiológico a preservação e a proteção da vida (sustentabilidade), como resposta da consciência do homem aos problemas ambientais, ainda que agora já não seja mais possível prever ou saber quais as consequências de uma catástrofe ambiental para o presente e para o futuro, configurando-se a chamada sociedade de risco.

Este trabalho tem por objetivo discutir a configuração de espaços transnacionais de proteção socioambiental como alternativa para o alcance de uma nova governança ambiental global (Speth, 2005, p. 32) e minimização dos riscos.

Nesse sentido, trabalha-se aqui com a perspectiva da construção de novos espaços públicos de governança para além do Estado Constitucional Moderno (territorial e nacional), ou seja, a construção de espaços públicos transnacionais de

Page 7

proteção socioambiental de perspectiva emancipatória. Esses espaços tenderiam a orientar a vida prática dos atores e poderes globais (sociedade civil transnacional) na nova ordem global, pressupondo a adoção de uma nova ética, que, ao contrário da ética liberal, não seja colonizada pela ciência nem pela tecnologia, mas pelo princípio da responsabilidade de longa duração (Canotilho, 2001, p. 7), pela solidariedade e pela consciência empática.

O que se procura mostrar neste trabalho é que os atores e poderes transnacionais que conseguem fugir do controle e autoridade dos Estados, das normas supranacionais e do direito internacional são peças importantes da nova estrutura de governança global, contudo, será necessária a limitação de atuação deles para que não seja identificada a ideia de "governança sem governo", na qual a autoridade estaria cada vez mais sendo transferida dos Estados territoriais para as entidades não territoriais (Matias, 2005, p. 441). Como enfatiza Boaventu-ra de Sousa Santos (2007, p. 36), a governança deverá reconstruir a governabilidade.

Para Rifkin (2010, p. 411), o processo globalizador tem sido oportunista e destrutivo. A globalização, para o autor, produziu um impacto psicológico tão importante quanto o econômico. Segundo Rifkin (2010), muita atenção tem sido dada às relações violentas provocadas pela globalização (xenofobia, populismo político e terrorismo), no entanto, pouco se tem prestado atenção na crescente extensão empática, proporcionada pelo constante contado das pessoas, principalmente, pelos meios de comunicação modernos. Assim, o já ilimitado mundo do mercado global também tem sido acompanhado de um espaço social que é ainda mais ilimita-do, sobretudo pelas redes sociais de comunicação.

Observando-se que as formações de novos poderes nos espaços transnacionais possibilitados pela globalização estão sem regulamentação, requer-se a politização da discussão sobre a limitação desses tipos de poder e, por consequência, a criação de direitos (transnacionais) destinados a regulá-los e limitá-los. O direito transnacional como resposta à globalização e suas consequências seria então matizado pela emergência de se regular a atuação do mercado global, das organizações não governamentais e da sociedade civil transnacional, que, segundo Kaldor (1999, p. 210), consiste em "grupos, indivíduos e instituições que são independentes do Estado e das fronteiras estatais, mas que estão, ao mesmo tempo, preocupados com os assuntos públicos".

Pode-se anotar ainda que, ao Estado, à sociedade e ao direito (instrumento social), como necessidades humanas, estão sendo lançados novos desafios na transnacionalida-de: alcançar o que na territorialidade não foi possível, ou seja, a ideia de qualidade de vida, que para Rifkin (2010, p. 542-544) representa o bem-estar comum, um elemento valioso na hora de garantir a felicidade de todos os indivíduos que são parte da comunidade. Desse modo, para afiançar tais perspectivas, o direito de inclusão segundo o referido autor se tornará mais importante que o direito de exclusão na hora de se estabelecer as relações sociais e econômicas. Assim, uma sociedade baseada na defesa da qualidade de vida (novo paradigma axiológico) deverá proteger simultaneamente tanto os modelos de mercado como os modelos sociais, enfatizando as oportunidades econômicas em conjunto com o compromisso coletivo de criação de uma sociedade sustentável para todos os cidadãos.

Crise ambiental e a crise do direito

A crise ambiental e/ou socioambiental1 identifica-se como crise civilizacional da modernidade e da atuação dos seus atores, entre os quais se destaca o Estado e a ativi-dade econômica.

Essa crise, que também pode ser contextualizada como consequência da visão mecanicista do mundo (Beck, 2002), que ignora os limites biofísicos e a compreensão científica dos sistemas vivos (Ca-pra, 1996, p. 229)2, e que decorre do próprio processo civilizatório moderno (Morin, 2005, p. 70), identifica-se com o atual estágio de desenvolvimento e definição histórica da humanidade3, estágio este que também transformou o direito numa narrativa inserida em outras metanarrativas, que sustentam os objetivos do neoli-beralismo. Assim, o direito passou a ser o reboque (suporte) da atividade econômica, atendendo em algumas perspectivas somente aos interesses do mercado (Stelzer, 2009, 47).

No âmbito jurídico, a crise ambiental e/ou socioambiental aparece à margem da crise igualmente vivida pelo direito positivo e pelo pensamento jurídico moderno (Estado), no que diz respeito ao triunfo das

Page 8

transformações provocadas pelos fenômenos da transnacionalização e da globalização4. Esses fenômenos tendem a esvaziar simultaneamente os espaços de atuação do Estado Constitucional moderno e do sistema internacional tradicional de regulação e de resolução das controvérsias, precisamente porque os fenômenos da transnacionalização e da globalização supõem o movimento de bens, informações, ideias, fatores ambientais e principalmente de pessoas, para além das fronteiras domésticas (Leis, 1999, p. 19).

A partir dessas constatações é que se pode desenvolver o raciocínio sobre a atual crise paradigmática da contemporaneidade, da crise do Estado moderno5, do direito e da consequente falta de força regula-mentadora do direito enquanto sinônimo da palavra "lei", e da necessidade de superação democrática do Estado Constitucional Moderno (Cruz; Sirvent, 2007), da modernidade e de suas promessas em parte não cumpridas e outras cumpridas em excesso.

Essa problemática, cumulada com a crise socioambiental, impõe um adequado tratamento político-jurídico do Estado, da modernidade, da crise ambiental e da sua inter-conexão, sobretudo pelo déficit no marco regulatório da modernidade, o que em grande parte acentuou o uso desregrado dos recursos naturais e, por conseguinte, o surgimento dos riscos ambientais globais.

Assim, a crise da modernidade, do Estado, do direito ambiental e/ ou socioambiental, impõe a interrogação não só aos limites do Estado, mas à forma institucional da modernidade e das suas promessas. Nesse sentido, não se pode ficar preso aos esquemas conceituais, institucionais da modernidade.

O programa da modernidade jurídica assentou-se na racionalidade científica, e, por conseguinte, na estatização, positivação e dogmati-zação do direito. Assim, estudar o direito a partir da racionalidade jurídica moderna nada mais é do que aprender o que está escrito nas leis e nos códigos (dogmática jurídica)6.

Daí advém a identificação moderna entre direito e lei, restringindo o âmbito da experiência jurídica à sua estrutura técnico-formal e ao conteúdo normativo da modernidade (Habermas, 1990, 309-350). No que tange ao direito moderno como direito estatal, diz-se que "é constituído por um complexo de normas de teor geral, abstrato, coercível e impessoal"7.

Nesse sentido, o direito moderno está integralmente assentado na concepção...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT