A Questão do Grupo Econômico na Relação Jurídico-Desportista: Possibilidade?

AutorFábio Rodrigues Gomes
Ocupação do AutorJuiz Federal do Trabalho. Mestre e Doutor em Direito Público pela UERJ
Páginas124-130

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Ver nota 1

I - Introdução

Por sugestão do Ministro Alexandre Agra Belmonte, coube-me tecer algumas considerações a respeito da aplicação do conceito de "grupo econômico" ao contrato de trabalho desportivo, i. e., àquele ajustado de modo profissional numa relação de desporto de rendimento (art. 3º, III e parágrafo único, I da Lei n. 9.615/1998).

Num primeiro momento, este poderia parecer um exercício um tanto quanto trivial, na medida em que não é de hoje que o atleta profissional é, ou melhor, pode vir a ser empregado de uma entidade de prática desportiva. Contudo, esta obviedade é mais aparente do que se imagina, pois existe aqui uma pergunta latente que não quer calar: se há grupo econômico em um dos polos desta relação jurídica, ele é formado por quem?

O direito desportivo brasileiro sofreu diversas alterações legislativas nos últimos anos. Para não irmos muito longe, basta lembrarmos da Lei n. 6.354/1976 ("Lei do Passe"), alterada pela Lei n. 8.672/93 ("Lei Zico") que, por sua vez, foi substituída pela Lei n. 9.615/1998 ("Lei Pelé").

Tais reestruturações normativas acarretaram enorme impacto no dia a dia dos clubes, jogadores e seus empresários. Mas, em todas elas, o legislador quedou-se silente sobre os limites e as possibilidades de os grupos econômicos atuarem no contrato de trabalho desportivo. Eloquente ou não, este silêncio permaneceu obscurecido ao longo do tempo, até tornar-se um pouco mais perceptível com a entrada em vigor da Lei n. 12.395/2011 ("Nova Lei Pelé").

Depois de submetida a variadas combinações de pressão e temperatura, a Lei n. 9.615/98 foi objeto das mais variadas críticas, tornando-se premente a necessidade do seu aperfeiçoamento2. Com o claro objetivo de arejar o sistema nacional de desporto, o legislador brasileiro nele enraizou ainda mais profundamente os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa desportiva, previstos nos arts. e 217, I da CF/88, e acabou por positivar a obrigatoriedade de atuar-se com eficiência, boa-fé e profissionalismo (art. 2º, III, IX e XII e art. 27-C, V da Lei n. 9.615/1998), tudo com vistas a criar maior "transparência" e, desta forma, "moralizar" este relacionamento (art. 2º, parágrafo único, I e II e art. 27, § 6º, IV da Lei n. 9.615/1998). Um relacionamento capaz de mexer, como poucos, com as mentes e corações de milhões dos torcedores espalhados pelo país afora. E este processo culminou, neste ano de 2011, com a incidência da Lei n. 12.395/2011.

Neste sentido, mecanismos institucionais foram criados e/ou expandidos para conferir maior segurança jurídica aos atletas e às entidades de prática desportiva. Como exemplo, pode-se mencionar a exigência de apresentação da situação financeira, juntamente com os relatórios de auditoria, pela entidade de prática desportiva, a fim de que possa obter financiamento com recursos públicos ou fazer jus a programas de recuperação econômico-financeira (art. 27, § 6º, V).

Vê-se, portanto, que a tônica axiológica por detrás desta malha de proteção normativa pode ser resumida em uma única palavra: garantia. Ou seja, tem-se a ascensão de uma ideia muito semelhante (para não dizer idêntica) àquela encontrada na Consolidação das Leis do Trabalho, inserida com o intuito de estipular a solidariedade dos participantes dos grupos econômicos tomadores do serviço alheio3.

Dito isso, vamos analisar brevemente a possibilidade de extensão desta noção para além das fronteiras genéricas da CLT, localizando-a no terreno fértil e altamente movediço do contrato de trabalho desportivo. Para tanto, o enfoque em algumas das diretrizes recém incorporadas à legislação especial será deveras necessário.

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II - Grupo econômico: do conceito tradicional às peculiaridades legais

Logo de início, é importante enfatizar que, não obstante o contrato de trabalho desportivo ser um ajuste especialíssimo, foram abertos canais de comunicação direta entre a Lei n. 9.615/1998 e a CLT (v.g., art. 28, § 4º da Lei n. 9.615/1998). Outrossim, percebe-se que o legislador foi cuidadoso o bastante para apontar expressamente os institutos especiais considerados incompatíveis com a generalidade do direito do trabalho, em face das peculiaridades do contrato desportivo (e.g., art. 28, § 4º, I, II, III, IV, V e VI, e § 10 e art. 30, parágrafo único da Lei n. 9.615/1998).

Mas, de um jeito ou de outro, o que nos interessa neste instante é sublinhar que ao art. 2º, § 2º, da CLT não foi direcionada qualquer restrição, estando, ao menos em tese, apto a incidir nesta relação de emprego diferenciada.

Pois bem. Antes de avançarmos para a averiguação do tema propriamente dito, devemos retornar alguns passos, a fim de relembrarmos o conceito tradicional de grupo econômico. Isso porque será com base nesta versão solidificada que iremos dar início à construção da linha de raciocínio voltada à solução do problema posto na Introdução deste ensaio.

Segundo o já referido no art. 2º, § 2º, da CLT: "Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas".

Eis aí o texto, a matéria-prima que temos em mãos para investigar a dúvida introdutória4. Sendo assim, duas serão as premissas indispensáveis à sua adequada interpretação: (1) o resgate do conceito semântico de norma5; e (2) o uso da boa e velha argumentação teleológica, à moda maximiliana6. A primeira, por conta da lembrança da dissociação entre o enunciado linguístico e o(s) sentido(s) dele extraído(s) por intermédio da interpretação/ argumentação. A segunda, para não olvidarmos do caráter normogenético dos princípios e, com isso, resgatarmos a imprescindibilidade de por eles nos guiarmos, quando nos encontrarmos em dificuldades para a aplicação das estruturas regulatórias postas a nossa disposição.

Neste passo, buscarei um atalho nas divagações hermenêuticas em torno deste assunto, valendo-me da opinião do jurista Délio Maranhão. Não porque pretenda me escorar no argumento de autoridade por si só. Mas, sim, porque trata-se de uma visão sofisticada e bastante difundida e aceita ao longo dos anos, tanto nos meios acadêmicos, como no espaço jurisprudencial. De modo que, ao unir o útil ao agradável, não pensarei duas vezes e irei reverberar a explanação ponderada deste doutrinador, pois, além de concordar com sua reflexão, conseguirei poupar precioso tempo e espaço de exposição, ambos extremamente escassos diante da brevidade que se impõe.

Dito isso, sigo com o renomado professor quando ele nos alerta que, a par das imperfeições terminológicas do texto, "O legislador não disse tudo quanto pretendia dizer", para, logo adiante, lançar-se na finalidade social almejada (a maior garantia dos créditos trabalhistas), afirmando que "não é indispensável a existência de uma sociedade controladora (holding company)", até mesmo porque a "concentração econômica pode assumir os mais variados aspectos"7.

Ou seja, a caracterização do grupo econômico pode ter o seu ponto de partida na dominação de uma empresa sobre outras, mas nele não se esgota. Novas variações sobre o mesmo tema são possíveis, estando tudo a depender da prova que se faça do "fato" da existência de um agrupamento (entre sociedades, sociedades e pessoas físicas ou de pessoas físicas entre si) voltado para a exploração conjunta da mão de obra alheia8. Prova esta que, com o cancelamento da Súmula n. 205 do TST, poderá ser feita na fase de conhecimento ou de execução.

Fechado o ciclo e, assim, delineada a noção básica de grupo econômico a partir da normativa geral, vejamos como o legislador atuou com ela no cenário específico.

De imediato, pode-se constatar o aumento da sua preocupação em torno da "garantia" dos direitos trabalhistas dos atletas profissionais. Isso porque:

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(1) a concessão de isenção fiscal e repasse de recursos públicos federais às entidades de...

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