Securitizacao de recebiveis--analise dos riscos inerentes.

AutorPinheiro, Fernando Antonio Perrone
CargoReport
  1. Introducao

    Os Fundos de Investimentos em Direitos Creditorios, ou FIDC, foram introduzidos ao final de 2001, pela Resolucao CMN no 2907. O ativo desses fundos sao direitos creditorios, ou seja, direitos representativos de credito, originarios de operacoes realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial, imobiliario e de prestacao de servicos. Os FIDC captam atraves da emissao de cotas que se subordinam entre si quanto ao pagamento para o investidor, denominadas cota senior e cota subordinada. De acordo com estatisticas da ANBID, o patrimonio liquido dos FIDC superou os 44 bilhoes de reais em junho de 2008, o que corresponde a 3,79% da industria de fundos. Segundo Ferreira (2007, p. 47), a expansao desses fundos deve ser creditada, em parte, a liquidacao extrajudicial do Banco Santos, pois instituicoes pequeno e medio porte passaram a utilizar essa estrutura para financiar seus ativos.

    A securitizacao apresenta riscos, como qualquer outra modalidade de investimento. Rosenthal e Ocampo (1988, p. 17) citam que os agentes reguladores tendem a ver a securitizacao com cautela devido a duas razoes: em primeiro lugar, com a enfase em originar ativos, bancos podem perder o incentivo a manter a disciplina na concessao de credito, o que pode elevar o risco dos sistemas financeiros; e em segundo, com a venda das operacoes de credito, reduz-se o impacto das normas que visem adequar o capital das instituicoes e de outras medidas prudenciais. Na economia americana, a Crise do Subprime evidenciou esses riscos.

    Este artigo ira mostrar que o risco dos FIDC para o investidor em cotas senior e consideravelmente baixo e e altamente provavel que ele obtenha retorno igual a taxa indicativa do fundo. Para o investidor em cotas subordinadas, geralmente adquiridas pela companhia que originou os recebiveis, o risco de que o retorno seja inferior a taxa de juros basica da economia e baixo, gracas aos elevados spreads praticados no mercado financeiro brasileiro. Serao analisadas tambem as regras de suficiencia patrimonial dos bancos que adquirem cotas subordinadas, tendo em vista o risco que essas representam.

  2. Beneficios Advindos da Securitizacao

    A securitizacao oferece inumeros beneficios as economias, o que justifica o desenvolvimento deste mercado nos EUA a partir dos anos 70. A securitizacao proporciona as empresas o acesso direto ao mercado de capitais para captar recursos para o financiamento de seus ativos; favorece a competitividade no mercado de credito, pois representa uma alternativa de captacao para os bancos de menor porte; e reduz os riscos do sistema bancario, ja que parte do risco e transferida ao investidor.

    A Figura 1 apresenta um resumo das principais vantagens para o originador e para o investidor.

    Os beneficios da securitizacao para o tomador de credito sao perceptiveis no longo prazo: Rosenthal e Ocampo (1988, p. 12) citam que, com o advento da securitizacao, os tomadores de credito imobiliario nos EUA passaram a pagar 100 pontos-base a menos. Este beneficio e facilmente explicavel: a securitizacao proporciona uma maior competitividade no mercado de credito, pois bancos de menor porte adquirem a capacidade de captar recursos a um custo menor. Isto decorre da possibilidade de emissao de titulos de elevado rating, superior inclusive a classificacao obtida pelo proprio banco. Desta forma, a securitizacao possibilita a reducao dos spreads no longo prazo. Bodie et alii (2000, p. 35) lembram tambem que a securitizacao proporcionou uma melhor distribuicao dos recursos para financiamento imobiliario nos EUA. Este beneficio torna-se mais relevante quando os bancos possuem carater regional.

  3. Fortalecimento da Qualidade Crediticia

    O fortalecimento da qualidade crediticia, ou "credit enhancements" constituise em pratica que possibilita compatibilizar o nivel de risco do titulo ao apetite para o risco do investidor. Fabozzi Jr. et alii (2006, p. 104) citam os seguintes metodos de enhancement: a vinculacao de carta de credito, a incorporacao de uma apolice de seguro de credito, a existencia de excess spread entre as taxas de remuneracao do ativo e do passivo, a sobrecolaterizacao, e as estruturas de senioridade e subordinacao.

    Os FIDC existentes no Brasil estao estruturados com cotas seniores e cotas subordinadas. Assim, cotas seniores sao aquelas que nao se subordinam as demais quando do pagamento de amortizacao e resgate do ativo securitizado; cotas subordinadas sao aquelas cujo pagamento de amortizacao e resgate esta subordinado a cota senior, ou a cota subordinada que lhe precede. Em outras palavras: o administrador do fundo, ao receber os pagamentos decorrentes das operacoes de credito da carteira do fundo, amortiza e remunera a cota senior em primeiro lugar; havendo recursos, ele ira amortizar e remunerar a cota subordinada.

    E importante notar que a remuneracao-alvo estabelecida em uma securitizacao nao se constitui em garantia de remuneracao, mas apenas um indicativo. Esta remuneracao indicativa e estabelecida para os niveis senior e demais niveis intermediarios (mezaninos), se existirem, mas nao para o nivel junior, tambem conhecido como equity, ja que este nivel recebe todos os recursos que excederem os pagamentos feitos aos niveis superiores. Os FIDO estruturados no Brasil comumente estabelecem a remuneracao-objeto na forma pos-fixada, indexada a taxa dos Certificados de Depositos Interfinanceiros de um dia.

  4. Riscos Inerentes a Securitizacao

    Uma vez que o retorno de qualquer estrutura de securitizacao depende da liquidacao dos recebiveis adquiridos, o risco de credito constitui-se em importante fator de risco para os investidores que adquirem cotas de FIDO. A inadimplencia dos ativos afeta primeiramente o investidor em cotas subordinadas; se a inadimplencia se eleva, o retorno desse investidor reduz-se ate o ponto em que todo o capital investido e perdido. Nessa situacao, o investidor em cotas senior passa a arcar com as perdas.

    Existem outras fontes de risco: considerando que os ativos que servem de lastro aos FIDO sao pre-fixados em sua grande maioria, e que a remuneracao indicativa das cotas senior e indexada ao CDI, verifica-se a existencia de um descasamento entre o ativo e o passivo do fundo. Considere-se a hipotese de que as taxas do CDI subam extraordinariamente: nesta situacao, os haveres do investidor em cotas subordinadas serao drenados para o pagamento da remuneracao indicativa do nivel de maior subordinacao. Logo, volatilidade das taxas de juros tambem e variavel a considerar no risco dos FIDC.

    Existem outros riscos na securitizacao de ativos. Carneiro e Goldfajn (2000) citam o risco de preco, decorrente da conveniencia do tomador em nao pagar sua divida quando o valor da mesma supera o valor do bem financiado; o risco de liqui dez, que e fruto dos descasamentos do fluxo de caixa; o risco de pre-pagamento, que implica na reducao da rentabilidade do ativo; e o risco sistemico, tambem citado por Ranieri (1996, p. 33), proveniente de um aumento generalizado da inadimplencia a ponto de comprometer a solvencia dos agentes financeiros. Kothari (2006, p. 195-234) elenca adicionalmente o risco cambial, que ocorre quando o ativo e indexado a moeda estrangeira; os riscos operacionais, decorrentes das atividades desempenhadas por todas as partes envolvidas, como entidade originadora, servicers, administrador do fundo, etc; e o risco de selecao adversa do portfolio, tambem citado por Greenbaum e Thakor (1987), que consiste na manutencao dos piores ativos na carteira do originador. Para efeitos deste artigo, serao considerados apenas o risco de taxa de juros e o risco de inadimplencia.

  5. Metodologia Utilizada

    5.1 Modelo de simulacao estocastico

    A avaliacao dos riscos das cotas senior e subordinada sera feita atraves da utilizacao de modelo de simulacao estocastica, conhecido tambem como Modelo de Simulacao Monte Carlo, ou Monte Carlo Estruturado--MCE. Este modelo baseia-se no movimento browniano geometrico, em que os retornos nao sao autocorrelacionados e seguem uma distribuicao normal.

    d[S.sub.t] = [[mu].sub.t][S.sub.t][d.sub.t] + [[sigma].sub.t][S.sub.t]dz (Jorion, 1998, p. 222)

    onde:

    [S.sub.t] e o valor do ativo no instante t;

    [u.sub.t] e o retorno medio em t;

    [[sigma].sub.t] e o valor do desvio-padrao dos retornos em t;

    dz e uma variavel aleatoria normalmente distribuida com media = 0 e desvio padrao = 1.

    As variaveis simuladas serao a taxa de juros e a taxa de inadimplencia. Adaptando-se a equacao acima ao objetivo pretendido, faz-se [dy.sub.t] = [[sigma].sub.yt][y.sub.t]dz, onde [dy.sub.t] e o diferencial de taxa de juros no instante "t" e Q.,,t e o desvio-padrao de suas variacoes. As simulacoes irao gerar caminhos aleatorios tanto para juros como para inadimplencia, a serem aplicados a uma estrutura de securitizacao padrao, onde serao calculados os retornos das cotas seniores e subordinadas. Como estas simulacoes envolvem 2 variaveis, faz-se necessario manter as correlacoes existentes entre as mesmas, o que e feito com o uso da decomposicao de Cholesky.

    5.2 Selecao das variaveis

    Foram utilizados dados de conhecimento publico, divulgados nos websites de orgaos ligados ao mercado financeiro. Assim:

    * As informacoes sobre os FIDO existentes, como forma de estruturacao, classificacao crediticia, remuneracao das cotas etc, foram obtidas na CVM, ANBID e agencias de rating;

    * A taxa de juros considerada foi o CDI mensal, expresso na forma anual, ano base de 252 dias uteis. A taxa media do CDI de 1 dia e calculada e divulgada pela CETIP. A serie em questao, obtida no Banco Central, e denominada "CDI acumulado no mes anualizado", numero de referencia 4392, de agosto a dezembro de 2007.

    As series de inadimplencia, obtidas junto ao Banco Central, foram calculadas para as diversas modalidades de operacoes de credito na modalidade recursos livres, entre junho de 2000 e dezembro de 2007. Os ativos financeiros objetos de estudo, comumente alvos...

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