Reflexões sobre a redução da maioridade penal como meio ineficaz de diminuição da criminalidade

AutorFrancielly Schmeiske
CargoAdvogada Procuradora do Município de Ribeirão Claro/PR Pós-gra duada em Direito do Estado (Faculdades Integradas de Ourinhos/SP)
Páginas6-13

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1. Introdução

A redução da maioridade penal, ao contrário do que se imagina, pode gerar consequências desastrosas à sociedade. Neste sentido, não há dados concretos que comprovem que a imposição de medidas mais severas seja capaz de diminuir os índices de violência entre crianças e adolescentes.

Além disso, a responsabilização penal dos menores pode provocar a imposição da pena de prisão. Sobre este tema, há que se considerar que é notória a situação precária das prisões brasileiras, que não alcançam a real finalidade de ressocialização do segregado. Dessa forma, nota-se que a inserção do menor em prisões destinadas a criminosos adultos não representa a melhor solução para o problema da criminalidade no país.

Em que pese estas informações, ainda se defende a privação da liberdade simplesmente como forma de vingança, sem se ater ao fato de que o indivíduo não resso-cializado pode causar ainda mais danos à sociedade.

Assim, o principal objetivo desde estudo é propor uma análise sobre a conveniência da redução da maioridade penal e demonstrar que a imposição de penas mais rígidas não contribui para a diminuição da violência.

A questão aqui levantada corresponde à ineficácia da redução da maioridade penal como solução para a diminuição da criminalidade no Brasil. Aliás, os altos índices de reincidência de indivíduos que cumprem a pena privativa de liberdade revela que esta medida apenas oferece aperfeiçoamento para a vida criminosa.

Como hipótese de trabalho, tem-se que a inimputabilidade dos menores de dezoito anos deve ser mantida, devendo ser aplicadas, de forma eficaz, as medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Além disso, é necessário que o Estado invista efetivamente na redução da desigualdade social e na educação dos administrados, como forma de prevenção da criminalidade.

2. Ato infracional

Na atual legislação brasileira a inimputabilidade penal dos menores encontra-se regulamentada nos artigos 228 da Constituição Federal, 27 do Código Penal e 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Sobre o tema, o texto maior dispõe que "são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial".

A primeira consideração a ser realizada refere-se ao fato de que a legislação pátria adotou o critério meramente biológico, pois não considera o desenvolvimento mental do menor. Dito isto, conclui-se que, ainda que o

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inimputável tenha plena capacidade para entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, ele não estará sujeito às sanções penais.

Em razão disso, toda a conduta tipificada pela lei como crime ou contravenção penal praticada pela criança ou pelo adolescente será denominada "ato infracional", do qual decorrerá a aplicação de medidas de proteção ou socioedu-cativas. Por derradeiro, não serão aplicadas, aos menores, as penas impostas pelo Código Penal, mas sim as medidas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Destaque-se ainda a distinção estabelecida entre criança e adolescente. Neste diapasão, dispõe o artigo 2o do estatuto que é criança a pessoa com até doze anos incompletos, e adolescente aquela que tiver entre doze e dezoito anos de idade.

Em decorrência desta diferenciação, deve ser registrado que a criança que comete um ato infracional está sujeita exclusivamente a medidas de proteção, que poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, ou ainda substituídas a qualquer tempo, nos termos dos artigos 99 e 105 do estatuto. Saliente-se que, nesse caso, as medidas protetivas serão aplicadas pelo conselho tutelar, de acordo com a atribuição conferida pelo artigo 136, inciso I, do mesmo diploma.

Por outro lado, o adolescente que pratica um ato infracional está sujeito a medidas socioedu-cativas, as quais poderão ou não ser cumuladas com medidas protetivas, de acordo com os artigos 112, inciso VII, e 113 do estatuto. Ademais, no que se refere ao adolescente, as medidas serão aplicadas pela autoridade judiciária.

Convém ressaltar ainda que o parágrafo único do artigo 2o do mesmo diploma dispõe que, excepcionalmente, serão aplicáveis as disposições do estatuto às pessoas que tiverem entre dezoito e vinte e um anos de idade. Em razão desta previsão, admite-se a aplicação e execução de medidas socioeducativas a estes indivíduos, quando o ato infracional tiver sido praticado ainda na adolescência, conforme dispõe o artigo 104, parágrafo único.

Mencione-se ainda que a alteração do Código Civil no que toca à maioridade para a prática dos atos da vida civil não gera a revogação do dispositivo do estatuto que permite a aplicação de medida socioeducativa para o jovem adulto. Sobre este tema, deve ser destacada a doutrina de Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel:

O limite fixado para a maioridade, pelo novo Código Civil, fez surgir polêmica acerca da revogação das normas da ECA que regem a possibilidade de aplicação e cumprimento de medidas socioeducativas até os 21 anos de idade (arts. 5o do Código Civil e 121, § 5o, do ECA). Entender, no entanto, que a nova lei civil teria revogado implicitamente os dispositivos do ECAé interpretação que ensejaria a imunidade, frente ao ordenamento jurídico, daqueles que cometessem atos infracionais às vésperas de completar 18 anos de idade (2013, p. 960).

Neste sentido é o entendimento da quinta turma do Superior Tribunal de Justiça, conforme se extrai do trecho da decisão do Habeas Corpus 189.441 de São Paulo, de relatoria da ministra Marilza Maynard, julgado em 12 de abril de 2013:

De fato, a maioridade penal apenas torna o adolescente imputável, porém, não afasta a possibilidade de manutenção da medida socioeducativa anteriormente imposta, mesmo quando esta é cumprida em meio semiaberto (STJ, 2013, p. 1).

Posta assim a questão e visando a melhor compreensão do tema, deve ser registrado que, ao contrário do que se propõe com a aplicação das medidas socioeducativas disciplinadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, as penas impostas pelo Código Penal, de acordo com o artigo 59 deste diploma, devem ser necessárias e suficientes para a reprovação e a prevenção do crime, ou seja, a pena possui as funções retributiva, visando demonstrar a reprovabili-dade da conduta, e preventiva, para que o criminoso não volte a cometer ilícitos penais.

Por seu turno, as medidas socioeducativas visam preponderantemente reabilitar o adolescente para que não volte a delinquir. Em outras palavras, o objetivo das medidas é educar o menor infrator, visando desestimular sua reincidência. Neste caso, as medidas disciplinadas no estatuto possuem como principal função a prevenção do ato infracional.

Por tais razões, tendo em vista a finalidade pedagógica das medidas aqui analisadas, não há fixação preestabelecida de medida protetiva ou socioeducativa para o ato infracional em abstrato. Isto porque deverão ser analisadas as condições específicas do indivíduo e do ilícito praticado, para que seja possível aplicar a medida mais adequada, visando à reabilitação do menor.

Neste sentido, Murillo José Digiácomo e Ildeara de Amorim Digiácomo lecionam:

A inexistência de uma prévia correlação entre o ato infracional praticado e a medida a ser aplicada torna mais do que nunca imprescindível a individualização da medida mais adequada a cada adolescente, nada impedindo, e sendo em alguns casos mesmo necessário que adolescentes co-autores do mesmo ato infracional recebem medidas socioeducativas completamente diversas, a

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depender de análise criteriosa de suas condições pessoais, familiares e sociais (2011, p. 204).

Verifica-se, portanto, que as medidas protetivas e socioeducati-vas possuem caráter especialmente voltado à reabilitação do indivíduo infrator, visando a sua recuperação e reinserção na sociedade.

Deve ser registrado ainda que a autoridade competente deverá observar as disposições contidas no artigo 110, parágrafo único, do estatuto, para determinar a aplicação da medida mais adequada.

No que toca a este tema, é oportuno citar a exposição de Ká-tia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel:

Revela notar que a Lei n. 12.010/2009 acrescentou parágrafo único ao art. 100, elencando 12 princípios que devem ser considerados na aplicação das medidas. O zelo com a prontidão da resposta estatal e com a responsabilidade parental sobressaiu dentre os propósitos almejados pelo legislador à luz da efetiva promoção dos direitos de que são titulares os destinatários do processo socioeducativo. Nesse sentido é de ser realçada a necessidade de que a intervenção estatal seja precoce, mínima, proporcional e atual, realizada de forma a estimular que os pais assumam seus deveres (art. 100, parágrafo único, VI, VII, VIII e IX, do ECA). Ademais, também merecem destaque os preceitos da privacidade; obrigatoriedade da informação; oitiva obrigatória e participação do adolescente (art. 100, parágrafo único, V, XI e XII, do ECA). Assim, apesar de as...

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