Recurso Extraordinário e Repercussão Geral

AutorGuilherme Beux Nassif Azem
Ocupação do AutorProcurador Federal; Mestrando em Direito pela PUC/RS; Professor da Escola da Advocacia-Geral da União.
Páginas371-394

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SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Primeiras Considerações: Acesso à Justiça. 3 O Recurso Extraordinário. 4 A Exigência da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. 5 Institutos Análogos no Ordenamento Nacional. 6 Mecanismos de Filtragem no Direito Comparado. 7 Discricionariedade Judicial: Critérios à Disposição do Legislador para Definir a Repercussão Geral. 8 Inafastabilidade do Controle Jurisdicional: Prevalência do Acesso Adequado ao Judiciário. 8.1 Acesso à Justiça e Acesso ao STF: Proporcionalidade e Isonomia em Face da Repercussão Geral. 9 Objetivação do Recurso Extraordinário. 10 Direitos Fundamentais e Repercussão Geral: Uma Cautela Necessária. 11 Procedimento. 12 Conclusão. Bibliografia.

1 Introdução 1 Introdução1 Introdução 1 Introdução1 Introdução

Consagrado o direito processual como ciência autônoma,1a grande preocupação dos processualistas modernos centra-se na tentativa de estabelecer um processo justo, efetivo, capaz de tutelar, tempestivamente, o direito material buscado pela parte. Não são poucas as tentativas legislativas voltadas a tornar a prestação jurisdicional mais racional e eficaz, como demonstram, por exemplo, as inúmeras reformas a que já foi submetido o Código de Processo Civil.2* Procurador Federal; Mestrando em Direito pela PUC/RS; Professor da Escola da AdvocaciaGeral da União.

1 A autonomia do direito processual sucedeu ao sincretismo, período que foi marcado pela confusão entre os planos substancial e processual.

2 Cândido Rangel Dinamarco, que cita as leis dos Juizados Especiais, da Ação Civil Pública, do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente como exemplos da visão instrumental que marca o processualista moderno, afirma: “Aprimorar o serviço jurisdicional prestado através do processo, dando efetividade aos seus princípios formativos (lógico, jurídico, político, econômico), é uma tendência universal, hoje. E é justamente a instrumentalidade que vale de suficiente justificação lógico-jurídica para essa indispensável dinâmica do sistema e permeabilidade às pressões axiológicas exteriores: tivesse ele seus próprios objetivos e justificação auto-suficiente, razão inexistiria, ou fundamento, para pô-lo à mercê das mutações políticas, constitucionais, sociais, econômicas e jurídico-substanciais da sociedade”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 25-26).

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Seguindo essa linha, foi promulgada, em 8 de dezembro de 2004, a Emenda Constitucional nº 45, que, a despeito de ser conhecida como Reforma do Judiciário, abarcou variados assuntos,3inclusive de índole processual. O presente ensaio tem por objetivo analisar uma dessas modificações operadas pelo constituinte derivado, qual seja, a exigência da demonstração da repercussão geral da questão constitucional para o conhecimento do recurso extraordinário.

Trata-se de instituto recém incorporado ao nosso ordenamento. Evidentemente, sua essência e seus desdobramentos não são de todo conhecidos, mais se encontrando no plano das hipóteses. Até por isso, despe-se a pesquisa de qualquer pretensão de esgotar o assunto. Caso questionamentos sejam suscitados a partir do texto, assim estimulando o debate, ter-se-á por atingido o singelo objetivo a que ora nos propomos.

2 Primeiras Considerações: Acesso à Justiça
2 Primeiras Considerações: Acesso à Justiça2 Primeiras Considerações: Acesso à Justiça


2 Primeiras Considerações: Acesso à Justiça2 Primeiras Considerações: Acesso à Justiça

Diante da regra inserta no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, o Estado, detentor do monopólio jurisdicional, possui o poder-dever de aplicar o direito, regulando, nos casos concretos, os conflitos intersubjetivos que são postos à sua apreciação. A garantia de acesso à justiça foi erigida, pelo constituinte originário, à condição de cláusula pétrea, insuscetível de abolição.4Para Joaquim José Gomes Canotilho, o direito à proteção judicial concebe-se como uma dupla dimensão: 1) um direito de defesa ante os tribunais e contra atos dos poderes públicos; e 2) um direito de proteção do particular através de tribunais do Estado, no sentido de este o proteger perante a violação dos seus direitos por terceiros (dever de proteção do Estado e direito do particular a exigir essa proteção).5Entre nós, Ingo Wolfgang Sarlet enquadra a garantia da inafastabilidade do controle judiciário como direito prestacional lato sensu.63 Nesse sentido, MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Emenda Constitucional 45/2004 e o processo. Revista de Processo, São Paulo, v. 130, p. 236.

4 CF/88, art. 60, § 4º.

5 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 496.

6 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 216.

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Importa observar que o direito à prestação jurisdicional não se limita ao acesso formal aos tribunais. Em verdade, extrai-se da CF/88 a garantia de um processo justo, efetivo, de modo a conferir idoneidade à tutela do direito material da parte.

3 O Recurso Extraordinário
3 O Recurso Extraordinário3 O Recurso Extraordinário


3 O Recurso Extraordinário3 O Recurso Extraordinário

O processo é o instrumento utilizado para o exercício da jurisdição. A apreciação do Poder Judiciário, no entanto, não fica circunscrita, via de regra, a um único pronunciamento. Os recursos constituem meio clássico para a impugnação de decisões judiciais,7tendo o propósito de assegurar, na medida do possível, a sua justiça.8Por certo, visam, também, a minimizar os efeitos naturais do inconformismo humano com julgamentos desfavoráveis. Assim afirma Athos Gusmão Carneiro:

Vale lembrar que cada país busca, em seu ordenamento processual, realizar adequada conciliação entre os ideais de Justiça e a necessidade de segurança na aplicação jurisdicional do Direito. Em tese, proferida uma sentença, o Estado terá outorgado aos litigantes a prestação jurisdicional, meio de eliminar conflitos de interesses, prestação a que o Poder Público se obrigou ao proibir a justiça privada e ao reservar-se, com exceções limitadíssimas, o monopólio da jurisdição. A existência de recursos, o reexame das decisões pelo mesmo ou por outro órgão julgador, vincula-se destarte a exigências de ordem pragmática, ligadas à falibilidade humana, à conveniência no aperfeiçoamento das decisões judiciárias e, também, ao natural desejo do vencido em ver suas pretensões objeto de uma segunda e possivelmente mais acurada apreciação, que inclusive poderá proporcionar maior aceitação social da decisão reexaminada.9Dentre as espécies recursais, encontra-se previsto o recurso extraordinário (CPC, art. 496, VII; CF/88, art. 102, III). Trata-se de remédio introduzido no direito pátrio pela Constituição Republicana de 1891 e que

7 Os recursos não se constituem no único meio oferecido pelo sistema para a impugnação de decisões judiciais, valendo citar, exemplificativamente, a ação rescisória, os embargos de terceiro e, até mesmo, o mandado de segurança.

8 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 19. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 113.

9 CARNEIRO, Athos Gusmão. Do recurso especial e seus pressupostos de admissibilidade. Revista da Ajuris, Porto Alegre, v. 66, p. 40.

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encontra raízes históricas no writ of error do direito norte-americano.10Instrumento estritamente vocacionado à resolução de questões de direito, não se destina a corrigir a má apreciação da prova ou a eventual injustiça da decisão. Para o seu manejo, não basta a simples sucumbência da parte, sendo necessários requisitos outros, definidos pelo ordenamento. Rodolfo de Camargo Mancuso anota que

à semelhança do que sucede com a admissibilidade da ação, também a admissibilidade dos recursos está sujeita a certos requisitos, formais e substanciais. Naturalmente, esses requisitos são mais rigorosos nos casos dos recursos excepcionais, ou de direito estrito, do que nos recursos ordinários, como a apelação, onde se pode discutir matéria de fato e de direito e protestar contra a injustiça da decisão recorrida.11


4 A Exigência da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário4 A Exigência da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário

A Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, trouxe relevante modificação no âmbito do recurso extraordinário12, ao acrescentar o seguinte § 3º ao art. 102 da Constituição Federal:

No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

Tal instituto há de ser entendido como uma espécie de filtro de admissibilidade. A presença da repercussão geral indica que o recurso merece ser analisado, mas, evidentemente, não dispensa a presença dos demais requisitos de admissão e, muito menos, traz a garantia de que o recurso extraordinário será provido.

Deriva a inovação constitucional do excessivo número de recursos submetidos ao Supremo Tribunal Federal, o que vinha desnaturando o

4 A Exigência da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário
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