Imobiliário

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EXISTÊNCIA DE USUCAPIÃO A FAVOR DE COMPRADOR DO IMÓVEL PODE FUNDAMENTAR A ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO DE COMPRA E VENDA POR ERRO ESSENCIAL

Superior Tribunal de Justiça

Recurso Especial n. 1.163.118 – RS

Órgão julgador: 4a. Tuma

Fonte: DJe, 13.06.2014

Relator: Ministro Luis Felipe Salomão

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. COMPRA E VENDA DE

IMÓVEL. EXISTÊNCIA DE USUCAPIÃO EM FAVOR DO ADQUIRENTE. OCORRÊNCIA DE ERRO ESSENCIAL. INDUZIMENTO MALICIOSO. DOLO CONFIGURADO. ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO.
1. O erro é vício do consentimento no qual há uma falsa percepção da realidade pelo agente, seja no tocante à pessoa, ao objeto ou ao próprio negócio jurídico, sendo que para render ensejo à desconstituição de um ato haverá de ser substancial e real.
2. É essencial o erro que, dada sua magnitude, tem o condão de impedir a celebração da avença, se dele tivesse conhecimento um dos contratantes, desde que relacionado à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração de vontade, a qualidades essenciais do objeto ou pessoa.
3. A usucapião é modo originário de aquisição da propriedade em razão da posse prolongada da coisa, preen-chidos os demais requisitos legais, sendo que aqui, como visto, não se discute mais sobre o preenchimento desses requisitos para fins de prescrição aquisitiva, sendo matéria preclusa. De fato, preenchidos os requisitos da usucapião, há, de forma automática, o direito à transferência do domínio, não sendo a sentença requisito formal à aquisição da propriedade.
4. No caso dos autos, não parece crível que uma pessoa faria negócio jurídico para fins de adquirir a propriedade de coisa que já é de seu domínio, porquanto o comprador já preenchia os requisitos da usucapião quando, induzido por corretores da imobiliária, ora recorrente e também proprietária, assinou contrato de promessa de compra e venda do imóvel que estava em sua posse ad usucapionem. Portanto, incide o brocardo nemo plus iuris, isto é, ninguém pode dispor de mais direitos do que possui.
5. Ademais, verifica-se do cotejo dos autos uma linha tênue entre o dolo e o erro. Isso porque parece ter havido, também, um induzimen-

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to malicioso à prática de ato prejudicial ao autor com o propósito de obter uma declaração de vontade que não seria emitida se o declarante não tivesse sido ludibriado – dolo (CC/1916, art. 92).
6. Portanto, ao que se depreende, seja pelo dolo comissivo de efetuar manobras para fins de obtenção de uma declaração de vontade, seja pelo dolo omissivo na ocultação de fato relevante – ocorrência da usucapião –, também por esse motivo, há de se anular o negócio jurídico em comento.
7. Rercuso especial não provido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo (Presidente), Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 20 de maio de 2014 (data do julgamento).

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO – Relator

Relatório

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. (...) ajuizou ação em face de Transcontinental Negócios Imobiliários e Participações S.A. pleiteando rescisão do contrato com repetição do indébito, diante do vício de consentimento no momento da contratação da promessa de compra e venda do imóvel descrito na inicial – pelo qual pagou 216 prestações –, aduzindo que fora enganado e pressionado pela corretora para adquirir o imóvel de que já exercia posse há 16 anos.

Paralelamente, a empresa ré ajuizou ação de resolução do contrato em face do autor e de sua esposa, haja vista a inadimplência deles, requerendo a restituição liminar do bem.

O magistrado de piso, reconhecendo que o autor, em verdade, pleiteava a anulação e não a rescisão do negócio jurídico (que pressupõe negócio válido e eficaz), afastou eventual coação, mas acabou por anular o negócio jurídico pela configuração do erro a que fora acometido o autor, haja vista que “foram instados a celebrar contrato de promessa de compra e venda de bem que já haviam, em tese, adquirido pelo decurso de prazo”. Indeferiu, contudo, qualquer repetição de indébito, bem como indenização por danos morais.

Interposta apelação por ambos os litigantes, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul negou provimento ao recurso da sociedade empresária e deu parcial provimento ao do autor, nos seguintes termos:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO.

USUCAPIÃO CONSTITUCIONAL. DIREITO PREEXISTENTE. ERRO ESSENCIAL. DECLARAÇÃO. NULIDADE DO CONTRATO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO.

Verificando-se que o autor João Carlos foi coagido a aderir a contrato de promessa de compra e venda quando já havia implementado mais que o dobro do prazo da prescrição aquisitiva constitucional, nulifica- se o contrato por erro essencial.

Repetição do indébito que é corolário lógico e jurídico da decisão de nulificação do contrato, na forma do art. 964 e 965 do Código Civil então vigente.

Rejeitada a preliminar apelo da Transcontinental improvido.

Parcialmente provida apelação de (...).

Opostos embargos declaratórios, o recurso foi parcialmente acolhido apenas para fixação dos honorários advocatícios.

Irresignada, Transcontinental Empreendimentos Imobiliários interpõe recurso especial com fulcro na alínea “a” do permissivo constitucional, por violação aos arts. 535 do CPC, 100 do CC/1916, 138 e 421 do CC/2002.

Aduz que as partes livremente pactuaram as condições do contrato de promessa de compra e venda de imóvel, não havendo falar em erro substancial, “sob o argumento de que, à época, já havia direito ao usucapião”.

Salienta que não existe coação, pois a ameaça foi em exercício regular de um direito, tendo a recorrente buscado apenas regularizar a situação do invasor do imóvel.

É o relatório.

Voto

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. De plano verifica-se que não há falar em violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, pois o Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que tivesse examinado uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes.

De fato, basta ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais.
3. O ponto nodal da controvérsia é saber...

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