A Regra da Preclusividade das Decisões Judiciais Frente à Situação Anômala da Revogação de Liminares e da Utilização do Atípico Pedido de Reconsideração

AutorFernando Rubin
CargoAdvogado do Escritório de Direito Social Mestre em Processo Civil (UFRGS) Professor da Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis ? UNIRITTER, Laureate International Universities
Páginas23-30

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I Introdução

A vançando nos estudos do processo civil e do instituto da preclusão, chega a oportunidade de investigarmos as preclusões dos atos para o Estado-juiz no âmbito das temáticas (a) da revogação da ordem liminar, de antecipação do mérito ou cautelar, e (b) da utilização razoável do pedido de reconsideração no atual ordenamento processual pátrio1.

A preclusão deve ser compreendida como um instituto que envolve a impossibilidade, por regra, de, a partir de determinado momento, serem suscitadas matérias no processo, tanto pelas partes como pelo próprio juiz, visando-se precipuamente à aceleração e à simplificação do procedimento. Integra sempre o objeto da preclusão, portanto, um ônus processual das partes ou um poder do juiz; ou seja, a preclusão é um fenômeno que se relaciona com as decisões judiciais (tanto interlocutória como final) e as faculdades conferidas às partes com prazo definido de exercício, atuando nos limites do processo em que se verificou.

A preclusão é, pois, instituto complexo que se manifesta em diversas vertentes, seja para as partes seja para o Estado-juiz. Pode-se melhor desenvolver esta assertiva reconhecendo que, pelo menos, em cinco momentos típicos é destacada a participação da técnica: a) preclusão para a parte referente ao ato de recorrer de sentença; b) preclusão para a parte referente ao ato de recorrer de decisão interlocutória de maior gravidade; c) preclusão para a parte referente ao ato de recorrer de decisão de menor gravidade; d) preclusão para a parte referente aos atos para o desenvolvimento do procedimento; e) preclusões para o Estado-juiz.

Em relação à preclusão atuante sobre o Estado-juiz, vige a regra, prevista no art. 471 e também no art. 463, de que não pode o magistrado decidir novamente as questões já decididas no processo; cabe, pois, neste momento, investigarmos se não contraria indevidamente essa atuação tradicional e justificada do instituto, a revogação oficiosa de uma ordem liminar e a reconsideração de um despacho em razão de pedido da parte desprovido de formalidades previstas no código processual.

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II Regra da preclusividade das decisões judiciais e a situação anômala das liminares: tutela antecipada de mérito e tutela cautelar

A noticiada regra da preclusividade das decisões judiciais vale para a hipótese de revogação da tutela antecipada, mas com algumas peculiaridades (situação anômala das liminares).

Uma vez concedida a medida liminar, em face de pedido fundamentado da parte suplicante, e não existindo interposição de recurso tempestivo, parece-nos que o magistrado está impedido de revisitar o tema, sem que haja alteração fática ou probatória nos autos – mesmo que passe a entender nesse momento de maneira diversa do anterior entendimento firmado sobre a presença dos requisitos autorizadores da tutela de urgência2.

Agora, avançando um pouco mais na problemática, poder-se-ia perquirir se nos casos de efetiva alteração fática ou probatória nos autos, após melhor instrução do feito, poderia o magistrado vir a, de ofício, revisitar o tema, passando a imediatamente revogar ordem liminar antes concedida; ou se seria necessário o pedido da parte prejudicada para que nova decisão fosse tomada3.

Temos que merece maior consideração a segunda corrente, embora haja ressalvas mais contundentes no que toca especialmente à liminar cautelar.

A teoria encampada pela primeira corrente, de que pode haver revogação ex officio da antecipação de tutela em benefício do réu, diante de modificação de situação fática/probatória, foi assumida, por maioria, pelo STJ, no REsp 193.298/MS4. A favor da tese capitaneada pelo ministro Teori Zavascki5, colocaram-se os mi-nistros Ari Pargendler, Menezes Direito e Nancy Andrighi, restando como votos vencidos, que mantinham o entendimento da origem, os dos ministros Waldemar Zveiter e Pádua Ribeiro.

Interessante que o relator vencido, ministro Waldemar Zveiter, no corpo do voto, indica o que seria a correta exegese do art. 273, § 4°, do CPC, mas sugere que para o caso de cautelares a solução seria outra, podendo o julgador, daí, sim, revogar a liminar de ofício. No nosso sentir, não parece precisa a posição do relator nesse item: o art. 805 do CPC permite a substituição da liminar de ofício por medida menos gravosa, mas não há referência expressa no art. 807 do CPC sobre o poder de, independente de postulado pela parte interessada, vir o magistrado a revogar ou modificar a liminar, razão pela qual nos parece realmente que o mesmo raciocínio desenvolvido para a tutela antecipada aqui deve prevalecer, no sentido da vedação da revogação ex officio. Em consonância com a tese aqui encampada, Humberto Theodoro Jr. explica que, surgidas as medidas liminares, gera situação jurídica definida e estável para as partes, de modo que “podem ser revogadas ou modificadas, não ex officio, mas com obediência ao procedimento cautelar comum, cabendo a quem sofreu a medida alegar e provas que as coisas e as circunstâncias mudaram”6.

Estabelece-se assim uma identidade entre o que dispõem os arts. 273, § 4° (tutela antecipada), e o 807 (tutela cautelar), ambos do CPC, tendo eles, inclusive, semelhante redação. Esse também é o posicionamento adotado por Teresa Arruda Alvim Wambier, a qual sustenta que somente no excepcional caso de mandado de segurança poder-se-ia cogitar de revogação de ofício da liminar concedida7 – hipótese essa, devemos observar, que muito dificilmente iria realmente se suceder, especialmente em razão da brevi-dade do rito no mandado de segurança (em que não há espaço para a instrução processual), razão pela qual entendemos que a liminar concedida inicialmente na segurança deveria novamente ser analisada tão somente no momento da prolação da sentença, quando em sede de cognição exauriente a medida inaudita altera pars poderia ser ratificada ou retificada.

Temos que reconhecer, de qualquer forma, que a polêmica quanto à possibilidade de revogação de ofício da liminar é mais intensa ao se debater o tema em sede cautelar, especialmente tendo em conta o condensado poder geral de cautela, referido no art. 797 do CPC, a autorizar, segundo alguns juristas (como Galeno Lacerda e João Batista Lopes8), que pudesse o julgador excepcionalmente conceder a tutela de urgência mesmo sem requerimento expresso da parte demandante. Levando em consideração essa premissa, se poderia o juiz conceder de ofício a liminar cautelar, bem poderia revogá-la da mesma forma, sem requerimento expresso da parte demandada. Ademais, é corrente o raciocínio de que a partir do momento em que a cautela se mostra indevida, não se poderia tolerar que, diante de sua natural temporariedade e instabilidade, possa continuar produzindo os efeitos e assumindo feição de antitutela, ainda que se trate de interesses disponíveis9.

Daí concluir Daniel Amorim Assumpção Neves, ao tratar da revogação (de ofício) da tutela de urgência em sede cautelar, que o juiz tem “maior liberdade no que

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tange a essa espécie peculiar de tutela, principalmente quando é concedida em sede liminar”; no entanto, em relação à sorte da tutela antecipada prevista no art. 273, § 4°, bem como no art. 461, § 3°, reconhece o autor que uma nova situação fática abre na verdade possibilidade para uma nova decisão, que somente poderia ocorrer por provocação da parte interessada e não seria propriamente uma revogação da anterior (liminar), mas se tiver conteúdo em sentido contrário, por certo faria com que perdesse seu objeto10.

Na mesma direção parece caminhar Elpídio Donizetti, ao passo que registra autorizar o art. 273, caput, do CPC, tão somente que a tutela antecipada seja pleiteada pela parte, não aludindo, concluímos, a respeito da possibilidade oficiosa da medida. Na verdade, salienta o jurista nominado, o dispositivo infraconstitucional fala em “parte” e não em “autor” (de qualquer forma, nunca em “Estado-juiz”): “assim, nas ações dúplices, nas processadas sob o rito sumário, bem como nos procedimentos que admitem reconvenção, pode o réu pleitear a tutela antecipada; também o opoente, o denunciado e o autor da ação declaratória incidental podem postular tutela antecipada”11.

Menos dúvidas há, portanto, quanto à impossibilidade de (concessão e consequentemente de) revogação ex officio determinada pelo juiz em sede de tutela antecipada (art. 273, § 4°, e art. 461, § 3°, ambos do CPC), onde inclusive não haveria espaço para a concessão de liminar de ofício, em face da aplicação inconteste do princípio dispositivo em sentido material ou próprio – a impedir que o julgador, em manifesta que-bra de sua imparcialidade, antecipe o mérito sem pedido do autor e sem participação ativa do réu, ainda não angularizada a relação jurídica processual12.

Sob outro aspecto, ainda há de se privilegiar a tese mais conservadora, ora acolhida (inclusive, persistimos entendendo, para a revogação de liminar em sede cautelar): é que, como bem explica Marinoni, trazendo à baila lição de Ovídio Baptista, a antecipação de tutela pode, em
casos excepcionais,
ser mantida ainda
que o juiz se incline mais favoravelmente à tese da inexistência do direito
afirmado, quando a
revogação prematura do provimento
liminar, ou mesmo
da medida cautelar,
representa prejuízo irremediável à
parte que vem sendo favorecida e que merece consideração no caso concreto13.

Pensemos em um exemplo, em que se cogite de utilização do art. 273, § 4°, do CPC: tutela de urgência concedida a segurado para que permaneça em benefício (de caráter alimentar) junto ao órgão previdenciário, em face do conjunto documentalmédico que autoriza se concluir pela sua incapacidade laborativa; mesmo vindo laudo oficial que...

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