Reflexões acerca do lançamento tributário

AutorLuciano de Almeida Pereira
CargoMestre e Doutorando em Direito Tributário pela PUC/SP. Ex-Conselheiro Julgador Efetivo da 3a Câmara Julgadora do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo-CMT
Páginas142-151

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Introdução

Apesar de tema amplamente explorado pela doutrina, no exercício da docência, em especial nos cursos de especialização em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Estudos Tributário-IBET e da PUC/SPCOGEAE, notamos que resta dissenso no que tange a figura do lançamento tributário.

A discussão, de maneira geral acaba por indagar se a referida figura encerra a ideia de procedimento ou ato administrativo e, malgrado isso, divide opiniões acerca do autolançamento, bem como da constituição do crédito tributário porquanto há quem defenda a possibilidade de ser, este, efetuado pelo particular (contribuinte), opondo-se a linha de pensamento que, in suma, defende que tal prerrogativa recai exclusivamente às autoridades administrativas.

Buscando trazer breve contribuição para o tema, passamos, doravante, a expor nossa opinião, redarguindo às questões acima trazidas. Ei-la:

1. Do lançamento tributário

Como cediço, o lançamento tributário encontra-se esculpido no art. 142 do Código Tributário Nacional-CTN, in verbis:

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

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Parágrafo único. A atividade adminis trativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

Antes de qualquer reflexão minudente, insta ressaltar que, conforme informa o enunciado prescritivo acima destacado, o lançamento tributário constitui o crédito tributário.

Implica dizer, por outros torneios, que sem a efetivação deste não há qualquer relação instalada; há um "nada jurídico".

Dito de outro modo, o legislador escolhe e elenca uma conduta representada por um verbo próprio, a ser titulada, pela lei, de fato gerador.1Com efeito, a simples realização da mencionada conduta (fato gerador ou hipótese de incidência tributária) não se faz suficiente para que o crédito tributário seja constituído e, consequentemente, cobrado pelo Fisco.

Indispensável se faz a concretização do lançamento tributário, conforme dita o artigo de lei supra sublinhado.

Com a consubstanciação do lançamento tributário, então, verifica-se, à guisa de resultado, a constituição do crédito tributário, o surgimento da obrigação tributária principal (acompanhada de seu dever instrumental) já que esta é meio de efetivação do ônus fiscal advindo da constituição do crédito tributário, bem com a instalação de relação jurídico-tributária havida entre contribuinte e o Estado.

Mister se faz lembrar que o legislador elenca três modalidades de lançamento tributário, a saber: lançamento tributário de ofício; lançamento tributário por homologação e lançamento tributário por declaração.

Grosso modo, o lançamento tributário de ofício, ou ex officio, é integralmente confeccionado pelo sujeito ativo, in casu, o Fisco.

Nestes casos, o Estado detém todas as informações necessárias para feitura do referido ato porquanto, de geral, deflui de dados cadastrais. Daí por que, então, as auto-ridades administrativas se valem da referida modalidade de lançamento tributário para constituição do crédito tributário atinente a tributos como o Imposto Predial Territorial Urbano-IPTU, por exemplo.

O lançamento tributário por ho mo logação, por seu turno, se posta como modalidade em que a constituição do crédito se dá sem prévio exame da autoridade administrativa.

Nesse passo, o contribuinte deve apurar, informar e pagar determinada quan tia em dinheiro concernente à obrigação tributária principal. Quadra observar que nesta modalidade de lançamento tributário, a lei determina o pagamento antecipado independentemente de qualquer ato prévio do Fisco.

Desta sorte, o lançamento por homo-lo gação ocorre quando é confirmada pelo Estado, de forma expressa ou tácita,2o pagamento efetuado pelo contribuinte.

Por outros torneios, efetivada conduta de senhada como hipótese de incidência no antecedente normativo da norma tributária, o su jeito passivo tem o dever legal de realizar as condutas necessárias à determinação do valor da obrigação tributária, observar seus deveres instrumentais, bem como o de recolher o montante apurado, independentemente da prática de qualquer ato comissivo praticado pelo sujeito ativo, exceto a hipótese deste aferir a regularidade do pagamento efetuado.

No que toca ao lançamento tributário por declaração, passa, este inexoravelmente por três etapas: declaração à autoridade; lançamentos pela autoridade e, por fim, notificação do contribuinte.

Cabe lembrar que no lançamento por declaração, há atos efetivados tanto pelo

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sujeito passivo quanto pelo sujeito ativo, por isso, é de igual sorte, chamado de lançamento misto.

Importa saber que embora a lei exiba as três modalidades de lançamento tributário que vimos destacando, a doutrina aponta a existência de apenas duas modalidades: lançamento de ofício e lançamento por homologação. Isto porque ficam ao talante da autoridade administrativa que, no uso de suas prerrogativas, chancelará, ou não, o dever instrumental exibido pelo contribuinte redundando, pois, no lançamento tributário.

De toda sorte, o que importa saber é que o lançamento tributário trata de converter mero evento em fato jurídico tributário. É o que passaremos a analisar doravante.

2. A Teoria da Linguagem

Em breve e apertada síntese, linguagem é o elemento que viabiliza a comunicação. Usa como instrumento a língua, motivo pelo qual somos resolutos em fazer coro com a corrente doutrinária que aponta ser indissociáveis língua, linguagem e fala. Daí por que Paulo de Barros Carvalho3é enfático ao professar que "Nenhuma delas poderá ser estudada, com profundidade, se não atinarmos para o esquema dialético que as aproxima" (grifos postos). Consoante os ensinamentos dos gregos, o espírito marcha de encontro à "aparência" e desta para a "realidade". Dito de outro modo, das aparências (fenômenos) se pode aferir aquilo que nelas transparece de forma compreensível, de sorte que a descoberta do compreensível equivale à descoberta da verdade.

Como resultado, temos que o co nhe cimento, a realidade e a verdade são aspectos da língua de modo que, esta última, ocupa lugar entre os fenômenos componentes daquilo que chamam de realidade.

A ciência, notemos, é a tentativa de categorizar e classificar aparências, concernentes a uma ciência especializada. Assim, a língua, ao ser tratada como aparência, compõe o corpo de uma ou mais ciências especializadas.

Imperioso destacar, com isso, que o mundo, admitido como realidade, manifesta-se invariavelmente pela linguagem. Destarte, se vertido em linguagem, então o elemento descrito está no mundo fenomênico e deste faz parte; se, em contrário, não se pode enunciar um objeto qualquer este, por seu turno, não existirá. Ademais, não se pode admitir a existência de objeto não relatado. Se não relatado, inexistente.

E neste ponto, justamente, encontram-se e imbricam-se, de forma incindível, a linguagem e o Direito Tributário. Se verdadeira a assertiva que o mundo se dá e se forma irrefragavelmente através da linguagem e em linguagem, o Direito (inclusive o Direito Tributário) há de seguir a mesma sorte.

Nesse compasso, pois, a interferência da linguagem sobre a figura do lançamento tributário é inevitável e determinante. Vejamos:

3. A Teoria da Linguagem e o lançamento tributário

Como dito no tópico predecessor, o mundo manifesta-se pela linguagem e em linguagem.

Se assim, o mundo do direito deve, também, ser relatado linguisticamente para ser factível. Seguindo a mesma premissa, se determinado evento não for trazido para o mundo jurídico, inexistirá para este.

Por outros torneios, um evento qualquer dado linguisticamente pode existir (porque linguisticamente dado e conhecido) para o mundo fenomênico, mas não existir para o mundo jurídico.

Isso porque não há existência con comi tante necessária. Determinada ocorrência

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pode se dar e existir (oportunidade onde deixará de ser...

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