Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social: Clássicos e Novos Instrumentos de Inclusão Social e Econômica

AutorÉrica Fernandes Teixeira
Páginas81-94

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1. Considerações iniciais

O Estado Democrático de Direito, previsto no art. 1º da CF/88, pressupõe uma sociedade includente. Isso significa que a inserção de cidadãos nesta sociedade, atendendo ao princípio da igualdade e respeitando suas individualidades, a fim de lhes atribuir diferentes e ativas funções destinadas a promover a dignidade humana, integra a essência do Estado brasileiro.

Este artigo foca-se na inclusão social e econômica. Certo é que a dinâmica e desenvolvimento das atividades mercantis isoladamente consideradas, não são suficientes para efetivar de forma plena tal fundamental processo inclusivo. Dessa forma, políticas públicas somadas às regras jurídicas, em especial, do Direito do Trabalho e do Direito da Seguridade Social, são neste trabalho analisadas como instrumentos concretizadores e generalizadores de tal intento democrático.

Ao longo da história, o sistema capitalista foi, em grande medida, responsável pela mercantilização do trabalho humano. Mesmo que diante da essencialidade da relação como instrumento de afirmação e subsistência do cidadão, tal sistema sempre tentou tornar este trabalho uma mercadoria destinada a promover a maximização dos lucros. Por isso, agregou ao trabalho humano características degradantes, estranhas a sua finalidade originária de promover a dignificação do obreiro e a inclusão social e econômica do cidadão.

As tendências do sistema capitalista estão expressas nos ensinamentos de Viana:

Como um animal sempre faminto, o sistema capitalista depende de porções crescentes de alimento. Seu verbo é acumular. Toda empresa quer crescer, dominar o vizinho, controlar o mercado. A concorrência parece buscar o monopólio. Mas os lucros nascem da mais-valia, diferença entre o que se paga para que a força-trabalho se reproduza e o que se ganha com a venda do que ela cria. E essa diferença depende, em boa parte, do controle da mesma força. Isso implica não só reduzir espaços de resistência, como trocar, em grau crescente, o trabalho vivo pelo trabalho morto, ou seja, o homem pela máquina.1

Apesar dos traços excludentes inerentes ao sistema capitalista, imperioso ressaltar sua necessária relação com o Estado de Bem-Estar Social (EBES) para alcance de uma sociedade mais livre, justa e moldada em padrões de dignidade. Isso importa em atribuir uma finalidade social ao desigual sistema capitalista, o que demonstra grande valor para a sociedade em geral, conforme demonstra a seguinte passagem:

O que é curioso no EBES, em suas diversas formulações concretas, é que ele se mostrou plenamente compatível com as necessidades estritamente econômicas do sistema capitalista. Muito além disso, ele se mostrou funcional ao desenvolvimento econômico mais sólido, duradouro e criativo desse sistema. Gerando um mercado interno forte para as respectivas economias (que se mostra também poderoso consumidor para o mercado mundial); qual valoriza a pessoa física do trabalhador e seu emprego, dando, com isso, melhores condições para a criação e avanços tecnológicos, assegurando maior coesão e estabilidade sociais, o EBES torna os respectivos países e economias mais bem preparados para enfrentar o assédio das pressões internacionais e para conquistar os mercados mundiais.2

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A exclusão social e econômica consiste num dos principais problemas a ser enfrentado pelas nações de todo o mundo, em especial o Brasil. Exprime a crise de valores sociais, fortalecida pelas práticas precarizantes e flexibilizadoras do ramo justrabalhista, além do ataque às políticas da seguridade social. Para combater este problema tão caro à difusão de sistemas ultraliberais, o Direito do Trabalho e o Direito da Seguridade Social, com seus respectivos institutos, regras e princípios, possuem papel fundamental, principalmente para atenuar as forças do capital perante o indivíduo e generalizar os instrumentos para dignificação do cidadão.

A Constituição Federal de 1988 impôs os novos marcos do sistema capitalista, atribuindo-lhe uma função social, imprescindível para propiciar a valorização do ser humano. Por essa razão, a Carta Magna é fundamental para atenuar os tradicionais traços excludentes inerentes ao capitalismo, principalmente, por prever efetivos instrumentos de inclusão do cidadão no estado democrático. A identificação e generalização de tais instrumentos a fim de obtermos uma sociedade realmente democrática, nos moldes constitucionais, urge ser efetivada.

É inegável afirmar que uma sociedade capitalista pautada pelo pleno respeito dos direitos sociais é uma sociedade cujo princípio da dignidade humana é efetivado, buscando ampliação do mercado de consumo, aumento da produção, redução do desemprego e informalismo, concedendo igualmente aos cidadãos uma ordem crescente e efetiva de direitos trabalhistas e previdenciários.

Conforme ensinamentos de Lobo, que reforçam a necessidade de ampliação e valorização dos direitos sociais:

A fixação de políticas sociais produz o efeito, nem sempre desejado, de reduzir a dependência do trabalhador em relação ao empregador e termina por se transformar em fonte potencial de poder (HEIMANN apud ESPING-ANDERSEN, 1990:89), desencadeando um círculo virtuoso que tende a alimentar o processo de construção da cidadania baseada em direitos sociais e na desmercantilização da força de trabalho. Em outros termos, a desmercantilização fortalece o trabalhador e enfraquece a autoridade absoluta do empregador. Os direitos sociais, a igualdade e a erradicação da pobreza que um Estado de Bem-Estar universalista busca constituem pré-requisitos importantes para a força e a unidade necessárias à mobilização coletiva de poder. Na presença de mecanismos de proteção referentes ao conjunto da sociedade, tais como seguro-desemprego, seguro-velhice, seguro-doença, seguro-acidente etc., trabalhadores emancipados em relação ao mercado se habilitam com mais facilidade à ação coletiva, fortalecendo a solidariedade de classe e ampliando as chances para o estabelecimento de uma sociedade menos desigual. Ao contrário, quando os trabalhadores se encontram em situação de inteira dependência em relação ao mercado, o custo da adesão à ação coletiva se eleva, inibindo o potencial mobilizador das organizações do trabalho.3

Considerando os diversos benefícios que o trabalho humano pode propiciar aos obreiros e às respectivas famílias - inclusive, provendo-lhes o sustento - as ordens jurídicas vigentes - trabalhista e previdenciária - podem e devem exercer valioso papel democrático, atuando na inclusão de cidadãos.

2. O direito do trabalho e o direito da seguridade social como instrumentos de inclusão social

O ramo justrabalhista é, em grande medida, responsável pela desmercantilização do labor humano, beneficiando o trabalho com regras distintas dos meros ditames do mercado, objetivando sempre atenuar o conflito entre capital e trabalho. E, juntamente com o Direito da Seguridade Social, compõem o rol de fundamentais direitos sociais do cidadão, estabelecidos, solidificados e potencializados no Estado Democrático de Direito.

O Direito do Trabalho assim como o Direito da Seguridade Social exprimem a dimensão mais inclusiva dos Direitos Sociais. Apesar de ocuparem classificações opostas dentro do tradicional critério público e privado, inerente aos ramos jurídicos, ambos os objetivam emancipar o indivíduo em face do mercado, tendo o fundamental papel de promover a cidadania, sendo, pois, condição essencial para a existência do próprio Estado Democrático de Direito.

Visando a ampliar a essencial rede de proteção previdenciária, nos últimos anos vem sendo adotada uma série de medidas inclusivas. Dentre elas, podemos citar o sistema especial de inclusão previdenciária, instituído pela EC n. 47/2005, que introduziu os §§ 12 e 13 no art. 201 da Constituição Federal de 1988; o direito da pessoa física empregadora doméstica, até o exercício de 2015 (ano calendário de 2014), deduzir do imposto apurado na declaração de ajuste anual, a contribuição patronal de 12% por ela paga à previdência social (Instrução Normativa RFB n. 1.131, de 21.2.2011); a lei Complementar n. 128/2008 que criou a figura jurídica do microempreendedor individual, com alíquotas reduzidas, incluindo, conforme estudos elaborados pela PNAD 2009, cerca de 10,8 milhões de trabalhadores por conta própria que não contavam com proteção social ou proteção previdenciária4; a alíquota reduzida de 11% para filiação à previdência social do contribuinte individual que trabalhe por conta própria e do segurado facultativo, conforme redação do art. 80 da Lei Complementar n. 123/2006; a criação da Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC, autarquia responsável pela fiscalização das

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entidades fechadas de previdência, representando um avanço na segurança e transparência dos fundos de pensão, modernizando instrumentos de fiscalização e de controle, o que contribui para a generalização desse nobre instrumento de inclusão social.

Todas essas medidas ilustrativamente expostas retratam políticas de inclusão previdenciária que corroboram para elevar as condições de vida da população, aprimorando a distribuição de renda em nosso país e, também, aumentando os índices de arrecadação. Por isso, cumprem também o princípio da distributividade na prestação dos...

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