Sistema sindical brasileiro e a proteção da pessoa humana

AutorFernando Gubnitsky
Breve Histórico

Com a abolição da escravidão, e início da industrialização, o Brasil começa trazer imigrantes europeus para trabalhar nas terras e nas fábricas.

O Senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, começou a trazer os primeiros imigrantes com a promessa de estabelecer um contrato de parceria, ou seja, por este sistema, o fazendeiro pagava as despesas da viagem do imigrante, fornecia alimentação a crédito, as ferramentas, alguns pés de café, e um lote de terra para plantação, quando os pés de café começassem a produzir, o imigrante deveria ressarcir o fazendeiro, pagando-lhe o capital investido com juros escorchantes, além de ter de vender a produção do café para o fazendeiro pelo preço que este lhe impusesse.

Assim, na prática os donos de terras, ao cobrar as dívidas de viagens, obrigar os imigrantes a comprar seus mantimentos para subsistência por valores exorbitantes a crédito, e pagar valores ínfimos pela produção, fizeram com que os imigrantes passassem a viver em condições análogas a de escravos, muito próximo, do que ocorre hodiernamente em pleno século XXI, com muitos bolivianos que trabalham no ramo de confecção em São Paulo.

Em 1856, liderados por Thomas Davatz, os colonos europeus da Fazenda de Ibicaba, (de propriedade do próprio Senador Vergueiro) promoveram um levante. A revolta de Ibicaba, como ficou conhecida, marcou o fracasso do sistema de parceria e lançou a semente da luta coletiva pelos direitos sociais no Brasil.

Porém, mesmo após a abolição, a falta de proteção ao trabalhador não gerou a reação verificada nos países industrializados europeus desde o início do século XIX. Isto ocorreu porque, no Brasil, território de dimensões continentais, preponderava ainda a atividade agrícola, seguida da exploração de minérios, e até 1888, tais atividades baseavam-se no trabalho escravo. A indústria ainda incipiente, utilizava métodos primitivos, próprios do artesanato, a revolução industrial ainda não soprava seus ares no Brasil.

As condições geográficas, desta forma, afastaram o surgimento dos fatores de onde emana o espírito sindical, dentre os quais, se destaca a forte concentração operária em cidades industrializadas. Isto explica, a ausência de sindicatos na época, para lutarem pela conquista de direitos sociais.

Ainda assim, na segunda metade do século XIX foram constituídas algumas associações de beneficência e ligas operárias de expressão local, que empreenderam típicas atividades sindicais, inclusive greves.

A primeira Constituição republicana, de 1891, imbuída de forte espírito liberal, não se preocupou na proteção dos direitos sociais limitando-se a assegurar, no que tange ao trabalho humano, "o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial"(art. 72§ 4⁰). Não obstante, segundo ARNALDO SUSSEKIND 1: "por assegurar o direito de associação (art 72 § 8), proporcionou ao Supremo Tribunal Federal o fundamento jurídico para afirmar a licitude da organização de sindicatos".

A primeira lei a tratar da sindicalização no país foi a Lei n⁰ 979/1903 concernente a organização do trabalho na atividade rural. Quatro anos depois, o Dec. 1.637/1907, assegurava o direito de sindicalização a todos os trabalhadores. Os resultados destas leis foram parcos dado o baixo desenvolvimento econômico da ocasião.

No começo do século XX, iniciou-se os primeiros movimentos sindicais, sendo que os operários receberam forte influência dos anarquistas que emigraram da Itália e da Espanha. A primeira lei conhecida resultante de amplo movimento reivindicatório foi a: Lei Instituidora dos Acidentes do Trabalho de 1919.

A Revolução de 1930, embora promovida por políticos e militares, teve amplo apoio popular, incluindo o proletariado. GETULIO VARGAS, como chefe da revolução e do governo provisório, cujo termo foi a Constituição de 1934, expediu diversos decretos legislativos sobre direitos sociais e trabalhistas. Para tanto, contou nesta fase, com a com a decisiva colaboração do seu primeiro Ministro do Trabalho LINDOLFO COLLOR, resgatando com tal legislação uma dívida histórica.

Segundo ARNALDO SUSSEKIND2 Não se pretende negar a existência de movimentos sindicais e de raras leis social-trabalhistas antes de 1930. A verdade, porém, é que os sindicatos existentes não configuravam uma organização capaz de lutar, com êxito, pela conquista de direitos já reconhecidos na maioria dos países civilizados"

Após a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 19 de Março de 1931 fora editado o Dec. Legislativo n⁰ 19.770 que dispunha sobre organização sindical, cujas principais características eram: a) unicidade sindical, b) liberdade de estruturação do sindicato para representar a indústria ou categoria, o ofício ou profissão ou, ainda, os empregados da empresa, c) reconhecimento pelo Ministério, com registro dos estatutos, d) proibição da propagação de ideologias sectárias de caráter político ou religioso, e) possibilidade de uniões de sindicatos em federações regionais ecléticas e destas em confederação do trabalho e confederação da indústria e comércio.

Segundo nos ensina ainda SUSSEKIND, 3O princípio da unicidade sindical foi adotado, tendo em conta a realidade socioeconômica brasileira, para motivar a instituição e o fortalecimento dos sindicatos. Nem se diga que essa lei, elaborada pelo insuspeito LINDOLFO COLLOR, com a colaboração dos ilustres socialistas EVARISTO DE MORAES, JOAQUIM PIMENTA, e AGRIPINO NAZARETH, copiou a "Carta del Lavoro". Antes de Mussolini (1927), a unicidade sindical compulsória foi defendida por LÊNIN (1917), que se inspirou nas lições de MÁXIME LEROY (1913).

Já a Constituição de 1934, de curta duração, adotou a pluralidade sindical, que teve regulação antecipada pelo Dec. Leg. 24.694/34. Embora tenha consagrado o princípio da pluralidade, dificultou sua operação, uma vez que exigia para o reconhecimento dos sindicatos dos trabalhadores, que reunisse, pelo menos 1/3 dos que exerciam a mesma profissão na localidade correspondente.

Segundo NELSON NAZAR 4 a Constituição de 1934, ao contrário da anterior de 1891, que tinha um espírito liberal e democrático, possuía um viés social-democrata, assim, instituiu a justiça do trabalho, estabeleceu o salário mínimo, limitou lucros, nacionalizou empresas, interveio, por meio do Estado, para orientar e regulamentar as forças.

A Constituição de 1937, por sua vez, fora outorgada por Getulio Vargas, com apoio das forças armadas, de índole corporativista, teve forte influência na reforma total da legislação sindical, levada a efeito entre 1939 e 1942 com a efetiva participação de OLIVEIRA VIANA e LUIZ AUGUSTO DE REGO MONTEIRO, retoma o modelo de unicidade sindical e concretiza o modelo corporativista atuante na economia. O Dec. Lei n⁰ 1.402/39 regula a unicidade compulsória de representação de categoria ou profissão O Dec. Lei n⁰ 2.377/40 estabelece o imposto sindical em favor das entidades componentes da organização sindical e do Ministério do Trabalho.

O regime implantado com a Constituição de 1937 apregoava uma forte intervenção do Estado na Economia, concretizando por isto o modelo corporativista atuante na economia, este texto tem inspiração fascista, e é inspirado na "Carta de Lavoro5" italiana. O entendimento era de que deveria haver forte intervenção do Estado na Economia para coibir a deficiência da iniciativa individual, com isto, implantaram-se corporações organizadas em entidades representativas assistidas e protegidas pelo Estado.

Segundo NELSON NAZAR6 A Carta de 1937 manteve incólume a defesa dos direitos sociais, individuais e coletivos, já consagrados na norma constitucional anterior.As diferenças entre a Constituição estavam nas disposições finais e transitórias. É nesse passo que vamos encontrar a grande centralização do poder, com a submissão das instituições e dos sindicatos ao poder irrestrito do Presidente da República, o qual poderia, no plano político nomear governadores, confirmar ou não seus mandatos, nomear interventores, etc.

Em 1940, criou-se o imposto sindical, que passou a ser usado como instrumento básico do financiamento do sindicato e também de sua subordinação ao poder do Estado. O imposto era formado por uma contribuição obrigatória e anual de um dia de trabalho paga por todos os empregados, sindicalizados ou não. Ao Banco do Brasil cabia efetuar a arrecadação que destinava 60% ao sindicato, 15% à Federação, 05% à Confederação e 20% ao Fundo Social Sindical, o valor destinado ao Fundo Social Sindical, era frequentemente desviado, sob forma de verba secreta para finalidades outras, que não aquelas a que deveriam servir e, frequentemente financiava Ministérios e campanhas eleitorais.

O imposto sindical deu suporte ao aparecimento da figura do pelego. Pelego é a figura do dirigente sindical subserviente, que atua mais com vistas aos próprios interesses, do que os da categoria profissional que tinha por dever defender. É um agente que visa amortecer os atritos e prestigiar o poder das autoridades que lhe dão suporte.

Segundo NELSON NAZAR 7 o imposto sempre garantiu poder a este tipo de pessoa, razão pela qual ele (Nelson Nazar) sistematicamente se opõe às contribuições de caráter obrigatório e permanente, que estimulam o aparecimento dessas figuras abjetas no meio sindical.

A Justiça do Trabalho foi criada em 1939, e a Consolidação das Leis do Trabalho em 1941, vigorando a partir de 1943, esta teve de reproduzir a legislação sindical prevista na Carta de 1937, reproduzindo o forte espírito de corpo adotado na carta magna, sistemática que paulatinamente foi se repetindo até a Constituição de 1988.

A Constituição de 1937 vedava o direito de greve ao...

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