Raciocínio jurídico funcional a exemplo do direito societário

AutorLorenz Fastrich
Páginas53-85

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Abreviaturas

AktG - Aktiengesetz (Lei das Sociedades por Ações alemã)

BAG - Bundesarbeitsgericht (Tribunal Superior do Trabalho)

BGB - Burgerliches Gesetzbuch (Código Civil alemão)

BGH - Bundesgerichthof (Superior Tribunal Federal alemão)

BGHZ - BGH Zeitschrift (Revista do BGH)

GmbH - Gesellschaft mit beschrãnkter Haftung (Sociedade Limitada)

GmbHG - GmbH Gesetz (Lei das Sociedades Limitadas)

HGB - Handelsgesetzbuch (Código Comercial alemão)

OHG - Ojfene Handels gesellschaft (Sociedade Comercial Aberta)

RG - Reichsgericht (Tribunal do Império)

I - Introdução
1. Raciocínio jurídico funcional

O que deve ser analisado a seguir, sob o raciocínio jurídico funcional, pode talvez ser melhor evidenciado, inicialmente, com um exemplo.

Podemos assumir que em um contrato social de uma sociedade de pessoas seja acordado que a maioria possa excluir outros sócios mediante decisão por maioria qualificada, sem que seja necessária prova de uma justa causa. Tal regra traz algo por si, pois deve permitir que os sócios, sem necessidade de uma prova morosa e complicada sobre determinadas faltas e da conhecida "lavagem-de-roupa-suja" em público, possam se separar de um determinado sócio, quando o trabalho em conjunto se torna problemático. Por muito tempo considerou-se absolutamente válida uma cláusula de tal tipo, pois se visualiza sua neces-sidade.1 Muitos foram surpreendidos à época quando no ano de 1977 o BGH, porém, a reprovou2 e entendeu, a partir de então, que "cláusulas de exclusão" (Hinauskiindi-gungsklauselri), como entrementes passaram a ser conhecidas, representavam uma violação dos bons costumes na forma do § 138 do Código Civil alemão.3

Tal decisão levou a uma longa controvérsia na doutrina, que não deve ser re-tratada aqui,4 que criticava o fato de não ser correto que não se pudesse, como só-

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cio, no contexto da autonomia privada, submeter-se a uma cláusula tal, e ainda mais quando não era nem mesmo dito que no caso de exclusão não se receberia compensação.5 O que é, então, contra os bons costumes?6 O RG reconhecia, assim, de forma expressa, que a exclusão de um sócio pode ser submetida à vontade dos demais sócios, pois em sua aceitação do contrato social encontra-se um consentimento antecipado para uma eventual exclusão.7

O BGH não apresentou inicialmente - ainda que não exista razão objetiva especial para isto - qualquer fundamentação8 para sua decisão em sentido contrário, e que considerava nula tal "cláusula de exclusão". Mais tarde, porém, uma fundamentação surpreendente: a liberdade de contratar seria obrigada a ter seus limites não só nos princípios gerais do ordenamento jurídico (com isto pensava o BGH claramente na proibição de violação dos bons costumes), mas também nos princípios gerais do direito societário. Cláusulas contratuais não poderiam ser formuladas de tal forma que atingissem o necessário trabalho em conjunto dos sócios em sua essência. Não poderiam colocar em risco o cumprimento das tarefas relativas a cada sócio ou em dúvida a colaboração leal à sociedade. Isto seria exatamente o problema em existir uma cláusula deste tipo, pois o sócio, sobre cuja cabeça estaria pairando constantemente a espada de Dâmocles da exclusão infundada, não poderia mais lançar mão de seus direitos como sócio de forma despreocupada.9 Não obstante algumas críticas, o BGH mantém tal opinião até hoje. Pode-se falar, entrementes, em uma jurisprudência reiterada.10

Se analisarmos a fundamentação do BGH para o não-reconhecimento da "cláusula de exclusão", então, torna-se claro que em tal jurisprudência não se trata - ou, em todo caso, não em primeira linha - da pro-teção do sócio contra um abuso de poder que viola os bons costumes, mas em essência da proteção da funcionalidade da sociedade como tal. É a funcionalidade interna da sociedade que é protegida. O BGH diz que cláusulas contratuais não podem colocar em risco o cumprimento das tarefas relativas a cada sócio ou em dúvida a colaboração leal à sociedade.11 Com isto, a sociedade é claramente vista como um subsistema, cuja função se estrutura sob determinados pressupostos que não podem ser prejudicados por acordos contratuais. E o BGH visualiza tais pressupostos funcionais, entre outras coisas, na possibilidade do exercício dos direitos de sócio conforme necessário. Somente assim funciona a sociedade como sistema.

2. Questionamento e sistemática da exposição

Este aspecto, por mim denominado funcional (ou, se quiserem, sistémico-funcional, por estar direcionado à funcionalidade do subsistema "sociedade"), é expressão de uma compreensão teleológica das respectivas regras jurídicas. Se perguntarmos, porém, sobre a tarefa de uma determinada regulamentação, então, o questionamento teleológico é ainda muito geral. Trata-se, na realidade, de investigar o sentido de uma determinada regulamentação. Este pode ser muito variado. Trata-se aqui, porém, do reconhecimento de que o sentido de uma regulamentação encontra-se muitas vezes não - ou não somente - na

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proteção direta do indivíduo, do sócio, do credor etc, mas também no funcionamento de um subsistema como o da sociedade de pessoas ou da sociedade de capitais, e que se deve considerar a manutenção da funcionalidade deste subsistema quando da aplicação do Direito ou de sua construção jurisprudencial (Rechtsfortbildung). Não é permitido que seja destruído, e para tanto é necessário que se conheçam as condições funcionais que não estão escritas.

Com o tema "Raciocínio Jurídico Funcional a Exemplo do Direito Societário", gostaria, então, de perseguir este pensamento funcional e procurar descobrir do que se trata, pois estamos acostumados, em todo caso, no direito privado, a pensar a partir da proteção do indivíduo e de lá determinar os limites da ação. Para tanto disponi-bilizamos todo um arsenal de figuras e instrumentos dogmáticos. Cito somente o § 138 BGB, § 242 BGB etc. Ocupam mais e mais espaço os aspectos ético-jurídicos nos debates dos tribunais.12 Conhecemos construções júri sprudenci ais que consideram um princípio ético jurídico.13 Também sabemos que o ordenamento jurídico pode ser pensado como um sistema.14 O que nos falta, por outro lado, é, possivelmente, um fundamento metodológico15 e também dogmático claro para entender se e em que medida também é função da interpretação legal e da jurisprudência a proteção da função de um subsistema ou de uma organização como tal - como, por exemplo, uma sociedade -, e, em qualquer caso, como deve ocorrer. O que significa garantir juridica-mente a funcionalidade da sociedade, quais instrumentos estão à disposição para tanto e como se deve proceder metodologicamente?

Não se pode olvidar que o subsistema é construído de forma a justificar as exigências de proteção do indivíduo, do credor etc. Não é hora ainda de discutirmos isto.16 Tal proteção, todavia, não é realizada por meio de comandos de conteúdo di-retos, mas indiretamente, por meio da função apropriada do subsistema sociedade.

O aspecto funcional não se confunde, assim, com a indagação sobre se a um sócio em específico é injustamente negada uma informação necessária e se o mesmo pode impugnar a decisão tomada na sequência. Não é reconhecida a votação em todo caso, não somente por ser contrária aos bons costumes perante um sócio em específico, mas sim porque prejudica a funcionalidade da sociedade como organismo ou sistema. Ambas, a proteção do indivíduo e a proteção da funcionalidade do sistema, relacionam-se entre si, mas não são a mesma coisa.17

Gostaria de perseguir a importância do pensamento funcional em quatro etapas: na primeira gostaria de indagar se no caso do meu exemplo de raciocínio, a partir da função do sistema, se trata simplesmente de um caso específico ou, de fato, de uma área relevante (a seguir, II); na segunda gostaria de tentar explicitar esta análise funcional no sistema jurídico (III); na terceira gostaria de, ao final, avaliar se e quais regras podem ser formuladas para a aplicação do Direito e para a jurisprudência (a seguir, IV). Gostaria de encerrar, então, com uma breve incursão sobre se o pensamento funcional é algo específico do direito societário, ou se sua importância vai além (V).

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II - Importância do pensamento funcional e sua incompreensão em casos específicos
1. Doutrina do núcleo temático

(a) Conceito e importância geral

Preleciona a teoria do núcleo temático que existem determinados direitos de sócio que não são dispositivos, mas que - isto, sim -, pertencendo a um núcleo da relação de participação (Mitgliedschaft), estão ligados a ela e também não podem ser restringidos para além de certos limites.

Todavia, não está claro, até hoje, quais são tais direitos. O argumento do núcleo temático é utilizado, na realidade, sempre de forma esporádica, mas o conteúdo completo da teoria do núcleo temático consiste substancialmente no reconhecimento da existência de casos nos quais a renúncia contratual de direitos de sócio não é permitida...

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