A responsabilidade civil do arrematante pelo passivo ambiental nas execuções civis: A máxima efetividade na tutela de direitos fundamentais

AutorJaqueline Mielke Silva
CargoDoutora e Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, UNISINOS
Páginas653-682

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IssN Eletrônico 2175-0491

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ARREMATANTE PELO PASSIVO AMBIENTAL NAS EXECUÇÕES CIVIS:
A MÁXIMA EFETIVIDADE NA TUTELA DE DIREITOS

FUNDAMENTAIS

CIVIL RESPONSIBILITY OF THE WINNING BIDDER FOR THE ENVIRONMENTAL LIABILITIES IN CIVIL EXECUTIONS: MAXIMUM

EFFECTIVENESS IN THE PROTECTION OF ESSENTIAL RIGHTS

LA RESPONSABILIDAD CIVIL DEL REMATANTE POR EL PASIVO AMBIENTAL EN LAS EJECUCIONES CIVILES: LA MÁXIMA EFECTIVIDAD

EN LA TUTELA DE DERECHOS FUNDAMENTALES

Jaqueline Mielke Silva1 1 Doutora e Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; EspeDoutora e Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
PUC/RS; Professora dos cursos de pós-graduação stricto sensu e lato sensu da Faculdade Meridional – IMED; Professora da Faculdade Inedi – CESUCA; Professora em cursos de pósgraduação da Universidade de Caxias do Sul - UCS, Universidade de Santa Cruz - UNISC, Universidade Ritter dos Reis - UNIRITTER, Universidade de Chapecó - UNOCHAPECÓ, Faculdade IDC, dentre outras; Professora na Escola Superior da Magistratura do RS - AJURIS, Escola Superior da Magistratura Federal - ESMAFE, Fundação Escola Superior do Ministério Público - FMP, Fundação Escola Superior da Magistratura do Trabalho – FESDEP. Advogada.

Revista Novos Estudos Jurídicos - Eletrônica, Vol. 20 - n. 2 - mai-ago 2015

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Doi: 10.14210/nej.v20n2.p653-682 애

Resumo: Em prol da efetivação da proteção ao meio ambiente, em algumas situações haverá a incidência da responsabilidade civil sobre pessoa que não causou o risco ou o dano ambiental, como é o caso de adquirente de imóvel em reserva lorestal desmatada pelo antigo proprietário. Assim, a interpretação que deve ser dada ao artigo 2° § 2° da Lei 12.651/12 deve ser no sentido de inter-pretar-se a expressão “sucessão” em sentido amplo, abrangendo também as aquisições em sede de arrematação, preservando-se assim o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado.

Palavras-chave: Arrematação. Dano ambiental. Responsabilidade civil.

Abstract: In the attempt to make environmental protection effective, in some situations civil liability will fall upon an individual who did not cause the environmental risk or damage, as in the case of the buyer of property in a forest reserve that was deforested by the previous owner. Thus, in section 2, paragraph 2 of Law 12,651/12, the term “succession” must be interpreted in a broad sense, also encompassing purchases made in auctions, in order to preserve the essential right to a balanced environment.

Keywords: Auction. Environmental damage. Civil responsibility.

Resumen: En favor de la eicacia de la protección al medio ambi-ente, en algunas situaciones habrá incidencia de la responsabilidad civil sobre la persona que no causó el riesgo o el daño ambiental, como es el caso del adquiriente de inmueble en reserva forestal desmatada por el antiguo propietario. De este modo, la inter-pretación que debe ser dada al artículo 2° § 2° de la Ley 12.651/12 debe ser en el sentido de interpretar la expresión “sucesión” en sentido amplio, abarcando también las adquisiciones en sede de remate, preservándose así el derecho fundamental al medio ambiente equilibrado.

Palabras clave: Remate. Daño ambiental. Responsabilidad civil.

Disponível em: www.univali.br/periodicos

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O Código Florestal2estabeleceu a natureza propter rem para as obrigações decorrentes de danos ambientais. Consequentemente, o sucessor – de qualquer natureza -, no caso de transferência do domínio ou posse do imóvel, também responderá pelo passivo ambiental.

A extensão da responsabilidade civil pela reparação do dano ambiental para o arrematante é um tema que ainda não foi objeto de análise no âmbito do direito brasileiro. Se, de um lado, muitos airmam tratar-se a arrematação de aquisição de propriedade a título originário, de outro, há posicionamentos no sentido de que se trata de aquisição a título derivado. A adoção de um ou outro entendimento conduzirá à conclusão diversa, consoante será exposto nos capítulos subsequentes. A abordagem se torna ainda mais complexa nos casos em que o dano ambiental é oculto, em razão da boa-fé do terceiro adquirente.

Evidentemente, que a temática objeto do presente artigo, não pode ser analisada apenas a partir da natureza jurídica da aquisição em sede de arrematação, mas também de acordo com a Constituição Federal.

A perspectiva objetiva dos direitos fundamentais apresenta-se como a melhor alternativa para o enfrentamento da questão. Os direitos fundamentais transformam-se em princípios superiores, na condição de componentes estruturais da ordem jurídica, produzindo eicácia dirigente para o Estado e também em relação aos particulares. É a partir deste enfoque que o presente artigo se propõe a analisar a responsabilidade civil do arrematante pela reparação do dano ambiental.

2 Art. 2° § 2° da Lei 12.651/12.

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INTRODUÇÃO

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O CONSTITUCIONALISMO ECOLÓGICO EM CONSTRUÇÃO: O MEIO

AMBIENTE EQUILIBRADO COMO DIREITO FUNDAMENTAL E A

RELEVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO

E DA PRECAUÇÃO

O status de direito fundamental do meio ambiente: ao lado dos direitos sociais – direitos fundamentais de segunda dimensão -, emergiram os chamados direitos de terceira dimensão3, que, segundo Norberto Bobbio4, “constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata”. O mais importante desses direitos é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver em um meio ambiente equilibrado. Segundo Celso Lafer5,

Os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade, consoante proclama o autorizado magistério doutrinário.

3 Ao longo dos anos, os direitos fundamentais passaram por diversas transformações, tanto no que se refere ao seu conteúdo, quanto à sua titularidade, eicácia e efetivação. Tradicionalmente, costuma-se falar em três “gerações” de direitos. Todavia, há quem defenda a existência de uma quarta “geração” (Vide: BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 524-6). Ingo Wolfgang SARLET (A eicácia dos direitos fundamentais – Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 47) faz uma crítica à expressão “geração”, sugerindo a utilização da palavra “dimensão”, verbis: “Num primeiro momento, é de se ressaltarem as fundadas críticas que vêm sendo dirigidas contra o próprio termo ´gerações´ por parte da doutrina alienígena e nacional. Com efeito, não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais têm o caráter de um processo cumulativo, de complementari-dade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão ´gerações´ pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem preira o termo ´dimensões´ dos direitos fundamentais, posição esta que aqui optamos por perilhar, na esteira da mais moderna doutrina. Neste contexto, aludiu-se, entre nós, de forma notadamente irônica, ao que se chama de ´fantasia das chamadas gerações de direitos´, que, além da imprecisão terminológica consignada, conduz ao entendimento equivocado de que os direitos fundamentais se substituem ao longo do tempo, não se encontrando em permanente processo de expansão, cumulação e fortalecimento”.

4 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 10. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 06.


5 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de

Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 150.

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Assim, como direito de terceira dimensão, o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é inspirado no ideal de fraternidade, como forma de interligar os valores proclamados nas dimensões anteriores – direito de primeira dimensão (direitos civis e políticos) e direito de segunda dimensão (econômicos, sociais e culturais).

Nesse contexto, e já no âmbito da consagração normativa da proteção ambiental como direito humano e fundamental, no âmbito internacional6, a Declaração de Estocolmo das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano7,

de 1972, apresenta-se com o marco histórico-normativo inicial da proteção ambiental, projetando-se pela primeira vez no horizonte jurídico, especialmente no âmbito internacional, a ideia em torno de um direito humano a viver em um ambiente equilibrado e saudável, tomando a qualidade do ambiente como elemento essencial para uma vida humana com dignidade e bem-estar. Esse marco jurídico internacional de proteção do meio ambiente resultou consolidado na Declaração de Estocolmo, de 1992, por ocasião da Conferência das Nações Unidas (Eco-92), em que resultou proclamada a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que consigna, no seu Princípio 1° que “os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Tem direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza”. Por im, a Declaração e Programa de Ação de Viena (1993) ressaltou que o direito ao desenvolvimento deve satisfazer as necessidades ambientais e de desenvolvimento das gerações presentes e futuras8.

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