A Publicidade Infantil e a Regulação da Publicidade de Alimentos de Baixo Teor Nutricional

AutorLarissa Maria de Moraes Leal/Raíssa Alencar de Sá Barbosa
CargoDoutora em Direito Privado pela UFPE ? Universidade Federal de Pernambuco/Mestre em Direito Privado pela UFPE ? Universidade Federal de Pernambuco
Páginas41-59

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Excertos

“A publicidade integra um processo mais abrangente de estudo de mercado, qual seja, o marketing, cujo objetivo, por sua vez, é debruçar-se sobre as demandas do consumidor, de molde a prover o mercado de produtos e serviços que atendam a elas”

“O Código de Defesa do Consumidor cuidou, de modo especial, da tutela da criança, que não pode ter sua natural inexperiência e dificuldade de julgamento exploradas por fornecedores e anunciantes”

“Por que o CDC busca defender a criança frente à publicidade? Porque esse diploma legal, além de consagrar a tutela do vulnerável, teve em conta a necessidade de concretização do princípio da absoluta prioridade da criança, previsto no art. 227 da CF/88

“A publicidade, também para efeito de tutela da criança, deve evidenciar sua finalidade comercial, promover valores positivos para a sociedade, abster-se de praticar ofensas contra os consumidores, ser clara e precisa, jamais avançando no vão das dificuldades de julgamento ou experiência da criança”

“É imperativa uma contínua comunicação entre áreas do conhecimento, em especial as que se debruçam sobre a saúde pública, de molde a permitir que os conhecimentos adquiridos influenciem o direito numa melhor determinação dos ônus que devem pesar sobre os fornecedores”

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À guisa de introdução

A publicidade é um mecanismo de divulgação dos produtos ou serviços no mercado, com o intuito de despertar o ânimo positivo dos consumidores. Três agentes concorrem para a elaboração e disseminação do anúncio publicitário: o fornecedor ou anunciante, financiador da elaboração e maior interessado na comunicação mercadológica; a agência publicitária, a quem compete a formulação de mensagem em termos mercantis; e o veículo de comunicação, que divulga a publicidade1.

A publicidade é claramente comercial, voltada à captação e adesão de novos consumidores, diferente da propaganda, que não tem no lucro uma finalidade explícita2.

Deve-se ressaltar que a publicidade integra um processo mais abrangente de estudo de mercado, qual seja, o marketing, cujo objetivo, por sua vez, é debruçar-se sobre as demandas do consumidor, de molde a prover o mercado de produtos e serviços que atendam a elas3. Tais definições, no Brasil, são importantes para a utilização da terminologia correta; porém, há quem as utilize indistintamente. Com efeito, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) refere-se à publicidade como propaganda comercial, no art. 220, § 4º, e também como publicidade, no art. 37, § 1º4.

Se, por um lado, o marketing consubstancia um processo mais amplo de formulação do anúncio publicitário, a propaganda consiste em disseminação de ideia com vistas a estimular opções políticas, sociais ou religiosas, não tendo como fito a divulgação de informações sobre produtos ou serviços, finalidade adotada pela publicidade5. De todo modo, publicidade e propaganda encontram-se no ambiente da mídia, reconhecida como a ferramenta mais revolucionária do século XX, que avança no século XXI como a maior responsável pela era do consumo e, também, do consumismo, por ocupar lugar cativo nas residências de bilhões de pessoas, e interferir na própria construção de suas subjetividades ao criar, ensinar e alterar valores culturais, sociais e familiares6.

Cuidar do tema da publicidade impõe discutir se existe, ou não, um direito de anunciar, e quais seriam as balizas para o exercício desse direito. Por força da inserção da economia brasileira em um mercado capitalista, bem como em razão da tutela, pela Constituição Federal de 1988, da livre iniciativa, está consolidado no Brasil o direito subjetivo de anunciar. Todavia, ainda que esse direito esteja consubstanciado na Constituição, também lá recebe limites, como a defesa do consumidor, a teor do art. 170,

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V, da CF/88. Nessa linha de raciocínio, embora haja autorização para a obtenção de espaços no mercado, a atividade deve se desenvolver dentro de determinados balizamentos7.

A proteção do consumidor é direito fundamental no Brasil, nos termos expressos do artigo 5º da Constituição Federal. A livre iniciativa e, bem assim, o direito de anunciar devem atender às estruturas constitucionalmente determinadas para seu exercício, cabendo, ainda, nessa equação o comando expresso de nossa lei maior: o Estado deve promover a defesa do consumidor. São deveres e direitos entrelaçados que não autorizam qualquer interpretação isolada de um ou outro, sob pena de diminuição da eficácia normativa do texto constitucional.

De acordo com o art. 1º, III, da CF/88, somente a livre iniciativa que atenda à sua função social receberá agasalho como fundamento da República Federativa do Brasil. A livre iniciativa está condicionada a desenvolver-se com vistas a concretizar algo de positivo para a sociedade, não estando tutelada, portanto, aquela que culmine com a geração de efeitos nefastos no meio social.

A partir dessa correlação de forças no campo constitucional, o Código de Defesa do Consumidor relacionou ao direito de anunciar o direito básico do consumidor a informação adequada, suficiente e veraz, que não seja enganosa ou abusiva, de sorte a proporcionar autonomia na relação de consumo. Esse direito também compreende o conhecimento do produto, cuja importância para o desempenho da liberdade de escolha não se pode questionar; a conformidade entre anúncio e produto ou serviço adquirido, de molde a conferir transparência à relação de consumo; e, por fim, a identificação da mensagem como publicitária8.

O Código de Defesa do Consumidor cuidou, de modo especial, da tutela da criança, que não pode ter sua natural inexperiência e dificuldade de julgamento exploradas por fornecedores e anunciantes. Nessa ambiência, fazse necessária a distinção entre publicidade de produtos infantis e publicidade infantil.

A diferenciação básica reside no destinatário da comunicação mercadológica: caso a publicidade tencione se comunicar com a criança, buscando captar a sua atenção e adesão, estar-se-á diante de publicidade infantil, mesmo que o produto ou serviço não seja de uso exclusivo pela criança. Nesse sentido, a publicidade que, embora anuncie mercadorias que sejam consumidas preferencialmente por crianças, não as tenha como alvo não será caracterizada como publicidade infantil.

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O foco da regra consumerista é o destinatário da mensagem publicitária e não o produto ou serviço anunciado. Esse é um aspecto absolutamente relevante em tempos nos quais produtos como desinfetantes, amaciantes de roupas, bebidas e veículos são anunciados por ursinhos de pelúcia, celebridades de programas infantis e personagens de filmes de animação. Valendo-se de seu grande poder de persuasão, a publicidade, além de fazer das crianças clientes potenciais, atrai sua atenção recorrendo a técnicas que manipulam cores, sons, imagens, canções conhecidas. Sobretudo, os anunciantes conhecem o fenômeno do acesso das crianças à sociedade de consumo e sua participação ativa na escolha familiar de produtos e serviços9.

1. A publicidade dirigida ao público infantil

Por que o CDC busca defender a criança frente à publicidade? Porque esse diploma legal, além de consagrar a tutela do vulnerável, teve em conta a necessidade de concretização do princípio da absoluta prioridade da criança, previsto no art. 227 da CF/88. Impõe-se, no Brasil, atenção especial para as práticas comerciais que atinjam a criança, pessoa hipervulnerável em razão da incompletude do seu desenvolvimento. A norma de defesa do consumidor está, ainda, relacionada com toda a estrutura legal do Brasil, que demanda, por força do art. 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente, essa mesma proteção integral.

A publicidade, também para efeito de tutela da criança, deve evidenciar sua finalidade comercial, promover valores positivos para a sociedade, absterse de praticar ofensas contra os consumidores, ser clara e precisa, jamais avançando no vão das dificuldades de julgamento ou experiência da criança. Toda e qualquer publicidade que tenha como alvo a criança é considerada publicidade infantil.

Entrementes, se toda criança é ser em formação – e não há dúvidas sobre isso –, é possível inferir que toda publicidade dirigida à criança é abusiva e, por tudo, ilegal. Em uma ordem valorativa de nosso sistema normativo, onde a criança foi colocada como absoluta prioridade do Estado, da sociedade e dos cidadãos, não deveria haver publicidade dirigida às crianças. Primeiro, porque as crianças não têm condições de consumir, o que, então, seria motivo suficiente para que os anunciantes, inclusive, não tivessem interesse em dirigir-se a quem não pode consumir. Segundo, porque anunciar para crianças é abusar do direito de fazer publicidade, o que implica ilegalidade da conduta.

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Cabem, desde já, as indagações: Se as crianças não têm o poder econômico de consumir, por que há tanta publicidade dirigida a elas? Se a publicidade abusiva é ilegal, por que está assentado no Brasil que é possível anunciar para as crianças? Por fim, quem está autorizado a dizer qual o limite aceitável de abordagem publicitária das crianças?

Para enfrentar tais indagações, trazemos como ponto de ancoragem a questão da publicidade dos alimentos de baixo teor nutricional.

2. A veiculação de publicidade infantil dos alimentos de baixo teor nutricional

Quando se fala em impor limites à atividade publicitária direcionada à criança, os argumentos devem partir de um dado essencial: a vulnerabilidade infantil, circunstância que suscita a discussão sobre os efeitos nefastos da mensagem publicitária dirigida a alguém que está em formação.

Uma das consequências negativas mais abordadas pela literatura especializada é a obesidade...

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