Responsabilidade Objetiva e Subjetiva do Empregador em Face do Código Civil

AutorEnoque Ribeiro dos Santos
Ocupação do AutorProfessor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Páginas23-61

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1. Noções introdutórias

A responsabilidade civil objetiva e subjetiva do empregador constitui-se em um dos institutos mais relevantes do Direito na atualidade, principalmente após o advento do Novo Código Civil de 2002, que deu uma nova roupagem jurídica ao conceito de responsabilidade civil.

Exemplo disso é a possibilidade atual de indenização pelo dano exclusivamente moral, que a Constituição Federal de 19881 já passara a contemplar.

O escopo do presente trabalho é o desenvolvimento da responsabilidade civil nas relações de trabalho, procurando sempre que possível alinhar a legislação, doutrina e jurisprudência, nas situações de ocorrências de danos patrimoniais, extrapatrimoniais ou ambos.

O vocábulo “responsabilidade” é utilizado para designar uma série de situações na seara das relações jurídicas. Em sentido mais flexível, a responsabilidade suscita a atribuição a um sujeito, do dever ou obrigação de assumir as consequências ou efeitos de uma determinada atitude, evento ou ação. Diz-se, por exemplo, dessa forma, que alguém é responsável por outrem, como o pai pelos filhos menores, o empregador por seus serviçais ou empregados etc. Em outro sentido, a responsabilidade denota a capacidade da pessoa. Os menores de 16 anos, por exemplo, são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil, como se depreende do art. 3º do novo Código Civil2.

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No desenvolvimento do presente trabalho, interessa a responsabilidade da empresa ou do empregador por fato ou ato punível ou moralmente reprovável que implique violação de direito na interpretação do novo Código Civil, que venha a ensejar reflexos ou consequências jurídicas.

A rigor, o que se aprecia em sede de responsabilidade civil é a conduta do agente, pessoa jurídica ou física, isto é, a concatenação ou a sequência de atos ou fatos que produza efeitos geralmente lesivos no patrimônio material ou extrapatrimonial3 do ofendido. Apenas um único ato pode ser capaz de gerar, por si só, a obrigação ou o dever de indenizar.

No campo da responsabilidade civil, o que nos interessa é a identificação da conduta comissiva ou omissiva que produz o dever de indenizar. Nesse domínio, uma pessoa é responsável quando é capaz de sofrer uma sanção, independentemente de ter cometido um ato ilícito ou antijurídico pessoalmente. Nesse âmbito, a responsabilidade pode ser direta, quando liga o próprio causador do dano ao ilícito, ou indireta, quando o terceiro que comete o ato ou a sequência de atos lesivos a outrem é, de uma ou outra forma, ligado ao ofensor, de acordo com o ordenamento jurídico.

No Direito Civil, terceiros só podem ser chamados a indenizar quando a lei expressamente o determinar, diversamente do que ocorre no campo do Direito Penal, no qual a pena não pode passar da pessoa do agente, noção que já sofre contestação na doutrina penalista contemporânea.

Uma das grandes inovações do novo Código Civil foi a contemplação da responsabilidade objetiva, presente em várias leis, que desconsidera a noção de culpabilidade. A tendência jurisprudencial do alargamento do conceito de culpa, sob o prisma do dever genérico de não prejudicar, possibilitou a criação da Teoria do Risco em várias configurações.

Por essa teoria, o sujeito responsável por riscos inerentes à atividade econômica, ou perigos que sua atuação possa promover deve arcar com a indenização, mesmo que envide todos os esforços no sentido de evitar o dano. Já que o sujeito é privilegiado pelas vantagens ou benefícios do negócio ou atividade, deve responder por possíveis indenizações que essa atividade possa ocasionar. A legislação dos acidentes de trabalho constitui o exemplo claro da teoria da responsabilidade objetiva.

Foi Raymond Saleilles4 que iniciou os estudos dos critérios objetivos de imputação da responsabilidade civil, com a proposição de que este princípio

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fosse substituído por um princípio de causalidade, prescindindo, desta forma, da perquirição sobre o comportamento do causador do dano. No mesmo sentido, Louis Josserand5 passou a defender a noção de risco como critério de responsabilização, utilizando-se da jurisprudência francesa que tinha passado a aplicar a responsabilidade por guarda da coisa também de forma objetiva.

Para Anderson Schreiber6 “na esteira das obras de Saleilles e Josserand, a culpa tornou-se objeto do que já foi referido como o mais intenso dos ataques doutrinários que talvez se tenha registrado na evolução de um instituto jurídico. Por toda a parte, autores notáveis filiaram-se à ideia de uma responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco, e não menos notáveis foram os autores que se ergueram em defesa da culpa. Como fruto deste profícuo debate, a responsabilidade objetiva veio a ser adotada em quase todos os ordenamentos jurídicos, por meio de leis especiais, aplicáveis a setores específicos, relacionados aos anseios sociais mais graves no campo da responsabilidade civil. Na maior parte dos casos, todavia, fez-se necessário um longo período de maturação antes que a responsabilidade objetiva ganhasse espaços mais abertos”.

Ainda de acordo com este autor7, no Brasil, por exemplo, embora não estranha ao Código Civil de 1916, a responsabilidade objetiva ingressou efetivamente no ordenamento positivo por meio de diplomas especiais, como a Lei de Estradas de Ferro (Decreto n. 2.681/12), o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/86) e a Lei n. 6.453/77, relativa às atividades nucleares. A Constituição Federal de 1988 abriu novos caminhos, não apenas por força da previsão das hipóteses específicas (art. 7º, XXVIII, art. 21, XXIII, art. 37, § 6º), mas, sobretudo, pela inauguração de uma nova tábua axiológica, mais sensível à adoção de uma responsabilidade que, dispensando a culpa, se mostrasse fortemente comprometida com a reparação dos danos em uma perspectiva marcada pela solidariedade social.

O Código de Defesa do Consumidor foi outro exemplo notável de responsabilidade objetiva no ordenamento jurídico. Sérgio Cavalieri Filho8 afirma que a Lei n. 8.078/90 introduz uma nova área de responsabilidade no Direito brasileiro, a responsabilidade nas relações de consumo, tão vasta que não haveria nenhum exagero em dizer estar hoje a responsabilidade civil dividida em duas partes: a responsabilidade tradicional e a responsabilidade nas relações de consumo.

Não obstante, remanesce ainda entre nós que o princípio da responsabilidade extracontratual civil no novo Código Civil de 2002 continua sendo o da

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responsabilidade subjetiva, ou seja, responsabilidade fundada na culpa que recai nos institutos da negligência, imprudência ou imperícia do ofensor. A responsabilidade objetiva, ou responsabilidade sem culpa, somente pode ser aplicada, como dito, quando existe lei expressa que assim a autorize.

Podemos dizer que a maior inovação do Código Civil de 2002 foi a criação da cláusula geral de responsabilidade objetiva, nas atividades de risco, na redação que deu ao art. 927, parágrafo único:

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

Assim sendo, na ausência de lei expressa, a responsabilidade por ato antijurídico será subjetiva, pois esta é a norma geral aplicável no ordenamento jurídico pátrio. Entretanto, na análise do caso concreto, o magistrado, em casos excepcionais, considerando os aspectos da nova lei, poderá entender como aplicável a responsabilidade objetiva no caso sub judice9.

2. Gênese e evolução histórica da responsabilidade

O Código de Hamurabi, gravado em uma estrela de basalto negro, que se acha conservada no Louvre, em Paris, tratava da responsabilidade entre 1792/1750 antes de Cristo. Tinha como princípio a proteção aos mais fracos e oprimidos. Era constituído por um sistema de leis sumérias e acadianas, que foram revisadas, adaptadas e ampliadas por Hamurabi. O Código estabelecia uma ordem social baseada nos direitos do indivíduo e aplicada na autoridade das divindades babilônicas e do Estado.

O texto do Código demonstra uma preocupação de Hamurabi em conferir ao lesado uma reparação equivalente. Essa noção pecuniária da reparação do dano possibilitava aos súditos do rei Hamurabi valerem-se das normas ditadas pelo seu Código. Nesse aspecto, os parágrafos do Código são ricos de interpretações do que foi um sistema de leis, fruto dos hábitos e costumes de uma civilização pujante e atraente.

Assim, o célebre axioma primitivo “olho por olho, dente por dente”, constituía uma forma de reparação do dano, inserto nos §§ 196, 197 e 200 do Código. Este axioma expressava a Lei do Talião, isto é, a justiça feita pelas próprias mãos, que originou a autotutela dos dias atuais10.

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Clayton Reis11 desenvolve o tema afirmando que “a ideia, hoje vigente, de reparação do dano por um valor monetário tinha por objetivo repor as coisas lesadas ao seu status quo ante, ou ainda, dar uma compensação monetária à vítima...

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