'Ao pó retornarás': um olhar sobre os crematórios e a morte contemporânea

AutorElisiana Trilha Castro
CargoGraduação em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2004). Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, no programa de Arquitetura,Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade e doutoranda em História (UFSC). Tem experiência na área de História, com ênfase em estudos sobre cemitérios. É vice...
Páginas135-152
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1984-8951.2012v13n102p135
Cad. de Pesq. Interdisc. em Ci-s. Hum-s., Florianópolis, v.13, n.102, p.135-152 jan/j un 2012
“Ao pó retornarás”:
um olhar sobre os crematórios e a morte contemporânea.
"To dust you shall return":
a look at the crematoria and death today.
Elisiana Trilha Castro1
Resumo
Este artigo apresenta parte das reflexões da tese de doutoramento que tem como
temática a relação com a morte e os mortos na contemporaneidade. A proposta é
abordar a cremação e o crescimento desse tipo de funeral como uma forma de
refletir sobre questões pertinentes acerca do uso desse modelo funerário e sua
relação com um ideal de morte escondida na atualidade. Por meio de um breve
histórico e do debate de suas vantagens para a sociedade e para a saúde pública,
encontradas em documento do início do século XX, pretendeu-se compreender qual
a relação entre a cremação e a concepção de morte contemporânea.
Palavras-chaves: Morte. Crematórios. Contemporaneidade
Abstract
This article presents the reflections of the doctoral thesis whose theme is the
relationship with death and the dead in contemporary times. The idea is to discuss
the use of cremation and the growth of this type of funeral as a way of reflecting on
relevant issues concerning the use of this funerary model and its relation with a
hidden death ideal, today. Through a brief background and the discussion of its
advantages to the society and public health that were found in a document, in the
early twentieth century, we sought to understand the relation between cremation and
contemporary death conception.
Key words: Death. Crematoria. Contemporaneity
1 Graduação em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2004). Mestre em
Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, no programa de
Arquitetura,Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade e doutoranda em História (UFSC). Tem
experiência na área de História, com ênfase em estudos sobre cem itérios. É vice-presidente da ABEC
(Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais) e coordenadora do Interditus (Grupo de Estudos
Cemiteriais de Santa Catarina). E-mail para contato: elisiana.castro@yahoo.com .br.
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não Adaptada.
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Cad. de Pesq. Interdisc. em Ci-s. Hum-s., Florianópolis, v.13, n.102, p.135 -152 jan/jun 2012
Os Ianomami comem seus mortos.
Fazem uma pasta de banana,
que misturam com as cinzas
do morto e a comem.
Enterram os mortos
dentro de si mesmos.
José de Souza Martins
A concepção de morte ocidental influenciou na forma urbana e vice-versa.
Essa influência redesenhou a territorialidade da morte de formas diferentes ao longo
da história. A preocupação de enterrar ou dar aos mortos o seu último destino, e o
fato do homem ser o único animal que cultua seus mortos, é o principal traço de
hominização para autores como o sociólogo Edgar Morin (1970) e o antropólogo
Louis-Vincent Thomas (1983). Tal condição torna a ritualização da morte, suas
representações e espacialização, uma das importantes fontes para a análise das
relações humanas.
Mesmo não estando presente em todos os povos, é fato que a maioria dos
grupos humanos busca, de alguma forma, sepultar e ritualizar os seus mortos. Na
cidade contemporânea, os estudos sobre a morte2 apontam um distanciamento com
relação à mesma: pouco se fala sobre a morte, e a proximidade com velórios,
enterros e cemitérios, de certa forma, incomoda; quem diga que nunca foi a um
enterro. Uma observação atenta nos evidencia muitas expressões desse
deslocamento cotidiano da morte.
Novas tendências apontam o que podemos chamar de falta de espaço/tempo
para pensar na morte. Diferentes autores concordam com a ideia de isolamento
desse tema e tem debatido formas de entender a morte e o modo como nos
relacionamos com a nossa finitude. Para Norbert Elias (2001, p. 8), com relação a
morte “ [...] a questão raramente se coloca”. Para Cezário de Campos Ferrari (2006,
p. 53), a morte vive um “[...] interdito contemporâneo que a atinge”. Já para Bernard
Schumacher (2009, p. 15) a morte desapareceu da comunicação cotidiana e a
tendência da sociedade ocidental contemporânea é mesmo de suprimir tudo que a
lembre”. Ainda para Schumacher (2009, p. 15-16) evita-se “a meditação tanatológica
2 Esses estudos fazem parte da bibliografia consultada, elencadas ao longo deste trabalho.

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