Regime Jurídico dos Contratos de Crédito aos Consumidores: Algumas notas

AutorSusana Ferreira Dos Santos
CargoProfessora assistente do Instituto Politécnico de Bragança
Páginas125-139

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Excertos

"De forma generalista, durante quase duas décadas em Portugal, a concessão de crédito consubstanciava-se nos seguintes comportamentos, v.g.: instituições de crédito e sociedades inanceiras emprestavam dinheiro facilmente, sem averiguar se o consumidor tinha ou não condições para pagar o crédito contraído; falta de supervisão por parte do Banco de Portugal, a suposta entidade de supervisão; falta de honestidade de alguns mediadores do crédito; existência de publicidade enganosa, de mensagens artiiciosas, de juros manhosos, logro nas taxas nominais; existência de práticas comerciais desleais..."

"O principal objetivo da informação pré-contratual é facultar ao consumidor ‘as informações necessárias para comparar diferentes ofertas, a im de tomar uma decisão com conhecimento de causa quanto à celebração de um contrato de crédito’"

"O dador do crédito deverá veriicar as informações prestadas pelo consumidor - eis uma das principais novidades do novo regime jurídico"

"Uma vez avaliada a solvabilidade do consumidor e se o vendedor do crédito chegar à conclusão de que esta não existe, este deverá informar aquele imediata, gratuita e justiicadamente da sua decisão em não conceder o crédito"

"No direito do consumo, tal como acontece em muitos ramos do direito, proliferam as diretivas comunitárias"

"O contrato de crédito deve especiicar os seguintes elementos: tipo de crédito; identiicação e endereço geográico do credor ou do mediador; montante total do crédito; duração do contrato de crédito; a taxa nominal; a TAEG e o montante total imputado ao consumidor; tipo, montante, número e a periodicidade dos pagamentos"

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"Consumimos, portanto existimos" homaz Wood

1. Introdução

O Regime Jurídico dos Contratos de Crédito ao Consumidor é uma das matérias que se tem destacado no Direito do Consumo em Portugal. A partir da década de 90, assistiu-se à abertura do mercado de crédito aos consumidores e à crescente importância do tema no ordenamento jurídico português. Estamos perante um "negócio de utilização" muito "frequente no comércio jurídico"1.

O crédito é, essencialmente, a troca de uma prestação presente por uma prestação futura e constitui um fator fundamental para o desenvolvimento económico, desempenhando um papel de relevo na melhoria da qualidade de vida das famílias.

Reconheça-se que o crédito em si não é um problema: se um cidadão contrair um crédito para aquisição de bens de consumo e auferir rendimentos suicientes para o pagar de forma diferida, essa opção poderá até ser uma forma de gerir o próprio orçamento familiar.

Preocupante é o sobre-endividamento: o consumidor endivida-se acima das suas capacidades inanceiras, não conseguindo honrar os seus compromissos. O sobre-endividamento é habitualmente apelidado de endividamento crónico ou de superendividamento: "quando afeta a renda do devedor ou até a supera"2.

Como refere Diógenes Faria de Carvalho, "fazemos parte de uma sociedade de consumidores que julga e avalia seus integrantes principalmente por sua capacidade e conduta relativa ao consumo". Passou-se, então, a "viver com" e não a "viver para", por outras palavras, a era do "ser" deu lugar à era do "ter". A sociedade hodierna é uma "sociedade voltada para a cultura de consumo, que reduz o indivíduo à condição de consumidor como consequência da autonomização do sistema de produção"3.

2. Enquadramento legal

O primeiro diploma a regular o regime jurídico dos contratos de crédito em Portugal foi o Decreto-Lei 359/1991, de 21 de setembro4. Antes da

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aprovação deste diploma, esta matéria era regulada pelos artigos 934º a 936º do Código Civil, bem como pelo Decreto-Lei 457/1979, de 21 de novembro, respeitantes às vendas a prestações.

O Decreto-Lei 359/1991, de 21 de setembro, foi revogado pelo DecretoLei 133/2009, de 2 de junho, o novo regime jurídico dos contratos de crédito aos consumidores (LCC). E alterou-se a designação de crédito ao consumo para crédito ao consumidor. Esta nova lei resultou da transposição da Diretiva 2008/48/CE, do Parlamento e do Conselho, de 23 de abril de 2008, que pretendeu que os Estados-membros adotassem medidas de incentivo a práticas responsáveis no mercado de crédito (estas práticas responsáveis não têm apenas como destinatários os dadores de crédito, mas também os próprios consumidores).

No direito do consumo, tal como acontece em muitos ramos do direito, proliferam as diretivas comunitárias. Trata-se de um instrumento de harmonização, de compatibilização entre os vários ordenamentos jurídicos europeus; impõe um im, mas como atingir esse im ica à discricionariedade de cada um dos Estados-membros da União Europeia.

A lei nova entrou em vigor no dia 1º de julho de 2009; e quanto à questão da aplicação da lei no tempo, existe um regime transitório: todos os contratos celebrados até essa data são regulados pelo Decreto-Lei 359/1991, de 21 de setembro, conforme dispõe o artigo 34º da LCC. Vamos assistir à aplicação simultânea dos dois diplomas durante alguns anos. Aliás, existe ainda pouca jurisprudência dos tribunais superiores portugueses em que o diploma aplicável seja o novo regime jurídico dos contratos de crédito aos consumidores5.

Na relação contratual do crédito ao consumidor, temos dois sujeitos: o dador ou vendedor de crédito e o consumidor ou tomador de crédito. Existem sobretudo dois tipos de instituições que concedem crédito: as instituições de crédito, em particular os bancos, e as sociedades inanceiras, com destaque para as sociedades inanceiras para aquisição a crédito6.

3. Inversão do paradigma

O novo regime incentiva à concessão de crédito responsável, em contraposição à concessão de crédito irresponsável, apelidado pelo professor Mário Frota como "crédito selvagem".

De forma generalista, durante quase duas décadas em Portugal, a concessão de crédito consubstanciava-se nos seguintes comportamentos,

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v.g.: instituições de crédito e sociedades inanceiras emprestavam dinheiro facilmente, sem averiguar se o consumidor tinha ou não condições para pagar o crédito contraído; falta de supervisão por parte do Banco de Portugal, a suposta entidade de supervisão; falta de honestidade de alguns mediadores do crédito; existência de publicidade enganosa, de mensagens artiiciosas, de juros manhosos, logro nas taxas nominais; existência de práticas comerciais desleais...

Face ao anterior regime, as principais novidades legislativas são as seguintes: aumento das operações excluídas da aplicação do novo regime jurídico, bem como do número de menções que deve obrigatoriamente constar do contrato de crédito; regula-se especiicamente a atividade publicitária; existem novas regras sobre informações pré-contratuais; o credor tem que obrigatoriamente avaliar a solvabilidade do consumidor do crédito; estendeu-se o procedimento aos garantes; aumento do prazo para o consumidor do crédito se arrepender da celebração do contrato (dos 7 dias úteis para 14 dias de calendário) e impossibilidade de renunciar a este direito; novos elementos na noção de contrato de crédito coligado; novo regime do reembolso antecipado; novas regras quanto ao incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor e quanto aos mediadores do crédito, entre outras.

4. Informações pré-contratuais

O dever de informação está consagrado no artigo 60º da Constituição da República Portuguesa, bem como no artigo 8º da Lei de Defesa do Consumidor7. Como refere o próprio preâmbulo do novo regime, um dos aspetos inovadores respeita ao dever de informação: esta deverá ser clara, completa e verdadeira.

Trata-se de informação clara e precisa nos preliminares - quer na publicidade, quer nas informações pré-contratuais; na conclusão do contrato de crédito e na sua própria execução, sem qualquer espécie de coação, inluência indevida ou assédio8.

No que toca à publicidade, exige-se uma série de elementos de informação normalizados, através de um exemplo representativo: a taxa nominal e outros encargos incluídos no custo total do crédito; o montante total do crédito; a taxa anual de encargos efetiva global (TAEG); a duração do contrato se for o caso; o preço a pronto e o montante de um eventual pagamento de sinal, no caso de um crédito sob a forma de pagamento diferido para um produto

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ou serviço especíico; o montante total imputado ao consumidor e o das prestações, se for o caso.

Embora não nos sintamos confortáveis no que concerne ao cálculo e informação do preço do dinheiro no crédito ao consumo, consideramos importante mencionar que a TAEG é a soma da taxa efetiva, mais outros encargos, tais como comissões, impostos, seguros. Numa só expressão, está em causa o "custo total do crédito", de acordo com uma fórmula matemática anexa à LCC. Todavia, calcular a taxa anual de encargos efetiva global não é, de todo, tarefa fácil9:

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Qual o valor máximo da TAEG? Há...

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