A Responsabilidade. Pré-Negocial no Direito Brasileir

AutorDaniel Ustárroz
Páginas51-84
Capítulo 2
A Responsabilidade
Pré-Negocial no Direito Brasileiro
1. A Ampliação da Proteção Jurídica dos Contratantes
Ao longo dos últimos séculos, observou-se interessante evolução
no estudo referente ao tema do inadimplemento. Esmiuçado pela
doutrina e aplicado pela jurisprudência à luz das exigências concretas
das pessoas, o assunto recebeu atenção das Faculdades de Direito, de
modo que a grande maioria delas dedica no mínimo dois semestres à
análise do direito obrigacional e contratual.
Paralelamente, se formos analisar o desenvolvimento do direito
contratual no solo brasileiro, nota-se um descolamento do eixo de
análise do tempo do contrato. Explica-se: o regramento do Código de
1916, o esforço doutrinário no Século XX e os problemas práticos do
Foro, inicialmente, se colocavam em grande escala com o momento de
formação do vínculo. Tal tema era extremamente caro à Escola Liberal e,
de certa maneira, ref‌letia uma interpretação consensual do princípio do
pacta sunt servanda. Nesse passo, a jurisprudência nacional admitia a
apreciação judicial dos pactos, desde que algum vício surgido quando de
sua conclusão fosse comprovado. Dentro dessa atmosfera, foi relevante
o avanço teórico das f‌iguras do erro, coação, dolo, estado de perigo e
outros defeitos verif‌icáveis no ato da contratação.
Entretanto, ao longo do Século XX, no Brasil, foi observada uma
guinada nesse eixo de análise. Por força de novas exigências sociais, o
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operador passou a mirar com outros olhos situações próprias da fase de
execução dos contratos que antes passavam quase despercebidas. Entre
outros fatores que contribuíram para tal evolução, podem ser apontados
a instabilidade que afetava a economia contratual, a proliferação de
contratos pré-fabricados que já não mais espelhavam um encontro de
vontades e o reconhecimento doutrinário da obrigação como um rico
processo. Certamente, não foi casualidade a revalorização de conceitos
como a revisão judicial dos contratos, a cláusula rebus sic stantibus, a
resolução por onerosidade excessiva, etc.
Por conseguinte, o sistema foi enriquecido com teorias aptas a
resolver problemas surgidos na formação e na execução da avença. Essa
realidade se explica, pois, na grande maioria das vezes, a insatisfação de
um contratante nasce a partir do inadimplemento do dever assumido
livremente pelo par. É a conclusão do contrato, fenômeno que simboliza
o vínculo, que gera o direito à prestação, a legítima expectativa de
satisfação, através do cumprimento da avença. Quando ocorre o
adimplemento, desvinculam-se ambos os participantes. Este é o
caminho normal das obrigações: uma fase de constituição, seguida da
execução e por f‌im sua extinção com o pontual cumprimento para
satisfação dos envolvidos.
Rica que é a experiência humana, também foi observado que a
complexidade das relações contratuais demandariam outras projeções
jurídicas, a partir do encontro entre as pessoas. Com efeito, em casos
não raros, um minucioso regramento da crise do processo obrigacional,
limitado exclusivamente ao período da execução do contrato, é
insuf‌iciente. Com efeito, tão importante quanto a tutela da fase
específ‌ica da execução do pactuado é a proteção dos contraentes nos
períodos que antecedem o negócio e o sucedem, pois as expectativas e os
danos não se restringem a um momento específ‌ico da relação.
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Com razão, as expectativas são criadas paulatinamente no decorrer
de um processo, que se inicia com a aproximação negocial e somente se
extingue com o adimplemento. Os danos, de seu turno, seguem idêntico
caminho e podem brotar de negociações frustradas ou mesmo após o
término da vigência do contrato
76. A realidade apresenta inúmeros
exemplos que atestam a insatisfação de contratantes a partir de eventos
ocorridos após o adimplemento, assim como são observadas
divergências entre as partes por fatos ocasionados na fase anterior à
formalização do pacto.
Dentro desse contexto, uma vez admitida a ideia de que a relação
obrigacional não é estática e que abriga uma série de etapas, é natural
que o Direito se preocupe em estender a tutela dos participantes a todo
o iter obrigacional, ou seja, desde a aproximação negocial até mesmo
após o adimplemento
77. A satisfação deve ser garantida dentro de uma
76 Bem assinala a Professora JUDITH M ARTINS-C OSTA: Na responsabilidade pré-negocial,
os deveres que se violam, portanto, não são os deveres (obrigações) principais, que só
se concretizam com o contrato formado, mas os deveres instrumentais, que em
algumas hipóteses se concretizam previamente à formação do vínculo negocial,
deveres de cooperação, de não contradição, de lealdade, de sigilo, de correção, de
informação e esclarecimento em suma, deveres que decorrem da boa-fé objetiva
como mandamento de atenção à legítima conf‌iança despertada no futuro contratante
e de tutela aos seus interesses (Da Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: RT, p. 485).
77 A ideia de progresso do vínculo obrigacional é bem apreendida por RUY R OSADO DE
AGUIAR JUNIOR: Os deveres nascidos da boa-fé são chamados de secundários, ou
anexos, em oposição aos provenientes da vontade contratada, que são os principais.
Podem ser classif‌icados, quanto ao momento de sua constituição, em deveres
próprios da etapa de formação do contrato (de informação, de segredo, de custódia);
deveres da etapa da celebração (equivalência das prestações, clareza, explicitação);
deveres da etapa do cumprimento (dever de recíproca cooperação para garantir a
realização dos f‌ins do contrato; satisfação dos interesses do credor); deveres após a
extinção do contrato (dever de reserva, dever de segredo, dever de garantia da fruição
do resultado do contrato, culpa post pactum f‌initum) (A Boa-fé na relação de consumo.
Disponível no site do Superior Tribunal de Justiça, no link discursos. Acesso em: 26
dez. 2009).
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