Responsabilidade Civil do Estado por Dano Moral em Caso de Má Utilização de Dados Pessoais

AutorRegina Linden Ruaro
Ocupação do AutorProfessora Titular da PUC/RS; Procuradora Federal.
Páginas533-555

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Responsabilidade Civil do Estado por Responsabilidade Civil do Estado porResponsabilidade Civil do Estado por Responsabilidade Civil do Estado por Responsabilidade Civil do Estado por Dano Moral em Caso de Má Utilização Dano Moral em Caso de Má UtilizaçãoDano Moral em Caso de Má Utilização Dano Moral em Caso de Má UtilizaçãoDano Moral em Caso de Má Utilização de Dados Pessoais
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SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A Responsabilidade Civil do Estado: Uma Abordagem da Evolução. 2.1 Uma Abordagem Genérica Acerca da Definição do Dano Moral. 3 Dos Direitos da Personalidade (Objeto do Dano Moral). 4 Da Responsabilidade Estatal pelo Dano Moral. 5 O Direito à Intimidade como Núcleo do Direito Fundamental à Privacidade e a Proteção de Danos. 6 Conclusões.

1 Introdução 1 Introdução1 Introdução 1 Introdução1 Introdução

Modernamente muito se tem discutido acerca da responsabilidade civil do Estado, sobretudo quando a matéria entra na esfera do dano moral.

O tema assume relevância quando trata-se da matéria no bojo de um Estado Democrático de Direito que tem dentre suas funções a de resguardar e garantir o respeito aos direitos fundamentais. Por tal razão, entendemos importante estudar a responsabilização do Estado à luz dos direitos fundamentais de intimidade e privacidade quando não adota medidas capazes resguardar dados pessoais dos cidadãos.

Ao longo da abordagem do tema tentaremos responder às seguintes indagações: a) Como funciona a responsabilização civil do Estado b) Esta responsabilização atinge o dano moral c) O que é privacidade e o que é intimidade c.1) o que são dados pessoais c.2) Os dados pessoais são direitos fundamentais e, por fim, d) A má utilização de dados pessoais é causa de indenização por dano moral

* Professora Titular da PUC/RS; Procuradora Federal.

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Sem ter a pretensão de exaurir a matéria, iniciamos uma discussão acerca do tema proposto, refletindo sobre os paradigmas existentes em estudo de Direito Constitucional sobre dano moral e proteção de dados pessoais.

A utilidade do objeto deste estudo, bem como sua restrita implementação no cenário político-judiciário pátrio, faz com que esse trabalho seja apenas o ponto de partida, início de uma discussão ainda incipiente, mas que merece destaque, dada sua relevância.

2 A Responsabilidade Civil do Estado: Uma Abordagem da
2 A Responsabilidade Civil do Estado: Uma Abordagem da2 A Responsabilidade Civil do Estado: Uma Abordagem da
2 A Responsabilidade Civil do Estado: Uma Abordagem da2 A Responsabilidade Civil do Estado: Uma Abordagem da Evolução
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Hariou já colocava de manifesto que o Estado de Direito incorpora a necessidade de responsabilizar-se o mesmo, enquanto Administração Pública, pelos danos decorrentes de sua atividade. Nas palavras do autor:

Existem duas correções da prerrogativa da Administração ao qual reclama o instinto popular, cujo sentimento em relação ao Poder Público pode formular-se nestes dois brocardos: que atue, porém que obedeça a Lei, que atue, porém que pague o prejuízo.1Pacífico o conhecimento de que nem sempre foi assim. O princípio “the king can do not wrong”, classicamente oriundo da idéia do Poder Imperial Romano e do Poder do Monarca calcado na concepção teocentrista, característico do período medieval, permitiu durante longos tempos, que o Estado ficasse à margem da responsabilidade pelos atos praticados por seus agentes.

O máximo alcançado, em determinado momento, foi a responsabilização direta dos agentes estatais, mas, ainda assim, essa responsabilidade era abstrata, sem atribuir aos lesados os meios aptos para tornarem efetiva a reparação.

Não obstante isso podemos citar como um importante avanço quanto à responsabilização do Estado, a construção jurisprudencial ou pretoriana do Conselho de Estado francês, pois este repudiava a solução dada pelo Código Civil estruturada em termos privatísticos.

1 Précis de droit administratif, Paris, 1911.

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O Conselho de Estado francês elaborou o regime jurídico da responsabilidade pública, informado por princípios publicísticos – princípios do direito público – exorbitantes e derrogatórios do direito comum.

Esse panorama é conhecido, através das “teorias publicístas” que nas palavras de Celso Ribeiro Bastos deixam claro o câmbio de direção acerca da matéria quando assevera:

É dizer, abandona-se a idéia civilista de culpa que envolve sempre negligência, imperícia e imprudência para condicioná-la à mera atuação objetiva do Estado, independentemente dos ingredientes subjetivos com que tenha atuado.2Vê-se de pronto que torna-se de menor importância o saber se determinado evento danoso foi praticado com culpa ou sem culpa, se era lícito ou ilícito. O importante é perquirir se houve um nexo causal entre o evento danoso e o dano de fato gerado.3Resultaria contrário ao Direito entender que este (Estado) não está controlado e tampouco se sujeita ao ordenamento jurídico, do que não resulta aceitável a criação de danos, a incidência de lesões sobre cidadãos, decorrentes do exercício de uma atividade estatal – que procura o bemestar de todos – sem o preço da sobrecarga de alguns.

Pode-se assim sintetizar, que a atividade estatal tem o dever de não provocar danos e, se produtora de danos é responsável por sua reparação.

Ao analisar o controle dos atos administrativos Juarez Freitas4fez referência à “subordinação das ações estatais à dignidade da pessoa humana”. Pode-se depreender que esta está intimamente ligada ao dever que tem o Estado em assegurar sua prevalência. Sustenta o renomado autor que:

A Administração Pública, por conseguinte, goza de prerrogativas, não tanto por supremacia, mas por legitimidade funcional. Nessa linha, gradativamente temos que rever antigos conceitos, porquanto faz-se indispensável reconhecer que a Administração resulta tão ou mais

2 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. 6. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 1999,
p. 211.

3 Ver item 4.

4 FREITAS, Juarez. O controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

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devedora de obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana, mormente quando se espera que seja exemplar o seu acatamento dos princípios, não apenas o da legalidade, mas do complexo inteiro dos princípios supremos.5Nesse contexto, é que se insere a necessidade evidente de que o Estado seja responsável patrimonialmente pelos danos que gerar. Todavia, é importante salientar a presença de elementos ou, por melhor dizer, pressupostos fundamentais para que a responsabilidade seja imputada ao Estado, quais sejam: a) a ocorrência de dano, e, b) a deflagração deste a um comportamento omissivo ou comissivo, que é o que se denomina de nexo de causalidade.

Ressalta-se que o ordenamento jurídico brasileiro deu um salto no desenvolvimento da matéria ao incorporar a teoria da responsabilidade objetiva do Estado à sua Constituição, conforme o disposto no art. 37, § 6º.

De acordo com esta teoria, entende-se que:

[...] a responsabilização é decorrente do próprio fato, em conseqüência do risco criado, sem indagar da conduta do agente, sua negligência, imprudência ou imperícia. Deixa-se de lado o elemento subjetivo, a culpa, que é atribuída sempre a uma pessoa, o elemento risco é fundamentado no princípio da causalidade, que é impessoal. Baseia-se a teoria do risco no equilíbrio econômico, envolvendo a idéia de justiça distributiva, como já ensinava Aristóteles.6Superada esta primeira etapa do trabalho, que teve como objetivo fornecer um panorama geral sobre a responsabilidade civil do Estado, passamos a tecer uma abordagem específica a respeito do tema de fundo desta matéria, qual seja, a responsabilidade do Estado por dano moral, partindo de uma abordagem ampla até chegarmos ao dano moral estatal propriamente dito.

5 FREITAS, Juarez. O controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais. [...]. p. 55. Ainda, por oportuno, julgamos indispensável a leitura da seguinte obra do mesmo autor: A Interpretação Sistemática do Direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. Nesta última obra Juarez Freitas fixa os pressupostos para uma interpretação tópico-sistemática do Direito, com base na hierarquia de valores.

6 CRETELLA JR., José. Manual de Direito Administrativo. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992.
p. 354.

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2.1 Uma Abordagem Genérica Acerca da Definição do Dano
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O Dano Moral, de difícil, ou melhor, com várias definições, porém, nenhuma exata, paira sobre a modernidade causando inquietações no mundo social, sobretudo no mundo jurídico, com sua incidência nos casos concretos e aos quais cabe ao Poder Judiciário encontrar o ponto de eqüidade entre o sujeito ativo e passivo.

A doutrina, como veremos no decorrer do estudo, entende que o dano moral, embora sem definição uma fixa, é a lesão de um bem juridicamente protegido que causa uma dor imensurável na vítima – sendo que alguns agregam ainda o elemento: efeitos do dano.

Pareceria facial a solução conceitual se não adviesse daí uma indagação: o que entendemos por dor, e qual a sua relação com o dano moral

Christiano do Vale, ao estudar a matéria entendeu que: “A dor é a síndrome que arrasa o corpo e a...

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