Revisão do lançamento tributário

AutorMarina Vieira de Figueiredo
Páginas179-198

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Introdução

O direito, ao regular a forma como seus elementos serão criados, estabelece quem é competente para criar uma norma, qual o procedimento a ser seguido para tanto, bem como o conteúdo sobre o qual essa norma pode versar.

Ao revisar uma norma, o sujeito competente não faz outra coisa senão verificar se determinada regra foi (ou não) produzida de acordo com o que prescreve o direito e se seu conteúdo atende os requisitos prescritos pela norma de superior hierarquia que autorizou sua produção. Caso a resposta seja positiva, a norma é mantida nos seus exatos termos. Inversamente, caso a resposta seja negativa - quer dizer, se se verificar que a norma possui vício -, o resultado, como regra, é a declaração da sua nulidade.1

Assim como as demais normas que compõem o sistema, o ato de lançamento está, igualmente, sujeito à revisão. Mas o que, afinal, justifica a revisão desta norma? Essa é a questão que tentaremos responder neste artigo.

I Definição do conceito de lançamento

Apesar das diversas posições na doutrina quanto a esse tema, entendemos que o lançamento é um: (i) ato praticado pela

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Administração; (ii) consubstanciado numa norma geral e concreta; (iii) que tem como conteúdo outra norma - esta individual e concreta - que relata, no seu antecedente, um evento que preenche as características descritas na hipótese da regra-matriz de incidência tributária e, no conseqüente, prevê uma relação jurídica obrigacional, igualmente prescrita no conseqüente daquela norma. Vejamos cada um dos elementos desta definição com mais vagar.

(i) "Ato praticado pela Administração"

Ao examinar a forma como o direito atua, verificamos que, para que se obrigue alguém a pagar tributo, não basta instituí-lo (positivando-se a regra-matriz de incidência tributária), sendo necessária, também, a edição de uma norma individual e concreta para a constituição do crédito tributário.2

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Tal competência pode ser exercida tanto pela Administração Pública quanto pelo particular (sujeito passivo). Contudo, estaremos diante do fenômeno "lançamento" apenas quando tal operação for realizada pela Administração.

De fato, ao analisar as disposições do Código Tributário Nacional que tratam da constituição do crédito tributário, fica claro que, nos chamados "lançamentos por homologação", cabe ao particular aplicar a regra-matriz de incidência tributária, constituindo o crédito.

Todavia, é igualmente certo que este fenômeno não pode ser qualificado como "lançamento", tratando-se de outra modalidade de veículo que insere no sistema norma que constitui o crédito tributário. E isso por uma razão simples, mas contundente: sendo o lançamento ato privativo do agente público (art. 142 do CTN), não há como incluir nessa classe a introdução da norma individual e concreta pelo contribuinte.

(ii) "Consubstanciado numa norma geral e concreta "

A norma a que nos referimos, quando falamos de "lançamento tributário", não é aquela resultado da aplicação da regra-matriz de incidência tributária. Esta figura como conteúdo do "lançamento", sendo este a norma geral e concreta que resulta da aplicação de uma norma de competência.3

(iii) "Que tem como conteúdo outra norma "

O lançamento é um ato (norma geral e concreta) que tem como finalidade introduzir no ordenamento uma norma jurídica indivi-

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dual e concreta que constitui uma relação jurídica tributária. Esta norma não é. outra coisa senão resultado da aplicação da RMIT.

ARMIT traz, no seu antecedente (hipótese), a previsão de um acontecimento social que dará ensejo ao pagamento do tributo. Seu conseqüente, por sua vez, determina em que condições se dará o pagamento do tributo, se aquele acontecimento se verificar.

A norma individual e concreta que resulta da sua aplicação, todavia, faz referência a situações específicas, não a classes indeterminadas, ou seja, prevê um acontecimento já ocorrido, no seu antecedente, e uma relação jurídica com sujeitos individualizados e objeto determinado, no seu conseqüente.

O que distingue esta norma das demais prescrições que integram o ordenamento jurídico é justamente o fato de o objeto da relação jurídica prevista no seu conseqüente ser a obrigação de pagar um tributo.

A relação jurídica tributária possui 5 (cinco) componentes: (i) sujeito ativo (SA): é o titular do direito subjetivo de exigir o cumprimento da prestação; (ii) sujeito passivo (Sp)' tem o dever de cumprir com a pretensão fiscal; (iii) objeto ($): é a conduta prestacional de entregar uma porção de moeda;4 (iv) crédito', direito subjetivo de que está investido o sujeito ativo de exigir o objeto da obrigação; e (v) débito: dever do sujeito passivo de prestar o objeto da obrigação.5

O crédito tributário, neste contexto, não é outra coisa senão um dos elementos integrantes da obrigação tributária, não se podendo falar em obrigação sem crédito ou crédito sem obrigação. Assim, ao constituir o crédito tributário, o lançamento não faz outra coisa senão introduzir a relação jurídica tributária no ordenamento jurídico.

2. Revisão x alteração: imprecisão terminológica

De acordo com o que estabelece o art. 145 do Código Tributário Nacional, "o lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo" só pode ser alterado mediante: (i) impugnação do sujeito passivo; (ii) recurso de ofício; ou (iii) iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nas hipóteses previstas no art. 149. Por sua vez, ao disciplinar as situações de revisão de ofício, prescreve o seguinte:

"Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

"I - quando a lei assim o determine;

"II - quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária;

"III - quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá--lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade;

"IV - quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;

"V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;

"VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro

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legalmente obrigado, que de lugar à aplicação de penalidade pecuniária;

"VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;

"VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;

"IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial.

"Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública."

Como é possível perceberão legislador optou por utilizar a palavra "alteração" para designar todas as modalidades de reapre-ciação do lançamento - por iniciativa do contribuinte ou do Fisco -, empregando a expressão "revisão" para referir-se a apenas uma delas, qual seja, quando a alteração decorre da iniciativa de ofício da autoridade administrativa. "Alteração", neste contexto, seria o gênero do qual a "revisão" seria uma das espécies.

Todavia, ao analisar mais de perto as hipóteses designadas pelo legislador como de "alteração" do lançamento - da qual a "revisão" seria uma das espécies - verifica-se que¿ em muitas delas, não há modificação do lançamento, mas, pelo contrário, a integral manutenção do ato ou, inversamente, a sua supressão. Não poderiam, portanto, ser designadas como modalidades de "alteração" desse ato, já que, em sentido estrito, alteração ocorre apenas nas hipóteses em que se o lançamento é modificado parcialmente.

Por essa razão, preferimos adotar, na linha defendida por Alberto Xavier,6 a palavra "revisão" para designar todas as hipóteses de reapreciação do lançamento - não apenas aquelas decorrentes de iniciativa de oficio do administrador -, e empregar a palavra "alteração" para designar umas das inúmeras conseqüências decorrentes da revisão do lançamento.

3. Revisão:procedimento ou ato?

Assim como ocorre com o vocábulo "lançamento", também a palavra "revisão" padece do problema semântico da ambigüidade, podendo designar tanto "o procedimento tendente à reapreciação de um ato jurídico, como o próprio ato em que esse procedimento se encerra".7

De fato, não se pode negar que, assim como ocorre com as demais ações (atos), também o ato de revisão do lançamento deve ser precedido de uma série de operações (procedimento), sendo ato e procedimento, pois, duas perspectivas distintas de uma mesma realidade, qual seja: a revisão do ato pelo qual a Administração constitui o crédito tributário.

Sob essa perspectiva, procedimento de revisão é o conjunto de atos praticados por uma autoridade - que pode ser administrativa ou judicial - a fim de verificar a existência ou não de um vício no ato de lançamento.8

O ato (norma geral e concreta) de revisão, por sua vez, é o produto dessa atividade, ou seja, é a decisão proferida por um sujeito competente que reconhece a existência ou não de um vício e constituindo os correlatos efeitos - manutenção, alteração, supressão etc.

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Como se percebe, tais realidades são indissociáveis, especialmente porque o caminho percorrido para praticar uma ação influencia sensivelmente na validade do...

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