Razões de apelação. Latrocínio. Participação de menor importância. Inocorrência

AutorOctahydes Ballan Junior
Ocupação do AutorPromotor de Justiça no Estado do Tocantins. Coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal (2012/2014). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca
Páginas320-333

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RAZÕES DE APELAÇÃO

Comarca de ................

......... Vara Criminal

Processo nº ...............

Apelante: Ministério Público do Estado do(e) .................

Apelado: "A"

Egrégio Tribunal,

Colenda Câmara,

Eméritos Julgadores,

Douto Procurador de Justiça:

Insurge-se o Ministério Público do Estado do(e) ........................ contra a sentença de fls. .../.., que houve por bem condenar "A" como incurso no crime previsto no artigo 157, § 3º, parte final (latrocínio), do Código Penal, observados os rigores da Lei nº 8.072/90, mas com a causa de diminuição de pena do artigo 29, § 1º, CP (participação de menor importância).

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A decisão do Juízo a quo, como se verá, merece ser reformada apenas no tocante à pena cominada ao apelado, com redimensionamento de sua dosimetria e exclusão da citada causa de diminuição.

Com efeito, o Ministério Público do Estado do(e) ................ denunciou "A" porque no dia ... de ............... de ....., por volta das 14 horas, nas proximidades da residência localizada na Rua 1, nº 1, na cidade de .................., em concurso de agentes com "B" (já falecido) e "C" (adolescente), mediante emprego de violência (consiste em imobilização física da vítima e disparos de arma de fogo) contra a pessoa de "D", subtraiu, para si, um revólver de propriedade da vítima. Da violência empregada resultou a morte de "D".

O fato encontrou enquadramento típico no artigo 157, § 3º, in fine, c/c artigo 29 do Código Penal, observadas as disposições da Lei nº 8.072/90.

O processo teve regular curso, sobrevindo a sentença condenatória. Nela foi fixada a pena privativa de liberdade de 19 (dezenove) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 31 (trinta e um) dias-multa, na base de 1/30 do salário mínimo.

Contudo, a dosimetria da pena merece ser revista em três pontos: 1) equivoco na aferição das circunstâncias judiciais (artigo 59, CP); 2) errôneo reconhecimento da agravante da reincidência (artigo 61, I, CP); 3) indevido reconhecimento da participação de menor importância (artigo 29, § 1º, CP). Vejamos:

CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS - ARTIGO 59, CP - AFERIÇÃO EM DESFAVOR DO APELADO - SIGNIFICATIVA MAJORAÇÃO DA PENA-BASE - REINCIDÊNCIA - NÃO COMPROVAÇÃO - AFASTAMENTO DA AGRAVANTE - CONSIDERAÇÃO PARA ELEVAÇÃO DA PENA-BASE - POSSIBILIDADE

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É cediço que o Código Penal adotou o critério trifásico de cálculo da pena.

No caso em tela, a pena abstratamente cominada varia de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos. Dentro desses limites deve ser estabelecida a pena-base à vista das circunstâncias judiciais (artigo 59, CP).

Optou o juízo a quo por uma pena-base de 22 (vinte e dois) anos de reclusão.

Entretanto, a sentença considerou as seguintes circunstâncias desfavoráveis ao apelado: 1) antecedentes; 2) conduta social; 3) personalidade; 4) motivo do crime; 5) comportamento da vítima3; 6) culpabilidade.

Das oito circunstâncias do artigo 59, CP, apenas duas não foram sopesas contra o apelado: 1) consequências do delito; 2) circunstâncias do crime.

Sem embargo da exposição que se seguirá quanto a estas duas circunstâncias não consideradas contra o apelado, de plano já se vê que a dosimetria da pena-base foi equivocada.

Com efeito, se oito são as circunstâncias judiciais e o juízo singular considerou, de pronto, que seis são negativas, não poderia, num intervalo legal de 10 (dez) anos, aumentar somente 2 (dois) anos na pena-base; afinal, cada circunstância judicial deve corresponder a aproximadamente 1 ano e 3 meses de exasperação.

Assim, graficamente a situação pode ser retratada desta maneira:

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CIRCUNSTÂNCIAS

JUDICIAIS

Circunstâncias do art. 59, CP

Avaliação em relação ao réu

Tempo de exasperação numa pena de 20 a 30 anos

Culpabilidade contra 1 ano e 3 meses

Antecedentes contra 1 ano e 3 meses

Conduta social contra 1 ano e 3 meses

Personalidade contra 1 ano e 3 meses

Motivos contra 1 ano e 3 meses

Circunstâncias favor 0

Consequências favor 0

Comportamento da vítima contra 1 ano e 3 meses

TOTAL DE AUMENTO: 7 ANOS E 6 MESES

Como se vê, uma adequada dosimetria resultaria numa pena corporal próxima de 27 (vinte e sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

Não é admissível que o Poder Judiciário julgue 6 de 8 circunstâncias judiciais contra o apelado e lhe confira um singelo aumento de 2 (dois) anos de reprimenda num crime de latrocínio.

Não se pretende aqui criar um critério puramente matemático para a aferição da pena, e sim demonstrar, através de uma análise segura, o patamar aproximado de valoração das circunstâncias judiciais, que bem atende ao princípio da proporcionalidade, podendo o julgado, se for o caso, valorá-las para mais ou para menos, mas com proporcionalidade e razoabilidade, o que não ocorreu no caso em tela.

Além do mais, calha frisar que as outras duas circunstâncias consideradas em favor do apelado foram mal analisadas.

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No tocante às consequências do delito, consta na sentença (fl. 157) que elas, "por circunstâncias alheias à vontade do agente, não foram funestas".

A afirmação está de todo equivocada, pois o crime de latrocínio foi consumado, havendo a morte da vítima (laudo cadavérico às fls. .../...) e ainda a subtração da res.

Logo, não houve qualquer circunstância alheia que tornasse o resultado menos "funesto". Além da vida, a propriedade/posse do bem subtraído também foi perdida para sempre, deixando patente que o resultado do crime foi o mais grave possível.

Em relação às circunstâncias, tidas meramente como "inerentes ao tipo penal" (fl. 157), tem-se que elas foram mais do que isso.

Em primeiro lugar, deve ficar claro que o apelado agiu em concurso de pessoas, o que demonstra maior gravidade da conduta, tanto assim que o próprio artigo 157, CP, considera o concurso de agentes como causa de aumento do delito de roubo4.

É certo que o estatuto repressivo não repete essa causa de aumento no latrocínio, mas fica evidente que o legislador considerou o concurso de agentes como uma situação mais grave e que, à falta de causa de aumento ou qualificadora específica, pode e deve ser considerado na aferição da pena-base, quando da apuração das circunstâncias do crime.

Outrossim, também é uma circunstância de relevo o fato de um dos agentes ser adolescente ao tempo dos fatos, tendo o apelado, pois, se valido de pessoa com menor resistência e que deveria receber proteção integral do Estado, para efetuar delito de tamanha gravidade.

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Resta claro que as circunstâncias do crime não foram meramente inerentes ao tipo penal, devendo ser valoradas contra o apelado, com exasperação da pena-base.

Cumpre dizer que, na segunda fase da dosimetria, considerou-se que o apelado era reincidente, chegando a sanção ao patamar de 25 (vinte cinco) anos e 8 (oito) meses de reclusão.

Aqui houve novo equívoco.

É que o cálculo e as certidões de fls. .../..., ... e ..., não comprovam a reincidência. Tais documentos demonstram, sem sombra de dúvida, que o...

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