Reflexões sobre a Execução Trabalhista

AutorGérson Marques/Ney Maranhao
Páginas183-197

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1. Etimologia de execução

“Execução” provém da palavra latina exsecutio, executionis (genitivo), por exemplo, iuris ordinarii executio. Execução do processo ordinário.

A origem do termo é o verbo sequor, ìris, sequi, secutus sum = seguir, reforçado pelo prefixo “ex”, dando a ideia de intensidade, ou seja, de seguir até o fim, até o último limite. Com este matiz semântico, foi usada em latim e nas línguas românicas: Fugam alicuius exsequi, acompanhar alguém na fuga; exsequi funus, acompanhar um enterro; sua quisque concilia exsequentes, cada um seguindo seu pensar; exsequi delictus, sequi injurias, perseguir o delito, perseguir as injúrias, já aqui no sentido de punir, perseguir até as últimas consequências.1A palavra “execução” tem, pois, um sentido de materialização de algo, indicando a passagem da potência ao ato, da ideia ao concreto, da concepção à materialização.

Neste sentido, foi tomada pela Ciência do Processo, cuja primeira parte consiste no acertamento da controvérsia, ou seja, de uma ou várias oposições entre os litigantes extrair uma solução ou reconhecimento de quem está com a razão. Depois, há que trazer esta solução para a prática da vida, para torná-la útil e real. Eis aqui o papel da execução.

2. Conceito de execução

No Processo, a palavra resguardou o matiz semântico de sua origem. Depois de propor a “ação”, isto é, a pretensão revestida de forma processual, na qual se discute o direito alegado e a controvérsia entre as partes, chega o juiz necessariamente a uma conclusão, a sentença, que deduz a síntese entre duas ou mais pretensões controvertidas.

A sentença é exatamente a resposta do tribunal ao que lhe foi pedido pelas partes: “Das Urteil muss der Klage entsprechen und

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wird durch sie nach Art und Mass bestimmt”. (A sentença tem que corresponder ao pedido e é condicionada exatamente por ele).2Com ela, o Estado cumpre sua obrigação constitucional — art. 5º, XXXV, da CF — ou seja, entrega à parte a prestação jurisdicional.3Se a parte aceita, como seria de se esperar, o que foi dito em sentença irrecorrível, o processo termina. E a controvérsia se pacifica, pois o Juiz decide em nome do povo e do Estado Democrático de Direito, que o encarregam desta missão.

Não é esta, infelizmente, a regra. A parte derrotada, mesmo depois do pronunciamento final, não cumpre o comando ou dispositivo da sentença. Então é preciso executá-lo, ou seja, perseguir até o final o que foi prometido pelo Estado.

Este fato mostra que controvérsia na fase executiva deve ser restrita e o juiz deve assumir, como cânone interpretativo, a regra de que os fatos e direitos debatidos pelas partes já foram decididos pelo Estado e sobre eles não mais se discute. Que a parte exequente já tem seu direito reconhecido. Por isto, toda protelação deve ser rejeitada, multas devem ser aplicadas quando previstas em leis e o rigor do magistrado deve ser a regra, para que o processo chegue a seu fim.

A época própria da dialética plena já passou. A parte veio ao Judiciário. O réu contestou, negando o pedido. Foi democraticamente produzida a prova. O juiz decidiu livremente, segundo sua concepção, o que lhe foi pedido. O processo percorreu as instâncias cabíveis. Agora cumpre trazer para o mundo da realidade o que já foi assentado no plano lógico, a fim de que o Estado efetivamente cumpra o que prometeu.

Prorrogar desnecessariamente a execução é negar a mais democrática promessa das Constituições modernas: solucionar pelos caminhos legais as controvérsias e, dentro da lei, dar a cada um o que é seu num prazo razoável, exatamente para que a prestação tenha utilidade e a parte não sofra prejuízo em seu patrimônio, nem o Estado deixe impunes aqueles que violaram as normas legais.

Cumpre, portanto, ao juiz ter pulso firme e mão dura nos limites da lei, quando se tratar de execução, pois o Estado prometeu justiça e a parte precisa da reparação de seus direitos.

No caso do Direito do Trabalho, esta atitude é duplamente recomendável porque se trata de crédito alimentar, ou seja, de meio de subsistência digna de quem trabalha e a Constituição valorizou muito o trabalho, colocando-o como fundamento da República — art. 1º, IV, da Ordem Econômica — art. 170, e da Ordem Social, art. 193.

E esta ênfase valorativa não se altera nem se esvazia, quando o trabalho é o conteúdo de uma relação jurídica sobre a qual se controverte. Pelo contrário, mais se realça porque, se o trabalhador tiver razão, foi-lhe subtraído o meio de subsistência digna.

A ação trabalhista procedente nada mais é do que o exemplo vivo de valorização do crédito alimentar. Por isto deve durar pouco tempo e extinguir-se imediatamente. O mínimo que se exige do intérprete e do aplicador da lei é que dê concretude aos princípios constitucionais, valorizando o trabalho humano quando objeto de disputa judicial.

Processo e execução são entidades que se relacionam diretamente. Uma parte do processo se constitui de informação — inicial, defesa, instrução e sentença. Depura-se o fato reconstituído pela prova.

Depois da informação, a execução, ou seja, vem a concretização do que foi apurado e tradu-

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zido em realidade. Ambas se situam no mesmo plano, pois têm a mesma finalidade: aplicar o direito ao caso concreto e resolver o litígio.4Por isso, nada ganha a doutrina e a ciência do processo com a distinção, criando para ambos — conhecimento e execução — processos diferentes. O que há é uma sequência de atos processuais, compositivos da controvérsia, até que o objetivo do processo se satisfaça, ou seja, solucionar a controvérsia e entregar o bem da vida ao titular do direito, assim reconhecido pela sentença judicial.

3. A execução em seus aspectos fundamentais

Há 5 espécies de pretensões que o autor reveste em forma de ação em seu pleito perante o Judiciário:

  1. a de declarar, que assume o conteúdo das ações declaratórias;

  2. a de constituir, que assume o conteúdo das ações constitutivas;

  3. a de condenar, que assume o conteúdo das ações condenatórias;

  4. a de mandar, que assume o conteúdo das ações mandamentais;

  5. e, finalmente, a pretensão executiva que assume o conteúdo da ação de execução.

As quatro primeiras se localizam na fase do conhecimento, ou seja, na produção de provas, segundo a alegação das partes, e na sentença.

A última, sub e, centra-se na concretização da sentença, trazendo para o mundo dos fatos o que nela foi determinado.

Embora a finalidade de todas elas seja o pronunciamento final do Estado, há diferenças metodológicas entre conhecer e executar, em razão da variedade de objetivos que, mais tarde, concentram-se na síntese final da prestação jurisdicional. Eis o quadro

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O legislador processual está certo em seu esforço de integração do processo, embora jamais hão de se confundir produção de prova (aspecto típico do processo de conhecimento) com atos executórios — penhora, caução, embargos, etc. — embora todos eles, em síntese, objetivem a aplicação da lei ao fato.

Por isto, a melhor orientação metodológica é considerar o processo como um todo, tendo sempre em vista que a parte deseja o resultado final. Para este propósito, pense-se sempre na instrumentalidade dos atos de conhecimento e de execução.

Em resumo, a atividade inteligente do legislador e do intérprete há de consistir em analisar cada pretensão de per si, na relação entre elas e, finalmente, desta em relação ao todo.

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“Execução é o atendimento ao enunciado que se contém na sentença se esse enunciado não é, em si mesmo, bastante.”5Se um enunciado é atendido quando passa do pensamento à ação, da potência para o fenômeno, a fim de servir aos propósitos que assinala. Sentença cujo enunciado não é atendido não é sentença porque não se desenrolou do abstrato para o concreto, para atuar no mundo dos fenômenos e modificá-lo.

Mesmo uma sentença declaratória implica um ato que se projeta na realidade, gerador de consequências jurídicas no mundo exterior. Se uma relação de emprego é declarada por sentença, por exemplo, ela passará a ser regida pelas normas trabalhistas necessariamente.

O ideal seria que, após o trânsito em julgado da sentença de conhecimento, a parte cedesse ao que lhe foi determinado e atendesse ao enunciado que nela se contém, pois deste ponto para frente, o âmbito da discussão se torna estrito e o mérito é intocável, embora possa sofrer pequenas variações em aspectos secundários.

Como não há este comportamento do executado, prossegue o juiz com o processo para tornar efetivo o enunciado da sentença.

Mesmo sabendo que as chances de modificação são pequenas, por que a parte condenada prefere seguir na demanda? Esta é a pergunta central das execuções, principalmente da trabalhista.

A resposta não é difícil de ser dada.

O empregador-executado sabe que prosseguir na demanda é um bom negócio para ele. Enquanto paga juros de 1% ao mês e pequena correção monetária, gira com o crédito do reclamante com juros de mercado que podem atingir até 10% ao mês. Por isto é que o saudoso mestre José Martins Catharino dizia, num dos últimos congressos a que compareceu, com sua voz mansa, pausada e cheia de verdades: “Empregador que paga em dia o crédito trabalhista administra mal seus negócios”.

Está claro o que queria dizer: administra mal os negócios porque, não pagando e protelando, ganha muito mais. E a Justiça, que deveria impedir a fraude, é muitas vezes conivente com sua realização, porque não fornece a prestação jurisdicional em tempo razoável.

Com isto salientava a leniência da Justiça do Trabalho com o executado. Em vez de tomar medidas drásticas com os devedores do crédito...

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