Duração Razoável do Processo e Reformas da Lei Processual Civil

AutorAraken de Assis
Ocupação do AutorProfessor Titular da PUC/RS; Doutor em Direito pela PUC/SP; Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Páginas41-59

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Duração Razoável do Processo e Duração Razoável do Processo eDuração Razoável do Processo e Duração Razoável do Processo eDuração Razoável do Processo e Reformas da Lei Processual Civil Reformas da Lei Processual CivilReformas da Lei Processual Civil Reformas da Lei Processual CivilReformas da Lei Processual Civil *****

SUMÁRIO: 1 Explicitação do Direito Fundamental à Razoável Duração do Processo. 2 Relação entre a Duração Razoável do Processo e Reformas Processuais. 3 Universalidade das Mudanças Legislativas e Dados Recentes.
4 A Multiplicidade de Litígios como Causa da Lentidão: Crise de Demanda.
5 A Inviabilidade do Aumento da Oferta. 6 A Esperança nas Reformas Processuais. Bibliografia.

1 Explicitação do Direito Fundamental à Razoável Duração do 1 Explicitação do Direito Fundamental à Razoável Duração do1 Explicitação do Direito Fundamental à Razoável Duração do 1 Explicitação do Direito Fundamental à Razoável Duração do1 Explicitação do Direito Fundamental à Razoável Duração do Processo
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A Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004, inseriu no catálogo dos direitos fundamentais norma do seguinte teor (art. 5º, LXXXVIII): “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Não se pode emprestar à explicitação do princípio da duração razoável do processo o caráter de novidade surpreendente e, muito menos, de mudança radical nos propósitos da tutela jurídica prestada pelo Estado brasileiro. Estudo do mais alto merecimento já defendera, baseado em argumentos persuasivos, a integração ao ordenamento brasileiro do direito à prestação jurisdicional tempestiva, através da incorporação do Pacto de São José da Costa Rica ou Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

* O presente estudo presta comovida homenagem ao Prof. José Carlos Barbosa Moreira. O autor assinala sua imensa admiração pessoal e agradece ao ilustre jurista, além de outras manifestações de apreço, o convite e a confiança nele depositada para integrar a célebre coleção de “Comentários ao Código de Processo Civil”, rigorosamente coordenada pelo Prof. José Carlos, na qual se encarregou do vol. 6, em substituição ao saudoso Prof. Alcides de Mendonça Lima.

** Professor Titular da PUC/RS; Doutor em Direito pela PUC/SP; Desembargador do Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul.

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Em síntese, o art. 8º, 1, do Pacto, prevendo tal direito, agregou-se ao rol dos direitos fundamentais, a teor do art. 5º, § 2º, da CF/88. De acordo com tal regra, o catálogo formal não excluiria outros direitos fundamentais decorrentes de tratados internacionais.1À luz desse raciocínio, a EC 45/05 limitou-se a declarar um princípio implícito da Constituição. Ainda mais convincente se revelava a firme tendência de localizar na cláusula do devido processo (art. 5º, LV, da CF/88) a garantia de um processo justo, inseparável da prestação da tutela jurisdicional no menor prazo de tempo possível nas circunstâncias.2Ao mesmo tempo, a referida EC 45/05 acrescentou ao art. 93, XIII, da CF/88, a exigência de que “o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população”.

À primeira vista, há flagrante a relação entre uma coisa e outra. Se um único órgão judiciário se encarregasse de distribuir Justiça numa “unidade jurisdicional” – expressão utilizada para abranger, indistintamente, tanto a comarca, tradicional divisão territorial da Justiça Ordinária, quanto a novel seção judiciária, preferentemente utilizada na Justiça Federal,3sem excluir, por óbvio, a dimensão total dos ramos em que se divide a Justiça Pública no território nacional –, minimamente povoada, jamais se atingiria a “razoável duração” do processo, cogitada no art. 5º, LXXXVIII, da CF/
88.

A respeito da íntima relação entre competência e divisão do trabalho jurisdicional, rememore-se uma das lições sempre atuais de Carnelutti: no Estado moderno, via de regra distribuído em amplo território densamente ocupado, mostrar-se-ia impossível confiar a tarefa de julgar a um órgão único, suscitando a decorrente a necessidade de distribuir a massa de lides entre vários órgãos judiciários ou, precisamente, o problema de competência, a fim de que todos os conflitos sejam resolvidos.4Resta perquirir se o Estado brasileiro, concebido sob a forma federativa, dispõe de recursos financeiros e materiais para realizar a proposição do art. 93, XIII, da CF/88, e, além disto, se a simples ampliação dos órgãos judiciários por si só assegurará aos litigantes a “duração razoável”.

1 José Rogério Cruz e Tucci, Tempo e processo, pp. 86-87.

2 Babyton Pasetti, A tempestividade da tutela jurisdicional e a função social do processo, p. 18.

3 Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, n. 3.3.2, p. 157.

4 Francesco Carnelutti, Lezioni di diritto processuale civile, v. 3, n. 191, p. 121.

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2 Relação entre a Duração Razoável do Processo e Reformas
2 Relação entre a Duração Razoável do Processo e Reformas2 Relação entre a Duração Razoável do Processo e Reformas
2 Relação entre a Duração Razoável do Processo e Reformas2 Relação entre a Duração Razoável do Processo e Reformas Processuais
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Além desse antigo liame com a multiplicidade de órgãos judiciários, o direito fundamental à duração razoável do processo, doravante explicitado no art. 5º, LXXXVIII, da CF/88, harmoniza com a aspiração generalizada pela rapidez na solução dos processos judiciais.

Um dos notórios objetivos das extensas reformas empreendidas nas leis processuais para debelar o que se costuma designar de “crise da Justiça” consiste na celeridade. Apesar de vulgar, a fórmula “crise da Justiça” soa excessiva e imprópria. Induz a crença que a Justiça em si perdeu-se em algum escaninho burocrático. Na verdade, busca-se nela expressar que a prestação jurisdicional prometida pelo Estado, no Brasil e alhures, tarda mais do que o devido, frustrando as expectativas dos interessados. A obra da Justiça continua se realizando como sempre, acompanhada, também como sempre, dos demais defeitos inerentes à frágil condição humana. O processualista que se homenageia, por sem dúvida com Justiça tempestiva e insuscetível a impugnações, José Carlos Barbosa Moreira, identificou e denunciou o mito da rapidez acima de tudo, dividido em vários submitos, um dos quais a hipervalorização da intrínseca “malignidade da lentidão”.5 A observação é trivial e exata. Nem sempre o processo rápido traduz processo justo. Impõe-se abreviá-lo para melhorá-lo, e, não, piorá-lo, sonegando outros tantos direitos fundamentais a uma das partes ou a ambas.6Como quer que seja, difundiu-se a impressão, representando outro submito proclamado no mesmo trabalho, de que a causa provável da lentidão reside na obsolescência das leis processuais, concebidas sob a égide do individualismo, antiquadas e imprestáveis para veicular o processo na sociedade de massas contemporânea. Daí a relação que se estabelece, para o bem ou para o mal, entre a duração razoável do processo e mudanças nas respectivas leis.

Desde 1992 realizam-se com afinco e desenvoltura, entre nós, tais alterações na lei processual. A bem da verdade, o movimento renovador iniciou durante os trabalhos do Primeiro Congresso Nacional de Direito

5 José Carlos Barbosa Moreira, O futuro da Justiça: alguns mitos, n. 2, p. 5.

6 Conforme notou Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, Direito à jurisdição eficiente e garantia da duração razoável do processo na reforma do judiciário, n. 6, pp. 167, a supressão de outros direitos fundamentais se revela “inconstitucional e antidemocrática”.

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Processual Civil, organizado pelo Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul – então presidido por Luiz Carlos Lopes Madeira, hoje integrante do Conselho Nacional do Ministério Público – e realizado em Porto Alegre, no ano de 1983, no qual processualistas de todo o Brasil apresentaram numerosas teses. E uma delas, de autoria de Ovídio A. Baptista da Silva, teve a ventura de originar a antecipação dos efeitos da sentença, hoje prevista no art. 273 do CPC.7Em relação aos colóquios anteriores, ocorridos em 1974, no Rio de Janeiro, e em 1975, em Curitiba, o Primeiro Congresso representou um ponto de inflexão e significativa mudança de rumos: os dois primeiros encontros se ocuparam, fundamentalmente, da interpretação do então recentíssimo CPC de 1973; em Porto Alegre, recolhida a experiência de dez anos de aplicação do estatuto, a ênfase recaiu nas mudanças do texto legal.8O trabalho frutificou nos anos seguintes. Adotou-se, a partir de 1991, a política de reformas parciais. O objetivo comum dessas alterações, consoante um de seus mais expressivos protagonistas, consiste em aperfeiçoar o CPC com “vista a permitir uma justiça mais rápida e efetiva”.9Também aqui cumpriria investigar na realidade concreta, mediante métodos empíricos, o êxito real dessas copiosas alterações legislativas. Nada assegura a consumação do ambicioso objetivo. A coleta de dados permitiria avaliar em que medida a lei infraconstitucional favorece e concede aos litigantes os “meios” referidos na Constituição para obter a “duração razoável” do processo. Entre nós, porém, poucos se entregam a semelhantes pesquisas. Em numerosas ocasiões, José Carlos Barbosa Moreira reclamou e apontou a falta de estatísticas confiáveis para aquilatar a conveniência de novas transformações legislativas e, principalmente, os resultados concretos das já feitas a esmo.10Não é demasia afirmar que a base racional de todas as alterações empreendidas sofre de vício congênito e...

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