Responsabilidade civil do Estado e morosidade processual

AutorFilipe Casellato Scabora
CargoBacharelando em Direito pela Universidade Estadual Paulista 'Júlio de Mesquita Filho'- UNESP.
Páginas48-89
REVISTA DE DIREITO DOS MONITORES DA UFF
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Responsabilidade Civil do Estado e a Morosidade Processual
Filipe Casellato Scabora
1
Sumário: I. Da responsabilidade civil do Estado. I.1 Teoria da
Irresponsabilidade. I.2 Teoria Civilista. I.3 Teoria Publicista. II. A evolução
do regime pátrio de responsabilidade. II.1 Culpa Administrativa. II.2 Risco
Administrativo. II.3. Risco Integral. III. Da responsabilidade do Estado pela
morosidade processual. III.1 Suporte normativo. III.2 O conceito de
“razoável duração do processo”. IV. Os remédios processuais cabíveis. IV.1
O Mandado de segurança. IV.2 A Ação Popular. IV.3. A Ação de
Indenização. V. Apontamentos finais. VI. Referências bibliográficas.
Resumo: O texto aborda a evolução do instituto da responsabilidade civil
do Estado desde a Constituição Republicana de 1891 até os dias atuais,
analisando seus desdobramentos diante do fenômeno da morosidade
processual, propondo uma nova interpretação de instrumentos
consagrados no Código de Processo Civil (Mandado de Segurança, Ação
Popular e Indenizatória) para resolver o conflito temporal do processo e os
danos que acarreta à sociedade.
Abstract: The text broaches the Civil Liability of the State from its ear ly
days in the Constitution of the Republic of 1891 to its contemporar y days
while analyzing their effects in the face of the slowness in civil pr ocess,
proposing a new interpretation of the instruments (Injunction, Class Action
and Compensation) in the Civil Procedural Law to r esolve the conflict a nd
the damages that entail.
1 Bacharelando em Direito pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- UNESP. E-
mail: fcscabora@gmail.com
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I. Da responsabilidade civil do Estado
De longa data, o direito reconhece à pessoa lesionada em sua esfera
patrimonial a possibilidade de ver-se ressarcida pelo autor do dano.
2 O mesmo vale para o
Estado. Com a evolução dos fundamentos do Estado Moderno, como entidade de direitos e
deveres no âmbito público-privado, passou a figurar como regular compromissário da
responsabilidade dos seus atos, superada em um primeiro momento a Teoria da
Irresponsabilidade que veremos adiante. Sobre o tema, Bandeira de Mello admite que a
responsabilidade é pressuposto do Estado de Direito 3. Alessi, afirma:
aujourd’hui, on peut dire que la responsabilité est la règle,
l’irresponsabilité, la exception‖.4
Contudo, antes de incidirmos em tema tão abrangente é necessária uma
pequena visita às suas raízes históricas, remontando brevemente as três teorias mandamentais
acerca da responsabilidade civil:
I.1. Teoria da Irresponsabilidade
Sustentada primordialmente a partir da segunda metade do século XIX, a
chamada Teoria da Irresponsabilidade encontra suas raízes na criação dos Estados Nacionais,
demonstrada nas máximas saxônica “the King can do no wrong” e francesa “l’État c’est moi”.
Exauridas como baluarte da concepção dos recém formados Estados nacionais, as máximas
supracitadas descrevem o próprio sistema de responsabilidade adotado pela máquina estatal:
se o Estado era a personificação do monarca, e o monarca não era capaz de errar, logo, o
Estado não poderia causar dano a outrem, daí a inexistência de sua responsabilidade.
Sob os auspícios do regime absolutista, a teoria da irresponsabilidade
2 SILVA, Ivan de Oliveira. A morosidade processual e a responsabilidade civil do Estado. São
Paulo: Pillares, 2004. p. 119.
3 Segundo entendemos, a idéia de responsabilidade do Estado é uma conseqüência lógica inevitável
da noção de Estado de Direito.” In: BANDEIRA DE MELLO, C. A. Curso de direito administrativo.
25 ed. São Paulo, Malheiros, 2007. p. 983.
4 Hoje podemos dizer que a responsabilidade é a regra, a irresponsabilidade a exceção ”. Tradução
nossa.
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absoluta da Administração Pública firma-se em três postulados: i) na soberania do Estado,
que, por natureza irredutível, proíbe ou nega sua igualdade ao súdito, em qualquer nível de
relação; a responsabilidade do soberano perante os súdito é impossível de ser reconhecida,
pois envolveria uma contradição nos termos da equação
5; ii) segue-se que, representando o
Estado soberano o direito organizado, não pode aquele aparecer como violador desse mesmo
direito; iii) daí, os atos contrários à lei praticados pelos funcionários jamais podem ser
considerados atos do Estado, devendo ser atribuídos pessoalmente àqueles, como praticados
nomine proprio. 6
I.2. Teoria Civilista
Superada a injustiça provocada pela Teoria da Irresponsabilidade, a nova
doutrina admitia a responsabilidade do poder público nos moldes da responsabilidade civil
por fato de terceiro (preposto). Para tanto era necessário, a distinção entre os atos de gestão e
os atos de império do Estado.
Na prática dos atos jure imperii, o Estado estaria incólume de
responsabilidade, uma vez que estes representavam as funções essenciais à sua manutenção, e
como tal, não poderiam ser responsabilizados. Os atos jure gestionis, por sua vez,
equiparavam o Poder Público ao particular, por tratarem-se de atos praticados com escopo de
satisfazerem necessidades sociais, mas sem o caráter de essencialidade.
Efetuada a equiparação, a discussão cingia-se para a culpa do funcionário.
Havendo culpa, era devida indenização por parte do Poder Público. O reconhecimento da
responsabilidade do Estado, sob os contornos civilistas, prevalecia a responsabilidade
subjetiva.
Certo é que a Teoria Civilista não bastou para solucionar os diversos
enunciados que se encontravam entre a tênue linha dos jure imperii e jure gestionis, sendo
5 O primeiro postulado faz referência Teoria do Direito Divino , defendida, entre outros, por Bodin e
Bossuet, para manutenção do ancien régime, segunda qual as Famílias Reais eram escolhidas por
Deus para governar os povos com sabedoria e justiça. Daí a impossibilidade de equiparação entre
súdito e soberano.
6 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1966, p. 392
apud CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 3 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004. p. 20.

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