O regime de compensação de horas no direito do trabalho Brasileiro à luz da proteção social constitucional

AutorFábio Túlio Barroso
Páginas359-364

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A Constituição da República que estabeleceu um standard de proteções sociais aos trabalhadores que permite ir além dos elementos formais previstos no rol do seu art. 7º, ao estabelecer no seu caput que a melhoria da condição social do trabalhador deverá seguir as normas ali presentes, além de outras, sem definir de qual natureza serão, desde que o desiderato ali presente seja atingido, com o mínimo de garantia e segurança jurídica para o trabalhador.

Nessa ordem, há previsão constitucional no sentido de que as normas trabalhistas, em regra, sigam esta teleologia, a da melhoria da condição social ao trabalhador, coadunando-se com o princípio da norma mais favorável presente no sistema jurídico, ainda no período anterior à nova Carta Política. Por isso, que via de regra também, ao reconhecer no seu inciso XXVI as convenções e acordos coletivos de trabalho, estas fontes formais autônomas deverão estabelecer condições de trabalho in melius para os trabalhadores.

A mesma Carta Maior permite, contudo, o desvirtuamento da condição mínima normativa de proteção ao trabalhador apenas se for por meio de norma coletiva, onde a condição necessariamente deverá ser objeto de negociação coletiva, ou seja, um modelo de flexibilização laboral com a participação da entidade sindical, como se tem dos incisos VI, XIII e XIV do próprio art. 7º.

Por sua vez, com o advento da Lei n. 9.601/98, que possuiu a finalidade formal de criar novos postos de trabalho, mas que no seu art. 6º estabeleceu a regulamentação do inciso XIII do art. 7º da Constituição, justamente da compensação de horários, foi iniciada mais uma celeuma sobre o tema da compensação de jornadas no país.

A aparição do art. 6º na referida lei, que versa sobre tema distinto da matéria principal tratada no texto legal, lhe deixou em situação técnico-legislativa imprecisa, por não coincidir os objetos fundamentadores das diferentes normativas dispostas no mesmo texto legal, que foram no sentido de criação de novos postos formais de trabalho, de natureza temporária, sem que houvesse uma ou mais de uma condição presente no § 1º do art. 443 consolidado, desde que estabelecido em cláusula de norma coletiva.

É evidente a dissonância do tema tratado no art. 6º da lei com o resto das normas contidas no corpo do diploma legal, que contrasta com a perfeita técnica legislativa. Isso porque a referida lei pretendia em tese estabelecer critérios formais de criação de novos postos de trabalho, o que entra em choque com a possibilidade da compensação da jornada prevista na norma constitucional, visto que, se há dilação da jornada com sua compensação posterior, naturalmente será reduzida a possibilidade de contratação de novos trabalhadores.

Cabe registro que a redação do art. 6º da Lei n. 9.601/96 foi no sentido de alterar o conteúdo da norma consolidada, em especial do art. 59, § 2º, para possibilitar que houvesse a regulamentação da compensação de jornadas, ou seja, a compensação da jornada proposta pelo art. 6º da Lei n. 9.601/98, que revoga o § 2º do art. 59 consolidado e cria o § 3º do mesmo artigo, legalizou uma nova forma de compensação da prestação laboral, ao descaracterizar as horas extraordinárias prestadas pelo trabalhador e ao reduzir a jornada de acordo com a demanda de serviços das empresas, como medida de flexibilidade e ajuste1, uma vez pactuado, segundo o seu texto, por meio de norma coletiva e que não exceda o prazo disposto na lei para que se efetue a compensação de horas, inicialmente cento vinte dias, mas ampliado para um ano.

Em relação ao tempo máximo diário trabalhado, não deve superar as dez horas.

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Em síntese, o que se tem em comum entre as normas gerais da Lei n. 9.601/98 que tratam do contrato de trabalho temporário e sem causa e o conteúdo do seu art. 6º é a finali-dade de se estabelecer elementos de flexibilização do Direito do Trabalho.

Assim, tem-se a partir de 1998 um regime jurídico diferenciado e regulado para a possibilidade da compensação da jornada, conforme normas presentes na CLT, que limitam a forma da compensação da jornada, em respeito ao conteúdo constitucional.

Por sua vez, é preciso deixar clara a finalidade da implementação do modelo de compensação de jornadas, entendido este como um gênero, mas que, por questões metodológicas e práticas, será desdobrado adiante, ao ser explicado como compensação de jornada de trabalho e banco de horas, conforme previsão de Súmula do TST.

Isso porque a necessidade de alteração do padrão de horas à disposição do empregador está de acordo com o modelo de flexibilidade interna, como uma política de Estado para as relações de trabalho:

(...) cuja verdadeira finalidade é flexibilizar a distribuição da jornada ao máximo para adaptar da melhor forma o tempo de trabalho e as funções desenvolvidas pelo empregado às necessidades de demanda das empresas, que necessitam de uma distribuição irregular das horas de prestação dos serviços. Esta adaptação irregular dos horários de trabalho obedece a uma dupla via (econômico-política): aumento dos benefícios empresariais e fragmentação da unidade do coletivo dos trabalhadores, o que evidencia outra consequência, o aumento da imposição de poder empresarial.

A determinação do modelo proposto para a modificação da compensação da jornada em comento obedece a diretrizes de ajuste da demanda empresarial em momentos em que a mão de obra pode ser prescindível. Ajustam-se as horas da execução dos serviços do empregado na empresa para obedecer a uma forma de flexibilidade interna, em manter o nível de trabalhadores assalariados em período de baixa produção como consequência do próprio negócio2.

Naturalmente que esta estratégia acaba por externalizar o risco do negócio empresarial, repassando a responsabilidade da atividade empregatícia para o empregador, importante forma de desvirtuamento dos pilares do Direito do Trabalho, inclusive reduzindo o custo do fator trabalho, ao descaracterizar o instituto das horas extras, com o pagamento do seu adicional.

Da forma de pactuação da compensação de jornada

Deve-se levar em conta quando se trata da forma de regulação da compensação da jornada que a Constituição foi clara no seu art. 7º, XIII, que deverá se dar por meio de norma coletiva, como se tem da sua literalidade:

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; detalhes;

O que fica claro é que mesmo sendo estabelecida uma forma de flexibilizar a jornada de trabalho, deverá ser respeitado pelo legislador a necessidade de que tal modalidade de modificação do lapso temporal se dê, incondicionalmente por meio de norma coletiva, com o respeito ao conteúdo originário da norma constitucional, que estabelece tal necessidade.

Contudo, antes da nova regulamentação, o conteúdo consolidado dava ensejo a uma pactuação diretamente entre os trabalhadores e empregadores, como se tem do conteúdo da norma anterior, abaixo transcrita:

Art. 59. A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho.

(...)

§ 2º do art. 59 da CLT (revogado): Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou contrato coletivo, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda o horário normal da semana nem seja ultrapassado o limite máximo de 10 horas.

Ainda assim, pela natural assimetria existente entre os sujeitos do contrato de trabalho, tampouco era pacífica a possibilidade e a validade do acordo entre empregador e empregado, ainda que fosse por meio de documento por escrito3, estabelecendo cizânia doutrinária e jurisprudencial, o que...

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