A renúncia à continuidade do mandato do Cipeiro significaria perda da garantia provisória no emprego?

AutorAlexandre Pimenta Batista Pereira
CargoJuiz do Trabalho Substituto do TRT da 3a Região
Páginas42-51

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1. Introdução

As rel exões do presente artigo são baseadas em um caso concreto, que este autor teve a oportunidade de sentenciar1. Mesmo não sendo uma situação de restrição da publicidade por segredo de justiça, tomou-se por bem omitir os nomes das partes, diante da inexistência do trânsito em julgado.

Trata-se de ação trabalhista na qual o obreiro pleiteia indenização substitutiva, decorrente do período de garantia provisória; relata que teria exercido a representação na CIPA durante o período, aproximado, de um ano na empresa. Antes do término do primeiro mandato, teria se candidatado à reeleição, enfrentando inúmeras dificuldades para conseguir lograr êxito no pleito eleitoral. Aponta que a empresa o teria transferido de seu posto original, imposto tempo diversificado (contrário a seu pleito de gozo) para a concessão de férias, além de outras situações a dificultá-lo nas eleições de mandato cipeiro.

De todo modo, mesmo com o quadro adverso, o reclamante logrou êxito na vitória de sua candidatura como representante da CIPA (Vice-Presidente), garantindo-lhe, pois, a estabilidade provisória no emprego, à luz do § 5º do art. 164 da CLT.

No entanto, destacou o reclamante que os companheiros que o apoiaram nas eleições teriam sofrido retaliações posteriores, com sucessivas dispensas no emprego. Com o escopo de evitar outras demissões, o obreiro teria desistido da continuidade no mandato, cedendo à pressão imposta. Para tanto, em reunião extraordinária na comissão, retirou-se da CIPA e declarou em cartório a renúncia ao período estabilitário.

A defesa salientou que o documento, com reconhecimento de firma em tabelionato, seria válido, com a declaração de desligamento do cipeiro, renunciando ao cargo de Vice--Presidente, com a comunicação realizada aos demais membros da comissão em reunião extraordinária. Ademais, sustentou que não teria havido na homologação da rescisão contratual qualquer ressalva do sindicato, argumentando, ainda, que o próprio autor teria pedido a formalização da rescisão para viabilizar o saque do FGTS.

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Poucos dias depois da formalização em cartório da declaração de renúncia à continui-dade do mandato da CIPA, a reclamada teria dispensado o obreiro na modalidade "dispensa sem justa causa".

A renúncia ao término do mandato implicaria perda da garantia provisória de emprego e, consequentemente, da indenização subs-titutiva? Há que se conceber validade ao ato de despojamento? A declaração notarial de renúncia à indenização seria nula? Poderia o reclamante desistir da continuidade do mandato de cipeiro e perder, por consequência, a estabilidade provisória definida em lei?

Eis algumas questões que se procurarão refietir e ponderar no presente ensaio.

2. Comissão Interna de Prevenção de Acidentes Topologia e refiexões

A CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) está inserida na importância do direito tutelar do trabalho, porque visa promover as condições de saúde do obreiro, atrelada à permanente preservação das condições hígidas no meio de labor.

A positivação da vedação da dispensa arbitrária do empregado eleito para o cargo de direção da CIPA encontra lastro no inciso II, a, do art. 10, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de sorte a vedar a dispensa sem justa causa "do empregado eleito para cargo de direção de Comissões Internas de Prevenção de Acidentes, desde o registro de sua candidatura até um ano depois do final de seu mandato".

A importância temática da comissão de prevenção de acidentes transcende a mera positivação de lei ordinária e atinge o patamar de uma perspectiva de direito humano, fundamental, tendo em vista a força normativa da Constituição e a máxima efetividade dos direitos fundamentais. A topografia do instituto supera, assim, a geografia ordinária e atinge o resguardo na Lex Legum.

De todo modo, o conceito estatuído no art. 163 da Consolidação das Leis do Trabalho, com redação dada pela Lei n. 6.514/77, induz a certa margem ampliativa de interpretação, na medida em que a lei não procura restringir os pressupostos de constituição da comissão, mas tão somente busca alertar para a importância da regulamentação no Ministério do Trabalho e Emprego no tocante aos requisitos de constituição da CIPA.

A este propósito, determina a CLT que "será obrigatória a constituição de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), de conformidade com instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho, nos estabelecimentos ou locais de obra nelas especificadas".

Com efeito, a Norma Regulamentadora n. 5 do MTE, com redação aprovada pela Portaria n. 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego, esmiúça as características e os pressupostos da CIPA, fazendo referência à abrangência em todas as empresas (públicas e privadas), no que toca ao número de representantes na comissão, ao mandato dos representantes (eleitos e designados), atribuições, funcionamento, inclusive em referência ao processo eleitoral.

O conceito de dispensa arbitrária (sem justa causa) do cipeiro encontra azo no art. 165 da CLT, ao dispor que "os titulares da representação dos empregados na(s) CIPA(s) não poderão sofrer despedida arbitrária, entendendo-se como tal a que não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro".

Em verdade, o item 5.8 da NR-5 do MTE não salienta a possibilidade da relativização da garantia provisória de emprego do cipeiro, à medida que não apresenta o motivo fundante da perda do período estabilitário (como consagrado no art. 165 celetário). Ao contrário, apenas traz consigo a regra de quarentena, ao dispor sobre a vedação da dispensa arbitrária, desde o registro de sua candidatura até um ano depois do final de seu mandato.

Assim, a estabilidade do cipeiro não constitui vantagem pessoal, nem mesmo está a proporcionar uma garantia absoluta ao emprego,

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nos termos da jurisprudência consolidada pela Súmula n. 339, II, do TST. Ancorado no disposto celetista, a garantia provisória de emprego ao cipeiro pode ser interrompida quando o empregador apresente uma motivação de término do vínculo laboral, fundado em fatores disciplinados pela lei, em referência à justificativa de origem disciplinar, técnica, econômica ou financeira.

A este propósito, cumpre enfatizar que, na Alemanha, a situação da dispensa é estudada em atenção ao princípio do prognóstico (Prognoseprinzip), como medida de cotejo ao grau de distúrbio da relação jurídica a justificar o rompimento - em consonância à impossibilidade de permanência do vínculo - e também em vista da concretização de um juízo de razoabilidade e ponderação (Grundsatz der Verhältnismäßigkeit) quanto ao pressuposto e razão motivadora da dispensa, buscando, sobretudo, concretizar a viabilidade de futura ocupação ao empregado2.

A lei alemã de proteção à dispensa - Kündigungsschutzgesetz (KSchG) de 1951 - segue a linha de raciocínio por, primeiro, fixar o patamar geral de proteção à dispensa, que contraria preceito de ordem pública (Sozial ungerechtfertigte Kündigungen) e, em seguida, determinar a especificação concreta de proteção aos representantes da empresa (Kündigungsschutz im Rahmen der Betriebsverfassung und Personalvertretung).

Por seu turno, a lei de constituição das empresas - Betriebsverfassungsgesetz (BetrVG) - dispõe no § 103 a hipótese excepcional de despedida dos representantes, a exigir o consentimento do conselho de fábrica (Betriebsrat), podendo ser suprido, de modo excepcional e subsidiário, por autorização judicial.

3. Achegas ao princípio da irrenunciabilidade no direito laboral É certo que o âmago estrutural do direito laboral está consagrado no predicado de inferioridade do obreiro na relação jurídica O direito social fundamenta uma teia de proteção para mitigar a exploração capitalista e proteger o hipossuficiente na relação de nítido conteúdo...

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