Reformas processuais: Sistematização e perspectivas

AutorFernanda Medina Pantoja
CargoMestranda em Direito Processual Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pós-Graduada em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – Rio de Janeiro. Advogada.
Páginas143-166

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1. Introdução

Muito se tem escrito sobre as recentes leis de reforma da legislação processual civil brasileira, todas integrantes do que se convencionou chamar a "3ª Etapa da Reforma Processual". Desde a promulgação da Lei nº 11.187/2005, que generalizou o agravo das decisões interlocutórias na forma retida, já foram editadas diversas outras leis, sobre matérias que variam da alteração estrutural da execução por títulos judicial e extrajudicial à informatização dos procedimentos judiciais. Aguarda-se, ainda, a aprovação de outros tantosPage 144projetos, que uma vez convertidos em lei, passarão também a fazer parte desta aclamada 3aetapa.

Pôde-se observar que os artigos dedicados ao exame da nova legislação restringem-se, por vezes, a um estudo pontual dos dispositivos alterados, sem a preocupação de balizar as três etapas da reforma, identificar as leis que as compõem e registrar, de modo amplo, suas principais novidades. Desta exposição sistemática, carecem especialmente os mais jovens estudiosos do Direito, que não puderam assistir de perto à evolução legislativa.

Na tentativa de contribuir para sanar esta deficiência, este trabalho se propõe a esboçar um mapeamento sintético da reforma processual, de modo a oferecer uma visão geral de todo o movimento. 2

Registre-se que não houve a pretensão de esgotar cada uma das matérias objeto da reforma: procurou-se tão somente resumir as alterações havidas nos últimos quinze anos, correlacionando-as às respectivas fases.

A partir desta perspectiva sistemática (que deveria anteceder, aliás, toda e qualquer análise crítica), foi possível verificar que as consecutivas modificações legais nem sempre foram conduzidas de maneira linear e progressiva. Alguns institutos, como o agravo de instrumento, sofreram significativa reforma, mas (uma vez consideradas ineficazes as mudanças realizadas) retornaram ao seu status quo ante na fase subseqüente. Isto sugere, inclusive, a utilização do obsoleto método empírico (isto é, de tentativa e erro) para se promover determinadas alterações nas normas processuais.

Em outros casos, contudo, as alterações iniciais se revelaram bem-sucedidas, vindo gradualmente a se desenvolver e alargar-se, a exemplo das transformações ocorridas com o processo de execução e com o instituto da antecipação de tutela.

Ao final, relacionam-se os projetos de lei ainda em trâmite perante o Congresso Nacional, bem como se apontam algumas das mais recentes propostas de aperfeiçoamento da legislação processual, as quais, embora sequer transformadas em anteprojeto, se pautam pelos mesmos princípios que têm norteado todo o movimento de reforma.

2. Contexto teórico

O Código de Processo Civil de 1973, apesar de representar inequívoca opção por uma nova lei processual, foi ainda o retrato do pensamento jurídico-processual tradicional do CPC de 1939. Tratou-se, de fato, do mesmo modelo processual antecedente, embora mais lapidado, e com o mérito de adotar alguns novos institutos, como o julgamento antecipado do mérito, o chamamento ao processo, o recurso adesivo e o zelo pela lealdade processual, com a previsão da litigância de má-fé.3

Não obstante, o legislador de 1973, definitivamente, não estava inspirado pelas premissas metodológicas ligadas à efetividade do processo, que hoje orientam a doutrina processualista. Daí porque a remodelação do Código começou ainda na sua vacatio legis, quando inúmeras leis cuidaram de alterar o seu texto.

Todas as mudanças então havidas na legislação foram idealizadas sob a influência do movimento mundial de acesso à justiça, com base nas três conhecidas "ondas renovatórias"Page 145do processo4: (i) a assistência judiciária aos necessitados, (2) a tutela dos interesses coletivos e difusos e, por fim, (3) a utilização de novos instrumentos, dentro da jurisdição (simplificação dos procedimentos judiciais em geral, enxugamento das vias recursais, desenvolvimento da tutela de urgência) ou fora do âmbito jurisdicional (criação de formas alternativas de justiça, como a mediação e a arbitragem).

Este arcabouço teórico deu ensejo a diversas novidades no sistema processual civil brasileiro: instituíram-se os Juizados Especiais de Pequenas Causas (Lei nº 7.244, de 07 de novembro de 1984), introduziu-se a Ação Civil Pública (Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985) e estabeleceram-se de diretrizes fundamentais para o processo coletivo, com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990).

Finalmente, a Constituição Federal de 1988 consolidou as garantias e os princípios processuais inerentes a uma tutela jurisdicional justa, tempestiva e eficiente5, assentando definitivamente os fundamentos para a dinâmica reformadora do Código.

3. A primeira fase da Reforma Processual

Neste cenário, enfim, teve lugar o significativo movimento de reforma a que correntemente se referem os estudiosos. 6 Em 1992, sob o incentivo do Ministério da Justiça, foram apresentadas onze propostas de modificações ao CPC 7, visando facilitar o acesso à justiça e propiciar a adequada e tempestiva tutela dos direitos – tarefa, aliás, ainda hoje revestida de grande relevância, máxime diante da garantia constitucional à duração razoável do processo, instituída pela Emenda Constitucional nº 45/2004. 8

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Coube à Lei 8.455, promulgada em 24 de agosto de 1992, referente à prova pericial, dar início à expressiva reforma da legislação processual. Procurou-se, de modo geral, simplificar o procedimento de produção desta espécie de prova. 9

A Lei 8.710, de 24 de setembro de 1993, estabeleceu a prioridade da via postal na citação do réu, tendo em vista o menor custo, a segurança e a rapidez deste método, afastando-o apenas nas hipóteses enumeradas pelo art. 222 do CPC. 10 Já a Lei 8.898, de 29 de junho de 1994, alterou dispositivos relativos à liquidação de sentença, no sentido de determinar a citação na pessoa do advogado e eliminar a modalidade de liquidação de sentença por cálculo do contador, permitindo que o cálculo aritmético fosse feito na própria petição do processo executivo.

As Leis de nº 8.950 a 8.953 foram sancionadas e promulgadas, em conjunto, na data de 13 de dezembro de 1994.

A primeira, Lei nº 8.950/1994, além de integrar ao texto do Código de Processo Civil as normas referentes aos recursos extraordinário e especial, até então regidos pela Lei nº 8.038, de 28 de maio de 1990, ocasionou diversas modificações no sistema recursal. Dentre as mais importantes, (i) uniformizou-se o prazo recursal em quinze dias, com exceção apenas dos agravos e embargos de declaração (art. 508); (ii) aboliu-se a necessidade de intimação para o preparo, exigindo-se a comprovação de seu pagamento já no ato de interposição do recurso, sob pena de deserção (art. 511)11; (iii) foi inserido § único ao art. 518, prevendo a possibilidade de o juiz reexaminar os requisitos de admissibilidade do recurso depois de oferecida a resposta do apelado; (iv) elevou-se a sanção para o caso de reiteração de embargos declaratórios, que passou de 1% a 10% sobre o valor da causa, ficando ainda o recorrente condicionado a comprovar o pagamento da multa, se desejar interpor qualquer outro recurso (art. 538, § ún.). 12

A Lei nº 8.951/1994 simplificou os procedimentos das ações de consignação em pagamento e usucapião. Nesta, consolidou-se a desnecessidade da audiência preliminar, já afirmada pela doutrina, dando-se nova redação ao art. 942 do CPC. Com relação à consignação em pagamento, autorizou-se o devedor a realizá-la pela via extrajudicial, atravésPage 147do sistema bancário, com maior agilidade e sem qualquer ônus (art. 890, §§ 1º ao 4º). Quanto ao procedimento judicial, o § único acrescentado ao art. 896 passou a exigir que o réu indique o valor devido, na hipótese de alegar depósito a menor, enquanto o § 1º do art. 899 veio autorizar o credor a levantar desde logo a quantia ou coisa depositada sobre a qual não existe controvérsia. No § 2º, em seguida, permite-se a execução, nos próprios autos, da sentença que concluir pela insuficiência do depósito.

A Lei nº 8.952, também de 13.12.1994, consolidou numerosas mudanças, em diversos aspectos. No processo de conhecimento, ampliou os poderes do juiz13, ao autorizá-lo a limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando este puder comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa (art. 46, § ún.); e ao permitir-lhe reformar a decisão de indeferimento da inicial, caso o autor apele (art. 296). Estabeleceu, ainda, a possibilidade de o juiz tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes (art. 125, inciso IV).

Com este mesmo propósito (o de tentar o acordo entre as partes), e também para o fim de sanear o processo (o que significa fixar os pontos controvertidos, decidir as questões pendentes e determinar as provas a serem produzidas), previu a realização de uma audiência preliminar de conciliação, a ser realizada no lapso temporal de trinta dias, quando a lide versar sobre direitos indisponíveis e quando não for o caso de julgamento conforme o estado do processo (art. 331) 14. A audiência de conciliação passou, assim, a ato processual necessário e autônomo, como já se via em outros ordenamentos jurídicos.

Ainda no campo do processo de conhecimento, a lei disciplinou de melhor forma o instituto da litigância de má-fé, possibilitando a aplicação das penas de ofício pelo juiz (art. 18, §§ 1º e 2º)15; estipulou honorários advocatícios também na execução (art. 20, § 4º); e dispensou o reconhecimento de firma na procuração outorgada ao advogado (art. 38, com nova redação); entre outras alterações esparsas.

Como uma das mais relevantes inovações desta primeira etapa da reforma processual, foi criado o instituto da antecipação de tutela, consistente na...

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