A tributaçáo e direitos fundamentáis que realizam os valores da liberdade, igualdade e solidariedade

AutorMarlene Kempfer Bassoli
CargoDoutora em Direito do Estado-Direito Tributario, pela PUC-SP. Professora dos programas de Mestrado em Direito da Universidade Estadual de Londrina-UEL/PR e da Universidade de Marília-UNIMAR/SP
Páginas51-74

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1 Introdçáo

Os valores da liberdade, igualdade e solidariedade sao valores prestigiados em nivel universal. Contemporáneamente varias condutas que os realizam sao consideradas como direitos fundamentáis. A inefetividade destes direitos é um reclamo no plano jurídico e dos cidadáos. O estudo para demonstrar que há possibilidade jurídica para que se realizem sempre é estimulante, pois, instiga a esperanca. As normas jurídicas tributarias de nivel constitucional mostram o caminho para realizar os valores jurídicos destacados que se realizam em direitos fundamentáis. É urna questáo de decisáo política governamental da Uniáo, Estados, Distrito Federal e Municipios exercer a competencia tributaria produzindo normas tributarias com esta finalidade.

2 Aspectos ontológicos e gnoseológicos dos valores a partir dos estudos de nicolai hartmann apresentados por Joáo Maurício Adeodato

O estudo sistematizado dos valores constituí um conhecimento construido a partir da segunda metade do século XIX, embora a preocupacáo com o tema seja táo antiga quanto a humanidade. ApesarPage 53 de ser uma disciplina recente1 já tem denominacáo própria que é a Axiologia.

Com o propósito de conhecer aspectos da teoría geral dos valores, para depois se concentrar na axiologia jurídica e demonstrar que os direitos fundamentáis sao resultantes da positivacáo de valores, faz-se necessário promover o encontró dos dois termos que permitem este conhecimento: o objeto, através de estudos da ontologia dos valores e o sujeito cognoscente, através dos estudos da gnoseologia dos valores.

Sobre o objeto que se quer conhecer, que sao os valores, as investigacóes sao para responder perguntas sobre em quais das esferas ontológicas do ser os valores podem ser localizado? A esfera dos seres reais ou dos seres ideáis? Ou há uma terceira esfera própria dos valores? Quanto ao sujeito que os quer conhecer, os estudos sao no sentido de definir como o homem consegue apreendé-los: é um conhecimento a priori ou a posterior?. Podem ser conhecidos através da intuicáo sensível? Intelectual? emocional?

Muitos estudiosos se dedicaram para apresentar suas respostas. Dentre os estudos da ontologia dos valores, nesta pesquisa, seráo destacados os estudos da ontologia do ser em geral de Nicolai Hartmann, a partir da apresentacáo deJoáo Mauricio Adeodato (1996. cap. 5), expondo-se as seguintes principáis concepcóes:

  1. todo ser pertence a uma ou outra esfera modal: realidade ou idealidade;

  2. todo e qualquer ente é dotado de esséncia e existencia nao importando se o ente é real ou ideal;

  3. a realidade ou a idealidade sao modos do ser. A esséncia e existencia sao momentos do ser;

  4. nao sao somente os entes da esfera real que existem; os entes da esfera ideal tém sua maneira de existir. Sao regidos por categorías (principios) diferentes;Page 54

  5. há urna inter-relacáo entre a esséncia e a existencia: a esséncia de um ente depende da existencia e esta depende daquela;

  6. a esfera real tem características próprias que a diferencia da esfera ideal:

  7. individualidade, pois somente o ente real é material. Nao há dois entes reais iguais. Cada um possui características próprias, sao peculiares;

  8. temporalidade, sendo que estáo sujeitos ao tempo, portanto sao mutáveis, sendo este o fator da processualidade; o ente real permanece no processo e as mudancas ocorrem em diferentes velocidade, por isto é possível registrar as mudancas, sendo este o fator denominado de identidade; o ente real é sujeito ao processo de mudanca que ocorre em dois extremos: o ente surge e desaparece, sendo este o fator que denomina de limitacáo.

  9. a esfera real é composta de esferas superpostas: a inorgánica e a orgánica, que correspondem ao mundo físico e a anímica e espiritual que correspondem ao mundo psíquico;

  10. a esfera ideal é composta de esferas de mesmo nivel ontológico: a das esséncias fenomenológicas, da matemática, da lógica e a dos valores;

  11. o vínculo entre estes dois mundos se dá na medida em que a esfera ideal penetra na esfera real, permitindo sua construcáo. O debate filosófico quanto á ontologia do ser em geral nao será enaltecido neste trabalho. O corte será no sentido de expor algumas das concepcóes filosóficas para a ontologia dos valores. Conforme sistematizacáo de Joáo Mauricio Adeodato (1996) as posicóes filosóficas podem ser reunidas em dois grupos:

    1) concepcáo monística, que incluí todos os entes, inclusive a natureza, num mundo indivisível, regido pelo principio ontológico fundamental da lei da causalidade;

  12. concepcáo dualista, para quem os objetos estáo reunidos no mundo da natureza ou real, compreendendo o reino animal, vegetal e o mineral; e, em outra porcáo, a esfera do mundo humano, onde está a ética. No primeiro mundo estáo as leis naturais e o determinismo. No mundo da ética estáo as normas da cultura, da liberdade, enfim, regido por normas humanas.Page 55

    Embora classificada por dentistas como aporia, o debate já antigo, entre monistas e dualistas oferece recursos didáticos para reunir os diferentes pensamentos sobre a axiologia.

    Os monistas nao encontraram eco diante da maioria dos estudiosos dos valores, pois nao distinguem urna esfera específica para a ética, para as relacoes humanas e sociais. Urna das suas leis básicas, a da causalidade, poderia ser aplicada indistintamente, para qualquer campo do conhecimento. Constata-se, contemporáneamente, um recuo no entendimento sobre pretensáo de universalizacáo dos seus postulados.

    Para a corrente dualista as questoes axiológicas estáo reunidas em duas direcóes (ADEODATO, 1996):

  13. dos pensadores subjetivistas reunidos sob o título de subjetivismo axiológico para quem o objeto nao é por si só valioso e o valor, provem de urna valoracáo do sujeito, conforme o prazer ou desprazer que este objeto possa lhe causar;

  14. dos pensadores objetivistas reunidos sob o título de objetivismo axiológico, que defendem existir urna fonte externa ao sujeito que fornece parámetros para separar os valores dos desvalores. Este grupo abriga as vertentes:

    1. histórica, para quem os valores sao criados pelo homem através do processo histórico-cultural;

    2. ontológica, para quem os valores fazem parte de urna das regióes do conhecimento, com categorías próprias, isto é, regidos por principios básicos que os ordenam. Se os valores existem, podem ser descobertos e nao criados pelo homem.

    Decidiu-se, para fins deste estudo, pela vertente da ontologia dualista, do objetivismo axiológico, admitindo como corte metodológico que os valores estáo junto á esfera ideal, no mesmo nivel das esséncias fenomelogógicas, das entidades matemáticas e lógicas.

    Para Nicolai Hartmann, conforme relata Adeodato (1996), considera os estudos gnoseológicos subordinados aos ontológicos. Admitindo a existencia de entes reais e entes ideáis. O conhecimento dos objetos reais nao é exclusivamente a posteriori, porque os principios que o regem sao sempre do mundo ideal, portanto, é conhecimento a priori.Page 56

    Defende que o conhecimento é um ato transcendente e que há o ato gnoseológico, sempre mais neutro, objetivo, estimulado pela intuicáo sensível e intelectual em que o objeto permanece externo ao sujeito, intocado. Há, também, o ato teleológico estimulado pela intuicáo emocional, em que o objeto é interiorizado, envolvendo a parte subjetiva do homem.

    Alerta que nao há atos puramente gnoseológicos ou somente emocionáis, urna vez que nao é possível postar-se com completa neutralidade diante do objeto ou fenómeno a conhecer.

    Constrói proposicoes a respeito do conhecimento dos valores, cujos aspectos relevantes para este estudo, podem assim ser resumidos:

    - considerando que os valores estáo no mundo ideal, o conhecimento deles será sempre a priori, mesmo que se revele diante de um fato real através da emocáo;

    - os valores podem ser intuidos no nivel do mundo anímico no estrato espiritual, onde localiza o homem, ser com consciéncia. Ele é o ser espiritual que serve de canal de aproximacáo da esfera real e a esfera ideal, específicamente dos valores;

    - o homem une a idealidade e a realidade, quer seja pelo conhecimento ou na realizacáo dos valores. Ele é um ser real, portanto, com as características da individualidade e da temporalidade;

    - o homem é um ser individualizado, com sentimento, vontade, autoconsciéncia;

    - o homem tem necessidade de se inter-relacionar com os membros da coletividade. É a intersubjetividade que caracteriza este ser espiritual, que inserido na realidade espacial e temporal, constrói a historia;

    - o homem enquanto individuo ou se relacionando manifesta-se, ou seja, "qualquer acáo, todo discurso, qualquer expressáo de conduta do individuo já é urna objetivacáo, um ato de exteriorizacáo [...]" (ADEODATO, 1996).

    Para Nicolai Hartmann (apud ADEODATO), o valor é captado pelo homem e separa-se de quem o captou e lhe deu significado. Penetra na intersubjetividade e adquire um significado. Ao ser vivenciado já está objetivado, mas pode nao ser consolidado. A consolidacáo é que dará ou nao ao valor o qualificativo de independente ou dependente,Page 57 respectivamente. Quanto mais tempo o valor permanecer, mais independente será do espirito vivo que o percebeu e vivenciou. Após ser objetivado passa a compor a historia do homem que é real.

    Acrescenta que o conhecimento dos valores é em um único ato, sobremodo emocional e secundariamente racional. Embora a intuicáo axiológica ocorra em cada sujeito, este fato nao autoriza afirmar que nao sejam objetivos. A objetividade fica evidente a medida que há valores que permanecem na esfera ideal e aqueles nao vivenciados, nao significa dizer que eles nao...

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