A Publicidade Infanto-Juvenil e o Assédio pela Internet

AutorSusana Almeida
CargoProfessora-Adjunta na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria Mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Páginas149-175

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Excertos

“A transferência da publicidade infanto-juvenil para o mundo virtual parece igualmente justificar-se como forma de contornar o apertado cerco que algumas legislações nacionais têm erguido para proteger os mais novos das investidas publicitárias”

“As crianças e os jovens não estão ainda munidos de um escudo de defesa cognitivo que lhes permita criar um filtro para proteção dos raios influenciadores ou mesmo hipnóticos da publicidade que os atingem provindos de diversas fontes”

“Com o fito de salvaguardar o desenvolvimento físico, mental ou moral das crianças e jovens, e considerando a sua especial credulidade, inocência e vulnerabilidade psicológica, o legislador nacional, no seguimento de imperativos comunitários, veio estabelecer restrições quanto ao conteúdo da publicidade infanto-juvenil”

“As mensagens de correio eletrónico, bem como as janelas com conteúdo publicitário (v.g., banners, intersticial adds ou pop-up windows) devem estar visivelmente identificadas e o mesmo sucede com os advertorials ou com os advergames, sob pena de violação deste dispositivo”

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1. Considerações iniciais: a sedução do “admirável mundo novo” digital a distintos utilizadores telemáticos

A internet é um “admirável mundo novo” digital que, através de um pequeno ecrã de um computador, de um telemóvel, de um tablet ou de uma televisão e à distância de um clique, permite a celebração de negócios, a difusão e obtenção de conhecimento, a governação, o convívio, o lazer e o sonho, em tempo real e sem fronteiras. A rápida disseminação deste instrumento tecnológico entre miúdos e graúdos, empresas e instituições públicas, à escala planetária, veio revolucionar e reconfigurar a sociedade contemporânea, hoje apelidada de “Sociedade da Informação”1.

Em Portugal, em 2013, 62% das famílias dispunham de acesso à internet2.

Quanto a dados mundiais, em 2012, encontrávamos aproximadamente de 2,4 mil milhões de utilizadores da internet, cerca de 34,3% da população mundial3. Nesse mesmo ano, Portugal apresentava 5,950,449 usuários telemáticos4e, no Brasil, a cifra fixava-se em 88,494,7565.

Entre os usuários telemáticos, as crianças e jovens parecem ser os que mais fácil e propensamente se deixam enredar pelas sedutoras vantagens das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC). Com efeito, as estatísticas oficiais revelam que são as famílias com crianças e jovens que “mais rápida e intensamente se convertem aos novos média e os trazem para dentro de casa”6. Segundo informação do Instituto Nacional de Estatística (INE) referente a 2012, a utilização das TIC encontrava-se largamente difundida entre os jovens dos 10 aos 15 anos: 98% utilizam computador, 95% acedem à internet e 93% usam o telemóvel7.

Outro tipo de utilizador da internet que se encantou com as múltiplas e inegáveis vantagens que o ambiente digital lhe poderia oferecer foram as empresas. Com efeito, como escrevemos noutra sede, “o desenvolvimento exponencial da internet e as suas singulares características, mormente o fato de ser uma montra virtual, pouco dispendiosa, interativa, personalizada e transfronteiriça, que pode ser consultada e alterada em tempo real, conduziram a que esta fosse contemplada pela generalidade das empresas como um poderoso suporte publicitário”8. De fato, a internet, além de permitir celebrar negócios em tempo real, sem recurso a papel ou constrangimentos geográficos, possibilita ao empresário a disseminação da informação comercial dos seus produtos e serviços, com as referidas vantagens, para um conjunto incomensurável de potenciais clientes (pelo menos, 2,4 mil milhões, como vimos)9. Assim se compreende que se tenha verificado uma transferência da

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publicidade para este espaço virtual de comunicação e que, atentos às suas evidentes virtudes, os empresários apostem cada vez mais na comunicação comercial digital e na diversificação do seu formato10, como veremos infra. Efetivamente, foram avançados dados que indicam que, em 2012, o montante de investimento na publicidade online, a nível mundial, ultrapassou a cifra dos 100 mil milhões de dólares, prevendo-se que, em 2015, se invistam quase 150 mil milhões de dólares em publicidade digital11.

Será igualmente de assinalar, nestas considerações introdutórias, que o tempo que os cibernautas infanto-juvenis passam online tem aumentado exponencialmente. Estudos revelam que 53% das crianças portuguesas com idades compreendidas entre os 9 e 16 anos acedem à internet diariamente ou quase diariamente, sobretudo a partir de casa e particularmente no quarto (93% acedem a partir de casa e 67% fazem-no no seu quarto) e, em virtude de políticas nacionais desenvolvidas desde 2008, cerca de 63% dessas crianças e jovens dispõe do seu próprio computador portátil12. Semelhante estudo desenvolvido no Brasil mostra que 47% das crianças com idades compreendidas entre os 9 e 16 anos acede à internet diariamente ou quase diariamente e 60% o fazem a partir de casa, mas, desta feita, em espaços comuns, como a sala de estar13. Neste mesmo país, estima-se que as crianças com idades compreendidas entre os 2 e os 11 anos passam uma média de dezessete horas por mês online14. Entre as atividades desenvolvidas pelos cibernautas infanto-juvenis no espaço digital, salientam-se a utilização da internet para realização dos trabalhos escolares, visita das redes sociais, em particular do Facebook, visionamento de videoclipes, participação em jogos online e envio de mensagens instantâneas ou emails, entre outras15.

Ora, conscientes de que as crianças e jovens constituem “consumidores” ativos, influenciadores do consumo familiar e futuros consumidores adultos16 e, por outro lado, cientes de que estes são agora frequentadores regulares do mundo virtual, com parca supervisão, os anunciantes e os publicitários têm apostado de forma expressiva, como vimos, no desenvolvimento de técnicas e ferramentas de marketing e publicidade especialmente talhados para este ambiente e com efeito acutilante e pernicioso na formação da personalidade e comportamento das nossas crianças e jovens. A transferência da publicidade infanto-juvenil para o mundo virtual parece igualmente justificar-se como forma de contornar o apertado cerco que algumas legislações nacionais têm erguido para proteger os mais novos das investidas publicitárias17.

É justamente sobre os perigos que resultam da sujeição a esta radiação publicitária online e, bem assim, sobre a sua complexa regulamentação e difícil controlo que nos propomos falar no presente trabalho.

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2. Os perigos da sujeição à radiação publicitária online

As crianças e jovens não têm a mesma capacidade dos adultos em identificar e compreender as motivações que subjazem às comunicações comerciais. Com efeito, em tenra idade, as crianças têm alguma dificuldade em reconhecer as mensagens publicitárias ou distingui-las da realidade e, quando começam a criar essa percepção, a maioria não entende o seu caráter persuasivo e não consegue adotar uma atitude crítica antes dos 11 ou 12 anos. Deste modo, as crianças e os jovens não estão ainda munidos de um escudo de defesa cognitivo que lhes permita criar um filtro para proteção dos raios influenciadores ou mesmo hipnóticos da publicidade que os atingem provindos de diversas fontes.

A radiação publicitária online será a que hoje representa quiçá mais perigos para a modelação da personalidade e do comportamento consumidor da criança e jovem. Saliente-se, desde logo, que, para estar online, a criança e jovem não precisa de um computador, sendo suficiente a utilização de um tablet, de um telemóvel, de um iPod, de Tv a cabo interativa ou consola interativa. Por outro lado, a publicidade online não está sujeita aos rigorosos limites temporais estatuídos na Lei 27/2007, de 30 de julho, alterada pela Lei 8/2011, de 11 de abril (Lei da Tv)18, nem é precedida pelo designado “separador” exigido para a publicidade na televisão ou rádio (cfr. art. 8º, nº 2, do Código da Publicidade, e art. 40º-A da Lei da Tv) . Acresce que, com a transposição do mundo offline para o mundo online, o controlo parental, a montante, e das autoridades nacionais, a jusante, dos conteúdos veiculados nas comunicações comerciais digitais é sobejamente mais difícil. É óbvio que os progenitores ou outros responsáveis têm o “dever in vigilando”, mas, no que respeita à regulação e controlo pelas autoridades nacionais, colocamse, como veremos, complexos problemas de fixação de competências e de uniformização de critérios jurídicos de apreciação dos conteúdos, na medida em que a internet é a “aldeia global” e que pensar que se podem controlar os conteúdos em toda a sua extensão mundial e ubíqua é uma mera quimera19.

Por outro lado, os profissionais do segmento conseguem criar práticas comerciais e publicitárias desleais que confundem a informação ou o lazer com a publicidade (v.g., jogos online20, clubes de internet, curiosidades, dicas, brincadeiras), que promovem a recolha de dados pessoais do cibernauta infanto-juvenil, que a este se moldam tendo em conta as suas pegadas digitais e que incitam, de forma ludibriosa, a celebração de negócios jurídicos não autorizados pelos titulares das responsabilidades parentais21.

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As redes sociais, especialmente o Facebook22, representam igualmente uma séria ameaça neste domínio. Estudos revelam que, em 2011, 38% das crianças europeias com idades...

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