Ausência do Réu em Ato Processual - Cerceamento de Defesa Configurado (STF)

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Supremo Tribunal Federal Habeas Corpus 85.200 - RJ Órgão julgador: 1a. Turma Fonte: DJ, 03.02.2006 Rel.: Min. Eros Grau Paciente: (...) Impetrante: (...) Coator: Superior Tribunal de Justiça

Ementa

HABEAS CORPUS. EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO. PACIENTE PRESA EM SÃO PAULO, RESPONDENDO À AÇÃO PENAL NO RIO DE JANEIRO. CONDENAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA: AUSÊNCIA DA RÉ NOS ATOS PROCESSUAIS. IMPOSSIBILIDADE DE ENTREVISTAR-SE COM A DEFENSORA NOMEADA EM OUTRA UNIDADE DA FEDERAÇÃO.

  1. Paciente condenada por crime de extorsão mediante seqüestro. Ação penal em curso no Rio de Janeiro. Paciente presa em São Paulo. Ausência de contato com o processo em que figurou como ré. Impossibilidade de indicar testemunhas e de entrevistar-se com a Defensora Pública designada no Rio de Janeiro. Cerceamento de defesa.

  2. A falta de recursos materiais a inviabilizar as garantias constitucionais dos acusados em processo penal é inadmissível, na medida em que implica disparidade dos meios de manifestação entre a acusação e a defesa, com graves reflexos em um dos bens mais valiosos da vida, a liberdade.

  3. A circunstância de que a paciente poderia contatar a Defensora Pública por telefone e cartas, aventada no ato impugnado, não tem a virtude de sanar a nulidade alegada, senão o intuito de contorná-la, resultando franco prejuízo à defesa, sabido que a comunicação entre presos e pessoas alheias ao sistema prisional é restrita ou proibida. Ordem concedida.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o pedido de habeas corpus para anular integralmente o processo a partir do interrogatório, inclusive, e determinar a soltura da paciente, se por al, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 8 de novembro de 2005. Eros grau - relator

Relatório

O SENHOR MINISTRO Eros Grau: A paciente foi condenada a 8 (oito) anos de reclusão, em regime inicial fechado (5 pelo crime de quadrilha armada - Lei n. 8.072/90, art. 8º - e 3 pela prática de estelionato - CP, art. 171). O TJ/ RJ deu provimento ao recurso de apelação do Ministério Público, condenando-a por crime de extorsão mediante seqüestro, praticado por quadrilha ou bando (CP, artigo 159, § 1º), à pena de 16 (dezesseis) anos de reclusão, em regime integralmente fechado. Afastou o crime autônomo de quadrilha ou bando, por constituir bis in idem, já que a imputação a esse título sobrepõe-se à qualificadora do § 1º do art. 159. As penas totalizaram 19 (dezenove) anos de reclusão, considerados os 3 (três) anos referentes ao estelionato.

  1. Sobreveio impetração de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, que o denegou em acórdão assim ementado:

    "HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO. AÇÃO PENAL. ANULAÇÃO. RÉU PRESO EM OUTRA UNIDADE DA FEDERAÇÃO. PRESENÇA À INSTRUÇÃO DO PROCESSO.

    As argüições de nulidade da citação e nulidade da nomeação da Defensoria Pública para defender a ré não devem ser conhecidas ante a ausência de debate acerca dos mesmos na instância ordinária. Não cabe alegar-se cerceamento de defesa se a defensora da paciente esteve presente à audiência de inquirição de testemunhas. Ademais, se nulidade existisse, seria relativa, só devendo ser declarada na presença de efetivo prejuízo para a ré. (Precedentes). Ordem parcialmente conhecida e, nessa parte, denegada."

  2. Daí esta impetração, em extensa petição de 47 laudas, das quais se extraem, em síntese, as seguintes alegações:

    (I) nulidade da citação por precatória, ao argumento de que, apesar de expedida em 2/9/99, somente foi cumprida em 24/9/99, no mesmo dia da requisição da paciente para ser interrogada no juízo deprecado, quando foi surpreendida no que tange aos gravíssimos fatos que lhe eram imputados, ficando impossibilitada de contatar advogados e até mesmo de promover a autodefesa; os impetrantes dizem que não desconhecem "várias decisões dos Tribunais deste país que entendem legítima a mera requisição do réu preso e que, ainda, põem panos quentes nas citações feitas no dia e na hora do interrogatório"; observam que a Lei n. 10.792/03, que deu nova redação ao art. 360 do CPP1 , dispõe que o réu preso deve ser citado, ato judicial que não pode ser suprido com a mera requisição do preso à autoridade policial; a regra nova, embora posterior aos fatos, confirma o que se sustenta: citação efetiva do réu preso para defender-se amplamente;

    (II) nulidade da nomeação da Defensora Pública, porquanto a paciente, ao ser interrogada, indicou o advogado (...), cuja intimação não se realizou porque ela não forneceu o número de inscrição na OAB, nem o endereço; inconformada, a Defensora requereu que se oficiasse às Seções da OAB de São Paulo e de Minas Gerais a fim de que viesse a ser localizado o advogado; intimado, ele recusou o patrocínio da causa, dizendo não ter sido procurado por familiares da paciente para formalização do contrato de honorários, ao mesmo tempo em que requereu a intimação da ré para que constituísse outro defensor; as impetrantes anotam que não obstante a paciente desconhecesse o ato de recusa do profissional por ela indicado, vez que dele não fora intimada, o magistrado deu prosseguimento ao feito, vindo a paciente a ser surpreendida com a sentença condenatória, em processo no qual não lhe foi dado o direito de constituir advogado...

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