Da necessidade de releitura da Lei n. 7.783/89 para garantia plena do direito de greve como direito fundamental na Constituição cidadã

AutorSilvana Andrade Sponton
Ocupação do AutorAdvogada, relações trabalhistas e sindicais. Professora universitária. Mestranda em Efetividade dos Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho pela PUC-SP
Páginas117-127

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Ver nota 1

1. Introdução

Antes de adentrar ao ponto central do tema, serão tecidos breves comentários acerca dos conflitos coletivos, ressaltando-se a greve como o movimento de maior expressão.

Isto porque, é importante destacar a necessidade de uma evolução concomitante entre o Direito e a sociedade, para melhor compreensão do questionamento sobre os requisitos impostos ao exercício do direito de greve consignados na Lei n. 7.783/89.

Reconhecido como direito fundamental pela Constituição Federal, a regulamentação do direito de greve pela Lei n. 7.783/89 apresenta resquícios do modelo fascista da Lei anterior, n. 4.330/64 e compromete a máxima eficácia intrínseca aos direitos fundamentais, razão pela qual se indaga a necessidade de revisão do atual modelo, em prol do acompanhamento da evolução das relações de trabalho.

Desta forma, em meio aos debates jurídicos, econômicos e políticos, versando sobre a flexibilização das leis trabalhistas, ressalta-se nesta obra a necessidade de uma releitura da Lei n. 7.783/89, haja vista a plena garantia do exercício do direito de greve, uma vez que sua natureza jurídica de direito fundamental requer a busca da sua máxima eficácia, a qual somada ao caráter instrumental atenderia à concretização de outros direitos fundamentais, basilares à garantia e manutenção da dignidade da pessoa humana, por sua vez cerne axiológico do ordenamento e também da hermenêutica, especialmente tratada pelo modelo pós-positivista.

2. Conflitos Coletivos
2.1. Greve - Do conceito de marginalização ao reconhecimento como direito fundamental

Os conflitos coletivos receberam, ao longo dos anos, tratamento hostil e grande resistência por parte dos operadores do direito, sendo a greve o instituto de

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maior expressão. Embora essencial para a conquista de direitos e, mesmo após o seu reconhecimento pelo ordenamento positivo, a greve ainda é interpretada por parte da sociedade como um movimento marginal.

Todavia, é preciso lembrar que o movimento grevista é o mecanismo utilizado pelos trabalhadores, após esgotados todos os meios possíveis de negociação, ou seja, trata-se da ultima ratio e assim, posterior ao intenso e infrutífero debate negocial entre as partes.

Os conflitos coletivos são inerentes à sociedade, daí porque alcançam evidência quando retratados numa relação de clara e reconhecida desigualdade natural, inerente às relações trabalhistas.

Inegável a fundamentalidade do conflito, como ressalta Uriarte, "o conflito é parte essencial da trilogia básica que compõe a liberdade sindical, num sentido amplo, e com ela interage em igualdade de condições".2

Equivale dizer que o conflito é o meio pelo qual o trabalhador alcança equilíbrio de forças junto ao empregador, o que torna a negociação coletiva, bem como a greve, mecanismos essenciais para o progresso social.

Nada obstante, não apenas nas relações de trabalho, o conflito assume tamanha relevância na concretização do progresso, posto que "Ao mesmo tempo, no terreno das ciências físicas e químicas, constata-se hoje que há mais sistemas instáveis do que estáveis, a ponto de só se poder falar de "sistemas" em situações de não equilíbro, e que os fenômenos de desequilíbrio não só provocam aumento da desordem, mas também têm um papel constitutivo muito importante: não haveria vida, nem mudanças, nem progresso, nem evolução, nem sequer tempo, numa situação de equilíbrio absoluto, de estabilidade total"3.

Assim, cabe questionar se o modelo atual atinge satisfatoriamente os anseios intrínsecos ao direito fundamental de greve.

Considerando que o modelo político do Estado influencia diretamente o respectivo ordenamento, o enquadramento jurídico da greve seguiu a mesma sorte, caracterizada ora como delito, ora como liberdade, até seu reconhecimento como direito.

No Brasil, a greve foi reconhecida como direito, em 1945, após sua participação na conferência de Chapultepec, quando assinou recomendação, cujo conteúdo protegia o instituto.

Ocorre que a regulamentação trazida com o Decreto n. 9.070/46 limitava o exercício do direito, e a posterior Lei n. 4.330/64 foi objeto de longo debate na doutrina, haja vista a garantia constitucional do direito e os critérios restritivos da lei ordinária.

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Isto porque, embora reconhecido o direito, a Lei n. 4.330/64, elaborada sob forte influência do modelo fascista italiano, impunha tantas limitações, que fora denominada Lei Antigreve e, nas palavras de Segadas Vianna, era um eufemismo considerar reconhecido o direito de greve no país.

Finalmente, com o modelo democrático e a Constituição Federal de 1988, o Brasil reconhece o direito de greve, dispondo em seu art. 9º, caput: "É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender". E em 1989 o direito de greve foi regulamentado pela Lei n. 7.783.

Todavia, inegavelmente, a Lei n. 7.783/89 possui resquícios da Lei n. 4.330/64, em razão das condições impostas ao exercício do direito de greve, tornando indispensável o debate acerca da finalidade e, sobretudo, da busca pela máxima eficácia desse direito fundamental.

Curiosamente, os frequentes debates versam sobre a necessidade da evolução do direito concomitante à evolução da sociedade, porém ignoram o instituto da greve, especialmente no que tange aos seus mecanismos de concretude, evidenciando a nítida resistência que ainda encontra, não só no seio da sociedade, mas também entre os operadores do Direito: é que a cultura jurídica tem uma irreprimível veneração pela ordem social (...), um amor pela ´composição de interesses´, que parecem deixar pouca margem para o conflito (...). Por conseguinte, a reação "natural" do operador perturbado com o fenômeno é tentar limitá-lo; e uma das formas de fazê-lo é deslegitimar algumas de suas modalidades e manifestações (...)4.

De qualquer sorte, insta ressaltar que a greve é um direito fundamental, protegido pelo art. 9º da Constituição Federal, essencial ao alcance e concretização de outros direitos fundamentais. Logo, imprescindível a busca de sua máxima eficácia, sendo injustificável esquivar-se deste debate.

3. A greve como direito fundamental

Preliminarmente, indaga-se: a greve como direito fundamental é um direito absoluto? Considerando a inexistência de direitos absolutos, a greve é um direito relativizado pela Lei n. 7.783/89, pelo ensinamento de José Afonso da Silva:

A greve não é um simples direito fundamental, mas um direito fundamental de natureza instrumental e desse modo se insere no conceito de garantia constitucional, porque funciona como meio posto pela Constituição à disposição dos trabalhadores, não como bem aferível em si, mas como um recurso de última instância para a concretização de seus direitos e interesses.5

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Entretanto, a legislação não conceitua greve, apenas legitima o movimento quando preenchidos os requisitos impostos pela Lei n. 7.783/89, extraindo-se do seu art. 2º:

Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.

O ordenamento português igualmente não conceitua greve, daí porque "da falta de uma definição legal de greve não pode extrair-se nenhum conceito de greve"6.

Esta restrição constitucional ajuda a explicar a omissão da lei no que toca à definição da greve como objecto de um direito. O legislador não terá ‘querido’ definir a greve justamente porque, se o fizesse, teria que calar qualquer referência finalística; e, sem tal referência, o fenômeno ficaria por caracterizar. O elemento intencional da paralisação é, com efeito, decisivo para que possa ver-se nela uma greve e não um aglomerado de violações contratuais; definir a greve em sentido jurídico implica referir esse elemento, mas referi-lo poderia facilmente redundar em limitá-lo - e é isso que a lei ordinária não...

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