Sexo, Culpa, Sacrifício e Expiação no Xangô de Pernambuco

AutorRoberto Motta
CargoPossui graduação em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco (1962), mestrado em Ciências Sociais e Desenvolvimento - Institute of Social Sciences, em Haia, Holanda (1964) e doutorado em Antropologia - Columbia University (1973), além de pós-doutorados em Paris, Harvard e Los Angeles. Professor da Universidade Federal da Paraíba. (...
Páginas119-139
SEXO, CULPSEXO, CULP
SEXO, CULPSEXO, CULP
SEXO, CULPA, SACRIFÍCIO E EXPIAÇÃO NO XANGÔ DEA, SACRIFÍCIO E EXPIAÇÃO NO XANGÔ DE
A, SACRIFÍCIO E EXPIAÇÃO NO XANGÔ DEA, SACRIFÍCIO E EXPIAÇÃO NO XANGÔ DE
A, SACRIFÍCIO E EXPIAÇÃO NO XANGÔ DE
PERNAMBUCOPERNAMBUCO
PERNAMBUCOPERNAMBUCO
PERNAMBUCO
Roberto Motta1
Resumo: O ponto de partida deste artigo é a tese de Sigmund Freud, tal como
desenvolvida sobretudo em Totem e Tabu, segundo a qual existe uma correlação
universal entre sexo, culpa, religião e expiação. Mas o gerenciamento da culpa
pode assumir formas marcadamente diferentes, de acordo com as peculiaridades
dos diversos sistemas religiosos. Desse gerenciamento, dois grandes tipos são
aqui identificados. O primeiro implica na regulação dos comportamentos, do
ascetismo e da ética, e o segundo opera através do sacrifício material, sem ne-
cessariamente implicar em ascetismo ou repressão. Este último é o que, para o
autor deste texto, caracteriza a religião afrobrasileira, tal como representada pelo
Xangô de Pernambuco. A interpretação freudiana acompanha este trabalho do
princípio ao fim. Entretanto, mesmo se fosse porventura rejeitada, as descrições
e conclusões do texto não seriam derrubadas. Pois o longo trabalho de campo de
autor, realizado com muita intensidade nos anos 70 e 80 do século passado e
jamais, desde então, realmente descontinuado, bastaria para comprovar a
centralidade do sacrifício de sangue no Xangô, bem como a pouca importância
que, em contraste com as formas mais tradicionais de Cristianismo, esta religião
atribui à repressão e à ascese, e, associadas a tais atitudes, a tolerância e a
permissividade que a caracteriza diante do sexo em praticamente todas as suas
manifestações.
Palavras-chave: Sexo; Culpa; Repressão; Sacrifício; Expiação; Xangô;
Afrobrasileiros.
Abstract: This paper has as its starting assumption Freud’s thesis, such as
developed in Totem and Taboo, according to which there is a universal correlation
between sex, guilt, religion and atonement. Yet, the management of guilt varies
according to the peculiarities of each religious system, of which two basic varieties
are highlighted here. In the first of these varieties, atonement is associated with a
general conduct of life and regulation of behavior, including very much sexual
1 Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco (1962), mestrado em
Ciências Sociais e Desenvolvimento - Institute of Social Sciences, em Haia, Holanda (1964) e doutora-
do em Antropologia - Columbia University (1973), além de pós-doutorados em Paris, Harvard e Los
Angeles. Professor da Universidade Federal da Paraíba. (Campina Grande).
120 REVISTA ESBOÇOS Volume 17, Nº 23, pp. 119-139 — UFSC
behavior, while in the second atonement results from material sacrifice that does
not necessarily entails asceticism, repression, or a system of ethics. This second
variety is represented by the Xangô, the main form of Afro-Brazilian religion of
Pernambuco (Brazil). Even apart from the Freudian thesis adopted throughout
this paper, the author’s long and intensive field work, done mainly in 70’s and 80’s
of the past century, would be enough to confirm the centrality of blood sacrifice
in the Xangô as well as the scant importance it attributes (in comparison with
traditional Christianity) to repression and asceticism, leading to marked tolerance
vis a vis sexual behavior in practically all of its varieties.
Key words: Sex; Guilt; Repression; Sacrifice; Atonement; Xangô; Afrobrazilians
SACRIFÍCIO E MORALIDADE
Na concepção freudiana, tal como se exprime em Totem e Tabu,2 que é
sem dúvida um dos livros fundadores da “mitologia de nosso tempo”, segundo a
expressão de Claude Lévi-Strauss,3 e que me parece ser ainda leitura imprescin-
dível, a atividade sexual está necessariamente ligada ao sentimento de culpa,
porque a primeira relação sexual decorre do assassinato do pai, que equivale ao
primeiro pecado, ao “pecado original” da crença tradicional cristã. E por aí passa
toda a teoria psicanalítica sobre sexo, complexo de Édipo e religião.4 Não vou
aqui discutir se Freud está correto ou errado em suas conjecturas sobre a pré-
história da raça humana, ou mesmo sobre a existência do “complexo de Édipo”,
do qual todo indivíduo seria portador. Atenho-me ao fato de que ele, muito clara-
mente, muito explicitamente, associa sexo e culpa, no livro a que acabo de fazer
referência. E ainda segundo Freud (e não só segundo ele), o sentimento de culpa
é aliviado pelo sacrifício, que assume diversas formas nas diversas religiões.
E de fato, por toda parte encontramos muito forte, de um modo ou de outro,
ora mais aberto, ora mais disfarçado, o sacrifício ligado à prática da religião.
Eucaristia, Páscoa, circuncisão, rituais de castração, “ética protestante”, tudo
isto, e muito mais, se encontra ligado ao sacrifício expiatório da culpa primordial.
A Eucaristia, na Igreja Católica, é muito explicitamente referida como sacrifício,
isto é, como “sacrifício incruento”.5 E se as igrejas reformadas rejeitam a con-
cepção da missa como sacrifício, nem por isso deixam de considerar que a Ceia
do Senhor comemora a Crucifixão, na qual culminam e superam-se todos os de-
mais sacrifícios. Não preciso repetir aqui as considerações de Freud faz em To-
tem e Tabu, sobre Jesus Cristo, o sacrifício da Cruz e tópicos relacionados, inclu-

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