A Imputação da Responsabilidade Preventiva para a Tutela Integral do Meio Ambiente do Trabalho e dos Direitos Fundamentais Conexos

AutorClarissa Ribeiro Schinestsck
Páginas63-80

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1. Introdução

O presente estudo propõe-se a abordar a temática da responsabilidade civil preventiva como medida necessária para proteger integralmente o meio ambiente laboral e os direitos fundamentais que com este se relacionam1, impedindo a consecução de danos.

A questão envolvendo a responsabilidade preventiva é assunto atual que vem adquirindo progressivamente uma maior importância no âmbito doutrinário2, especialmente porque a proliferação de riscos, a disseminação de danos multifacetados e os novos padrões de relações que a sociedade contemporânea aporta evidenciam que uma ampla e integral proteção da pessoa humana e dos direitos difusos e coletivos3 não pode prescindir de uma autêntica tutela de caráter preventivo.

Os danos, em regra, graves e irreparáveis, causados a tais direitos, notadamente ao meio ambiente do trabalho, à saúde, à segurança, à vida dos trabalhadores, dada a sua natureza

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fundamental, desvelam que a função reparatória4 da responsabilidade civil se mostra insuficiente para protegê-los adequadamente no contexto de uma sociedade de risco. Em se tratando de lesões ocasionadas aos direitos atinentes à tutela da pessoa humana, o princípio da restituição integral não se afigura plenamente eficaz.

Em face disso, torna-se relevante tecer algumas considerações acerca da necessidade de evolução da responsabilidade civil para adequar-se ao momento pelo qual atravessa a sociedade contemporânea, encampando a prevenção e a precaução como seus fundamentos principais e como suas funções precípuas, ao lado da função reparatório-repressiva. A partir desta evolução, o instituto da responsabilidade civil assume uma nova roupagem, voltando-se para o futuro e tendo como objetivo primário impedir a verificação de agressões aos direitos da pessoa.

Salienta-se, por oportuno, que se intenta apenas suscitar algumas reflexões sobre o tema proposto sem, no entanto, ter a pretensão de esgotá-lo, sobretudo diante das complexidades que o circundam e dos limites impostos por este trabalho.

2. O direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado e os direitos conexos: perspectiva holística e integrativa

A Constituição Federal5 brasileira consagrou no Título da Ordem Social o meio ambiente equilibrado como direito fundamental ao enunciar em seu art. 225, caput que "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". Além disso, a Carta Constitucional, ao tratar especificamente dos direitos fundamentais dos trabalhadores, contemplou no inciso XXII, do art. 7º, o direito à "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança", realçando a natureza fundamental do meio ambiente de trabalho saudável6.

Muito embora a normativa constitucional não tenha definido o que se deve entender como meio ambiente, tal conceituação veio gizada, pelo inciso I, do art. 3º da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), que preconiza ser o meio ambiente "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas".

Esta definição, que conferia destaque para os aspectos do meio ambiente natural7, comportou uma evolução viabilizada por meio da Lei n. 9.795/1999, instituidora da Política Nacional de Educação Ambiental que encampou a noção holística, humanística e integrativa de todos os aspectos do meio ambiente. No inciso II, do art. 4º8 da aludida lei há expressa referência à adoção do conceito holístico e integrativo de meio ambiente, quando menciona que há de considerar-se a interdependência entre o meio natural, socioeconômico e o cultural, à luz da sustentabilidade.

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Ademais, a mesma legislação erigiu como um dos objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental "o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos"9.

Cuida-se, em realidade, do reconhecimento de que os fenômenos ambientais, sociais, biológicos e psicológicos estão intimamente conectados e em permanente interação. Neste conceito holístico e integrativo de meio ambiente que o compreende como o conjunto de relações e interações do homem, culturalmente construídas e aptas a alterarem a dinâmica social, está inserida a sua relação com o seu trabalho e o modo como este é desempenhando.

Consuelo Yoshida10 afirma que "evoluiu-se da proteção setorizada para a proteção global, holística, do meio ambiente em todos os seus diferentes aspectos (meio ambiente natural, cultural, urbano e do trabalho)" e, que o emprego do termo sociedade ambientalmente equilibrada pela Lei da Política Nacional de Educação Ambiental demonstra a necessidade de um equilíbrio mais amplo entre todos os seus aspectos e suas relações.

Importa assinalar na esteira do prescrito pelo inciso I, do art. 3º, da CF/88, o qual dispõe que um dos objetivos da República Federativa do Brasil é constituir uma sociedade mais justa e igualitária e, com fulcro na própria estruturação do texto constitucional que elevou ao patamar de fundamentos da ordem econômica11 o valor social do trabalho e a livre iniciativa para assegurar a existência digna e preservar o meio ambiente, o estreito vínculo mantido entre as questões ambiental e social.

Portanto, há que ser realçada a ligação havida entre ambiente, propriedade, trabalho, presentes e futuras gerações, os quais hão de ser vistos a partir do princípio da solidariedade social. Sem um trabalho digno que proporcione as mínimas condições de sobrevivência e garanta a dignidade da pessoa humana em sua acepção mais ampla, não há como garantir-se um meio ambiente sadio e equilibrado, o que acabará prejudicando esta geração e as futuras12. Não há vida com dignidade sem garantia da inviolabilidade da vida e da integridade física e psíquica no trabalho.

Em decorrência de os direitos fundamentais serem fenômenos complexos, unos, interdependentes e indivisíveis, a tutela do meio ambiente acaba se relacionando com a tutela da vida, da saúde - física, mental, psíquica -, do bem-estar, da sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações13. A indivisibilidade que marca os direitos fundamentais revela que somente com o reconhecimento e observância de todos eles é possível alcançar-se o gozo de cada um14.

Releva sublinhar que a concepção contemporânea15 dos direitos humanos enfatiza a necessidade

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de conferir-se tratamento justo e equânime a todos eles16, uma vez que a unidade e a coexistência de todas as dimensões de direitos fundamentais é que dão concreção ao princípio da dignidade humana. Esta unidade e diálogo permanente dos direitos fundamentais podem ser extraídos da interpretação conjugada dos arts. e da CF.

Diante disso, e adotando-se a conceituação ampla e globalizante de meio ambiente, infere- -se que o direito pátrio albergou a tutela ambiental em todos os seus aspectos - natural, cultural e do trabalho -, bem assim em sua máxima amplitude17, abarcando os direitos fundamentais que com ele se relacionam. Nesta linha, o sistema de tutela ambiental alcança tanto o meio ambiente equilibrado, compreendido como bem autônomo de titularidade difusa não só das presentes, mas também das futuras gerações, como também alguns direitos fundamentais das pessoas individualmente consideradas, conexos com o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado18.

Por isso, em se tratando de Direito Ambiental do Trabalho tem-se que constituem objeto da tutela ambiental o meio ambiente laboral equilibrado compreendido como bem autônomo, assim como os direitos fundamentais conexos - a saúde, a vida, a segurança, o bem-estar e a sadia qualidade de vida de todos aqueles que trabalham19.

3. A tutela do meio ambiente e dos direitos fundamentais conexos por meio da responsabilidade civil

A responsabilidade civil é um dos instrumentos consagrados pelo ordenamento jurídico pátrio para promover a tutela integral do meio ambiente do trabalho equilibrado e dos direitos fundamentais conexos, ante as lesões e ameaças de lesões. Tendo em vista que a dignidade da pessoa humana é norma suprema do ordenamento jurídico e ante a constitucionalização do trabalho e do ambiente, os valores constitucionais que orientam o sistema de responsabilidade civil como um todo deverão incidir nas hipóteses de lesões ou ameaças de lesões ao equilíbrio do meio ambiente e aos direitos fundamentais conexos.

Como cediço, a violação ou a ameaça de violação pode atingir diretamente o meio ambiente do trabalho como bem autônomo e afetar direitos fundamentais que com este se relacionam. Neste caso, o dano ou a ameaça de dano opera-se por meio do meio ambiente e agride um direito fundamental de natureza individual do trabalhador - à integridade física, psíquica, à vida, à saúde, à sadia qualidade de vida. A agressão ou a ameaça de agressão atinge diretamente as relações e interações do homem, nelas incluídas as decorrentes do trabalho. Surge, portanto, simultaneamente o interesse de defesa do bem ambiental de natureza difusa, como também dos direitos fundamentais correlatos.

Uma das formas de...

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