Responsabilidade subjetiva

AutorKarina Novah Salomão
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Universidade de São Paulo
Páginas19-34

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1. Responsabilidade Conceito e fundamentos

O termo responsabilidade associa-se à palavra responder. No campo do Direito, aquele que causa um dano a outro fica obrigado a responder. Esse o entendimento de Mazeaud e Mazeaud1. Para Silvio Rodrigues, a responsabilidade corresponde ao dever de reparar e decorre de fato próprio ou de terceiro2.

Rodrigues distingue entre responsabilidade penal e civil, esclarecendo que, em ambas, existe uma “infração a um dever da parte do agente”. No primeiro caso, o agente infringe norma de ordem pública e seu comportamento causa distúrbio na sociedade, razão pela qual se institui uma pena para o infrator. No caso da responsabilidade civil, o interesse lesado é privado. O agente não infringe norma pública, mas causa um prejuízo ao particular, nascendo daí a responsabilidade pela reparação3.

A ideia de responsabilidade está ligada à obrigação, garantia, mas também à de correspondência. Associa-se ainda à ideia de que aquele que violou um dever legal deve responder pelo ato praticado4. No caso, deve haver

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prejuízo5. Excepcionalmente, entretanto, também haverá responsabilidade sem que o autor do dano responda por este6.

Aguiar Dias destaca os princípios que fundamentam a responsabilidade civil. Princípio da repartição do dano: de acordo com esse princípio, o dano deve ser reparado por meio de seguro ou pelo Estado. Aqui, não se indaga da origem do dano. Apenas em caso de culpa manifesta do autor do dano é que o Estado ou seguro poderá eximir-se de sua responsabilidade. Princípio do caráter perigoso do ato: esse princípio “baseia-se na concepção de que o homem cria para o seu próximo um perigo particular”7. Essa teoria foi desenvolvida pelos franceses, em especial, Saleislles e Josserand.

Aguiar Dias explica que, no caso de responsabilidade decorrente da guarda, vigora um sistema de presunção legal. A presunção, no caso, é absoluta, não se admitindo que não houve prova do responsável pela guarda, salvo caso de culpa exclusiva da vítima e força maior8.

Considerando essas situações, declara Josserand:

[...] se não convém ir mais longe, abandonando a noção de culpa, tão desacreditada, para admitir que somos responsáveis, não somente pelos atos culposos, mas pelos nossos atos, pura e simplesmente, desde que tenham causado um dano injusto, anormal. O “faiseur d’actes” deve responder pelas consequências de suas iniciativas. Por essa concepção nova, abstrai-se da ideia de culpa: aquele que cria o risco responde, se ele se vem a verificar, pelas consequências lesivas a terceiros.9

E inúmeras leis, na França de Josserand e Saleislles, adotaram a teoria do risco: a lei de acidente de trabalho; a que estabelece o direito à indeniza-

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ção decorrente de explosão e disseminação de substâncias explosivas e tóxicas; a que dispõe sobre danos praticados pelas forças armadas e a que dispõe sobre a responsabilidade pelas empresas de navegação aérea10. Em todos esses casos, deixa-se de aplicar a teoria da culpa para aplicar a teoria do risco: “[...] a força da iniciativa, a ação consideram-se em si mesmas geradores da responsabilidade”11.

Josserand também faz referência à substituição da responsabilidade delitual pela contratual. Tal ocorre, por exemplo, no caso de contrato de transportes. Uma vez ocorrido o acidente, não caberia à vítima provar a culpa, mas, tão somente, o contrato de transporte, eis que incumbia ao transportador levar o passageiro de um lugar a outro com segurança12.

2. Responsabilidade contratual e extracontratual

Cumpre distinguir entre responsabilidade contratual e extracontratual. Uma pessoa pode descumprir uma norma de um contrato ou praticar um ato ilícito. No primeiro caso, surge a responsabilidade contratual; no segundo, a responsabilidade extracontratual ou aquiliana.

No nosso sistema, o art. 389 do Código Civil dispõe sobre a responsabilidade contratual. O art. 186, por sua vez, aborda o ato ilícito, fazendo remissão ao art. 927, que trata da reparação.

Esclarece Silvio Rodrigues que, na responsabilidade contratual, antes de se ter a obrigação de indenizar, ocorre um inadimplemento do contrato. Entre o causador do dano e a vítima, preexistia um contrato. Essa situação não acontece na responsabilidade extracontratual, vez que o causador do dano e a pessoa lesada são estranhas uma à outra13.

Não obstante essa diferença, é certo que, tanto na responsabilidade contratual quanto na responsabilidade extracontratual, existe o dever de a vítima provar o dano, a culpa e o nexo de causalidade. Numa ou noutra situação, a indenização em dinheiro é um sucedâneo. Com efeito, como exemplifica Silvio Rodrigues, num atropelamento, em que a vítima perde um braço, o agente deverá fazer a reparação em dinheiro. Também na responsabilidade contratual, a indenização é um substitutivo. A vítima, no caso de um contrato não cumprido, poderá pedir um valor em dinheiro14.

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Maria Helena Diniz ressalta que, na responsabilidade contratual, o vínculo tem por fundamento uma relação obrigacional, e é a inexecução do contrato que leva à responsabilidade do infrator. Nessa espécie de responsabilidade, o prejudicado deve provar a culpa, sendo que frequentemente as partes estipulam uma cláusula penal15.

No que diz respeito à prova, cumpre à vítima comprovar os fatos, o que ocorre na responsabilidade contratual ou extracontratual. A diferença é que, na responsabilidade contratual, a vítima deverá provar o inadimplemento do contrato.

Segundo Plá Rodriguez, a responsabilidade aquiliana acarreta a impunidade do empregador, visto que compete ao empregado provar a culpa daquele16.

Existem diferenças ainda no que tange às obrigações do menor. O menor pode contratar, desde que assistido por seu representante legal. Acontece que ele pode declarar, dolosamente, que é maior. Nesse último caso, surge a responsabilidade extracontratual, por força do disposto no art. 180.

3. Responsabilidade subjetiva

A ideia de culpa restou definitivamente consagrada com o Código de Napoleão, cujo art. 1.382 dispunha: “[...] tout fait quelconque de l’homme, qui cause à autrui ur dommage, oblige celui par la faute duquel il est arrivé, à le réparer”17.

Para Caio Mário, o fato é gerador do fenômeno jurídico: “O fato é o elemento gerador do direito subjetivo e, conseguintemente, da obrigação que

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lhe é correlata”18. O direito nasce do fato. O fato é pressuposto do direito em três níveis: nascimento, modificação e extinção. Tais fatos podem ser classificados em naturais ou jurídicos. Recorrendo a Savigny, Caio Mário afirma que fato jurídico é o “[...] acontecimento em virtude do qual começam ou terminam as relações jurídicas”19. Dentro da categoria dos atos jurídicos inserem-se os negócios jurídicos, que dependem de uma declaração de vontade, destinada a produzir efeitos jurídicos (efeitos esses desejados pelo autor). Outrossim, os atos podem ser classificados em lícitos e ilícitos, estes em desconformidade com a Lei.

A doutrina tradicional, referindo-se à figura do delito e do quase delito, referia-se a fato humano causador do dano. Assim, o delito, que constitui fato do homem, leva à obrigação de reparar o dano causado a outrem. O delito tinha como pressuposto o dolo, enquanto o quase delito tinha como pressuposto a culpa. Na doutrina moderna, não mais se alude a delito e quase delito, mas a culpa.

Na moderna teoria da responsabilidade subjetiva, importa conhecer o conceito de ato ilícito. Como dever decorrente da responsabilidade, sobressai a figura da reparação. Outrossim, falar em culpa é falar em responsabilidade subjetiva. Em se tratando de responsabilidade subjetiva, é oportuno investigar qual o comportamento do autor do dano, em que medida contribuiu para o prejuízo sofrido pela vítima.

Pode-se concluir, a partir dessas premissas, que é o comportamento culposo do autor que vai dar lugar à obrigação de indenizar20. Em princípio, cada pessoa suporta o ônus dos seus atos. Entretanto, se alguém causar dano a outrem, acarretando prejuízo à vítima, esta é que terá de provar a culpa do autor do dano.

Nesse sentido, é relevante atentar para o art. 159 do Código Civil de 1916 e o atual art. 186 do Novo Código Civil, abaixo reproduzidos:

Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

De outra parte, é preciso conceituar a culpa. Para Caio Mário, esta constitui “[...] uma falta de destreza, de habilidade, de diligência, de prudência, cujo resultado nefasto poderia ser previsto, ao menos implicitamente”21.

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Na vigência do Código Civil de 1916, a responsabilidade fundamentava-se na culpa, na forma do art. 159. Era necessário que o ato do agente causador do dano fosse contrário ao Direito.

O art. 159 fazia referência à ação ou omissão voluntária. Tem-se, aí, a imputabilidade do autor do dano. Diante disso, afirma Caio Mário que “[...] a imputabilidade do ato ao agente liga-se, desta sorte, ao conceito mesmo de ato ilícito [...] a imputabilidade do agente significa, desta sorte, a capacidade de entender e de querer, no momento em que for cometido o ato danoso”22.

Considerando os arts. 159 e 160 do Código Civil de 1916, Aguiar Dias explica que a ideia de faute utilizada pelo legislador francês foi substituída, pelo legislador pátrio, por ato ilícito. Além disso, o nosso legislador não definiu a culpa, não distinguindo ainda entre delito e quase-delito23. Assim, para o nosso Direito, o ato ilícito “é o fato, não autorizado pelo direito, causador de dano a outrem”24.

3.1. Elementos da responsabilidade...

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